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O objeto de estudo perspetivado no campo da avaliação de professores assim como a natureza do problema centrado na implementação da política de avaliação docente, preconizada pelo Decreto-Regulamentar nº2/2010, configuram opções metodológicas de natureza interpretativa e descritiva. Ao nível da dimensão microssistémica privilegiaram-se as conceções e ações dos atores, a sua diversidade expressa através das interações sociais e os significados que lhes foram atribuídos. Deu-se relevo às experiências subjetivas que motivaram os sujeitos a empreender determinadas ações e a

158 construírem conhecimento (Erikson, 1986), em contextos organizacionais e supervisivos distintos.

Na pesquisa realizada, assumiram-se pressupostos metodológicos que repudiam as perspetivas positivistas focadas na explicação e os modelos de carácter hipotético- dedutivo, para dar lugar central à ‘epistemologia da implicação’ (Berger, 2009). Tratando-se de um objeto de estudo situado numa temporalidade própria, a ênfase na sua compreensão expressa-se tanto no discurso político (contexto legislativo do processo de avaliação) como no discurso da e sobre a ação de avaliação (contextos de implementação da escola). Assim, adota-se a distinção, apresentada por Berger, entre “epistemologia do olhar” e “epistemologia da escuta” (p.189). A primeira procura instrumentos para a observação do sujeito, a segunda envolve a compreensão da complexidade do fenómeno em estudo, ou seja, o processo de implementação da política de avaliação segundo o DR nº 2/2010.

Com efeito, as interações e as lógicas que ocorrem no decurso do processo local de implementação da política nacional de avaliação do desempenho enquadram-se numa “ordem temporal” à qual a investigadora não pôde ser indiferente. Se nos situarmos do ponto de vista da “epistemologia da escuta”, esta pesquisa terá em conta as situações experienciadas e enquadradas nos seus contextos. Trata-se de situações que têm sentido, não apenas para os sujeitos que se envolvem entre si e com elementos dos seus contextos, mas também para a própria investigadora. É fundamental que se apreenda o sentido das situações vividas e construídas pelos sujeitos para que a investigadora lhes possa atribuir também sentido. Em termos de uma epistemologia do sentido, nas palavras de Berger, esta forma de interagir com o objeto de investigação

incide e é construída numa relação com o sujeito (…) Quando nos colocamos numa posição de escuta, envolvemo-nos na temporalidade dos fenómenos (…) a que nos tornamos sensíveis. Trata-se de uma ordem que não é produzida por aquele que escuta, que ele não domina. (…) na escuta não é tanto o som que é importante, mas mais a forma de nos relacionarmos com a realidade (2009, p.190).

Em coerência com esta linha de investigação interpretativa segue-se uma abordagem metodológica ideográfica, uma vez que pretende explicar o que é único e particular, o modo como os sujeitos interpretam as suas experiências, multifacetadas, situadas e contextualizadas e como estruturam o mundo social em que vivem (Bodgan & Biklen, 1994; Cohen & Manion, 1981). O investigador interpretativo procura clarificar significados presentes na linguagem e nas ações dos atores sociais, de forma a

159 apreender e esclarecer o processo de construção do significado (Schwandt, 1994). Nesta investigação interpretam-se as ações dos sujeitos com o objetivo de as tornar inteligíveis, tendo por referência os seus motivos, intenções e objetivos intrínsecos às ações.

Ao estudar-se os modos subjetivos de apropriação, significação e interpretação dos papéis dos diferentes atores envolvidos na avaliação em contextos organizacionais e supervisivo-avaliativos – avaliadores de topo (membros da Comissão de Avaliação e do Júri de Avaliação), avaliadores/relatores e professores – enfatizou-se a construção interdependente de julgamentos acerca da qualidade do desempenho docente. No entanto, para proceder à identificação dos motivos e intenções subjacentes ao discurso e ação de avaliadores e avaliados, o investigador precisa de compreender o valor da significação que a ação tem para o ator num determinado contexto social (Carr & Kemmis, 1995). As conceções subjetivas da realidade social, a procura dos sentidos (Cohen & Manion, 1981) que os avaliadores atribuem às suas ações e às dos professores com quem interagem. Neste trabalho, a partir da análise das suas ações, das suas narrativas de experiência e dos seus significados, procurou-se o que é particular no indivíduo, mais concretamente, nos avaliadores de topo, avaliadores/relatores e professores e não o geral e o universal. A apreensão das significações pressupõe um processo de retrospeção reflexiva, que encontra expressão, neste estudo, quando, por exemplo, os relatores justificam e fundamentam as suas práticas de avaliação nas conferências de supervisão e nas entrevistas conduzidas pela investigadora.

Algumas das críticas dirigidas à investigação interpretativa acentuam, por um lado, que o significado das situações, ações pode ser facilmente desvirtuado, porque este depende de circunstâncias várias, tais como questões de poder, de negociação, de liderança, de persuasão e num nível mais geral, de causas históricas e sociais. Outras críticas enfatizam que o conhecimento produzido pelos atores é sempre parcelar e não total, não universalmente partilhado (Cohen & Manion, 1981, 2007; Carr & Kemmis, 1995). Neste estudo, o que tornou atrativa a abordagem interpretativa foi, precisamente, a possibilidade de se valorizar a interpretação do significado das ações dos sujeitos e daqueles com quem interagem, o que permitiu no contexto da investigação sobre a avaliação de professores, conhecer a diversidade de conceções dos intervenientes no processo avaliativo e apreender a riqueza e complexidade das interações humanas no contexto educacional, que continuamente se ajustam, avaliam, negoceiam e modificam. Assim como verificar a importância que os sentimentos de rejeição e/ou conformismo

160 face à política de avaliação imposta pelo Ministério da Educação, motivações, expetativas pessoais e profissionais negativas/positivas face à avaliação adquirem na construção gradual duma cultura de avaliação docente.

O interesse da investigação pela singularidade e pelo particular, através da análise das conceções e competências de supervisão avaliativa em ação, não pode dissociar-se do estudo dos contextos em que elas se revelam, do micro e meso contextos, em que se concretizam as políticas de avaliação de professores. Neste estudo, o interesse pelo fenómeno particular da implementação da avaliação do desempenho docente inscreve- se num fenómeno geral, que se reporta às mudanças de políticas com impacto na profissão docente.

É na especificidade ecológica de cada escola que se (re)configuram teorias de avaliação em uso, construídas por entendimentos distintos do processo de avaliação, por objetivos, procedimentos, conceções de supervisão avaliativa subjacentes ao discurso de avaliadores e avaliados e competências de avaliadores. Digamos que, investigar o papel dos avaliadores/relatores, como é interpretado e posto em exercício, e aos quais se reconhece importância marcante para o sucesso do processo de avaliação, inscreve-se num processo mais global de compreensão das múltiplas teorias de avaliação em uso na escola. Marcadas pelas políticas de avaliação herdadas desde 2007 e sua influência na política oficial planeada e operacionalizada pela Comissão de Avaliação em conformidade com o DR nº2/2010. E reescrita pela própria Comissão ao longo do ciclo avaliativo e pelos diferentes avaliadores que a legitimam/(re)configuram no processo de supervisão avaliativa.

Neste estudo de natureza qualitativa, o acompanhamento pela investigadora do trabalho realizado por avaliadores de topo e relatores, desde o planeamento, operacionalização do modelo de avaliação e ação final de avaliar os professores, é entendido como um estudo de caso (Stake, 2007). Uma vez que visa compreender as formas de interpretar e transformar em ação na escola, a política de avaliação consagrada no DR nº2/2010. As convergências e divergências no exercício das funções específicas dos diferentes avaliadores podem ser perspetivadas intraescola numa relação interpretativa sistémica entre o contexto microssupervisivo da avaliação e o contexto meso-organizacional, em que ocorre o processo de planeamento e implementação da avaliação de professores.

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