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A filosofia positivista em geral tem subjacente uma crença objetiva da realidade social, uma visão do conhecimento como realidade objetiva, verdadeira e inteligível, disponível para ser replicada e aplicada. Cabe ao investigador o papel neutro de observador e mobilizador dos métodos das ciências naturais, transpostos para as ciências humanas na procura da verdade dos resultados. Distanciado dos contextos e objetos de estudo o investigador racionalista recorre a correlações, generalizações empiricamente testáveis, a hipóteses e modelos na análise dos dados, na procura de verdades universais, que possam explicar e predizer a realidade, nomeadamente, o comportamento individual e social. No entanto, a investigação de orientação positivista inclui, para além dos aspetos comportamentais, os aspetos cognitivos, ou seja, o modo como pensam os professores e os alunos e seus reflexos na aprendizagem, ignorados no início dos anos setenta (Zeichner, 1992). Nesta perspetiva positivista, desvaloriza-se a subjetividade, a unicidade, a individualidade, em prol do que é passível de ser objetivado pela experiência e pela observação, o mundo dos factos (Lessard-Hébert, Goyette & Boutin, 1990).

A perspetiva técnica da supervisão e da avaliação, pela sua fundamentação behaviorista, tende a centrar-se na objetividade, na racionalidade e no treino sistemático da observação e medida dos comportamentos do professor por parte do supervisor/avaliador, enquanto a vertente cognitiva enfatiza a produção de julgamentos com vista à tomada de decisão. No entanto, ambas desvalorizam as conceções e os valores dos intervenientes no processo de supervisão e avaliação. À vertente cognitiva interessam os processos de pensamento e juízos de valor efetuados pelo supervisor/avaliador, na medida em que a sua compreensão permite a implementação de técnicas mais eficazes na supervisão e avaliação do desempenho docente. À vertente

72 behaviorista importa a utilização de instrumentos de observação pré-determinados, focalizando-se a atenção nos comportamentos de ensino do professor e nos resultados em termos da aprendizagem dos alunos. O modelo de investigação processo-produto representa bem esta perspetiva racionalista, uma vez que relaciona o processo de ensino, as variações no comportamento do professor, com as variações em termos dos resultados obtidos pelos alunos (Shulman, 1986).

Supervisão e avaliação do desempenho docente baseadas em abordagens positivistas têm sido objeto de várias críticas, relativamente a aspetos conceptuais e metodológicos. O privilegiar dum modelo empírico-racionalista, descurando aspetos contextuais que influenciam as ações e decisões dos professores tem sido criticado pela investigação educacional. Neste sentido, a investigação tem sentido necessidade de desenvolver abordagens mais complexas para analisar a qualidade do ensino que ultrapassem a restrita racionalidade técnica (Sykes, 1990) e pressuponham um compromisso com conceções e valores de índole fenomenológica e sociocrítica. Cada uma destas perspetivas conceptuais veicula determinados propósitos acerca da natureza da supervisão e avaliação docente, associados a determinadas conceções de ensino, de professor e de supervisor/avaliador (Zimpher & Howey, 1987; Guba & Lincoln, 1989; Stufflebeam & Skinfield, 2007).

Ênfase positivista na supervisão da prática profissional. Fundamentada

epistemologicamente na filosofia positivista, a prática da supervisão e orientação da prática profissional, quer na formação de professores em período probatório, quer na formação contínua, tende a privilegiar um modelo de ensino, de professor e de supervisor em conformidade com os princípios da investigação sobre a eficácia pedagógica (Shulman, 1986). Subjacente a esta prática está uma conceção objetiva da realidade social, associada a um entendimento do ser humano que responde de forma determinista a circunstâncias exteriores (Cohen & Manion, 1981, 2007) e uma visão do ensino como ciência aplicada (Zeichner, 1983, 1992) ou, na terminologia de Schön (1987), o modelo de racionalidade técnica. Construído, segundo o modelo processo- produto, que sugere que um determinado tipo de ensino, designado de ensino direto, centrado no professor, é considerado mais eficaz que outros em termos de produção de aprendizagens (Zahorik, 1992). Nesta perspetiva teórica, no processo de supervisão da prática pedagógica, o supervisor investe em metodologias psicométricas, com o objetivo de inferir conhecimentos, comportamentos e competências consideradas como corretas pela investigação. O recurso ao feedback educacional permite reforçar determinadas

73 competências do professor definidas em termos de comportamento ou desempenho (Feiman-Nemser, 1990). O conceito de bom professor expressa-se pela metáfora do professor como técnico (Sergiovanni & Starratt, 1993, p.34), que surge como modelo de comportamento, executor de leis e princípios do ensino eficaz (Gómez, 1992). Ao prescrever técnicas estandardizadas relativas aos processos de ensino, a conceção de supervisão da prática profissional, subjacente a uma abordagem behaviorista da formação de professores, adquire contornos de inspeção, avaliação e controlo da qualidade de ensino (Alarcão & Tavares, 1987; Sá-Chaves, 2000). De acordo com uma orientação normativa de tipo transmissivo, a pessoa (professor em formação/avaliação) é sujeita a um processo de imposição (Lesne, 1984) de condutas e ações mecanizadas modificadoras das práticas realizadas. A demonstração de comportamentos ou desempenhos identificáveis, específicos e limitados tende a associar-se a objetivos comportamentais (Simões, 1995), pré-determinados à ação de supervisionar. No entanto, esta visão racional da prática pedagógica, em que assenta o trabalho docente e o papel do supervisor, adquire contornos mais abrangentes numa abordagem cognitiva da formação de professores, no sentido em que se desvalorizam os comportamentos e se privilegia a tomada de decisões e resolução de problemas (Feiman-Nemser, 1990). O bom ensino depende da qualidade das decisões do professor, da sua adequação aos objetivos de aprendizagem, e não em termos dos resultados dos alunos. Valorizam-se os processos de pensamento do professor no pressuposto de que estes influenciam e determinam os comportamentos a observar (Clark & Peterson, 1986) pelo supervisor. No entanto, quer a abordagem behaviorista, quer a cognitiva baseiam-se no estudo científico do ensino e na utilização dos resultados das investigações com vista à construção de designs curriculares e de formação de professores (Zeichner, 1993a).

Ênfase positivista na avaliação. Fundamentada no paradigma científico, a

perspetiva de avaliação técnico-racionalista baseia-se na investigação sobre o ensino, tendo por base sistemas de observação das práticas pedagógicas. Neste contexto epistemológico, a avaliação surge como sinónimo de testagem e está orientada para a medida. Aplica-se quer na avaliação dos alunos, com base em testes estandardizados, quer na dos professores, baseadas em fichas de observação, que enfatizam os comportamentos pré-definidos no programa de aprendizagem e de avaliação. Ambos os processos são seguidos de comparação intergrupal de forma a avaliar a eficácia do modelo (Iwanicki, 1998; Guba & Lincoln, 1989; Scriven, 1976). Enquanto a primeira geração de avaliação se centra nos alunos como objetos de avaliação, a segunda

74 denominada de descritiva, orientada por objetivos, enfatiza o desenvolvimento curricular e verifica o grau de consecução dos objetivos alcançados pelos alunos no programa de avaliação. Face aos resultados obtidos, efetuam-se reajustamentos processuais até se atingir o nível de desempenho esperado. A eficácia do programa de ensino é verificada pelo grau de conformidade dos comportamentos dos alunos aos objetivos definidos no programa de avaliação (Iwanicki, 1998; Scriven, 1976, 1973a). O avaliador, neste papel, é entendido como alguém que descreve o programa de avaliação, de acordo com o que se designa atualmente de avaliação formativa. Esta orientação avaliativa era essencialmente descritiva e não contemplava o que Stake (1967, citado por Guba & Lincoln, 1989) designou de julgamentos. O avaliador para além de ser um técnico e um descritor necessita, de acordo com a terceira geração de avaliação, de apreciar o mérito dos avaliados, assumindo assim o papel de juiz (Guba & Lincoln, 1989). Nesta perspetiva cognitiva da avaliação, a introdução do julgamento no ato de avaliar exige a criação de standards face aos quais se validam os julgamentos efetuados com vista à tomada de decisão sumativa. A terceira geração, também denominada de avaliação centrada na tomada de decisões, prevalece, sobretudo, nos anos 60. As decisões avaliativas tendem a ser feitas com base na demonstração por parte dos professores dos comportamentos desejados, com pouca referência para a aprendizagem que ocorre na sala de aula (Peterson, 2000). No ensino continua a comparação das performances dos alunos com as expetativas estabelecidas pelos objetivos, mas são desenvolvidos padrões para guiarem o processo de tomada de decisão. A eficácia do programa é medida pela adequação dos alunos aos padrões pré-definidos (Iwanicki, 1998; Guba & Lincoln, 1989). Na avaliação do desempenho docente configuram-se padrões de competência profissional, tendo por base os resultados da investigação educacional, face aos quais os avaliadores validam os julgamentos produzidos acerca do desempenho do professor em avaliação.

No âmbito da psicologia organizacional, a avaliação é entendida como um problema de medida do desempenho do avaliado e coloca o foco no instrumento. A utilização da metáfora do teste (Caetano, 2008, p.4) equipara a avaliação do desempenho aos testes psicológicos, sobretudo, aos utilizados na seleção profissional. O grau e a objetividade dependem do tipo de instrumento utilizado pelo avaliador. Se ele atender a determinados critérios, as cotações atribuídas pelo avaliador são consideradas objetivas evitando erros psicométricos como os provocados pelo efeito de halo, identificado pioneiramente por Thorndike, erros de leniência/severidade e erros de

75 tendência central ou restrição de amplitude (Saal, Downey & Lahey, 1980). O efeito de halo expressa a possibilidade de os avaliadores poderem percecionar globalmente alguém (professor, por exemplo) como bom ou inferior e, por conseguinte, terem tendência a julgar as suas qualidades em função dessa apreciação geral.

Por outro lado, o erro de leniência exprime a tendência do avaliador para atribuir menções acima do ponto médio da escala, utilizada nos instrumentos de avaliação e o de severidade para classificar o avaliado abaixo do ponto médio da escala. Por último, o erro de tendência central ou restrição de amplitude identifica a ausência de não discriminação entre os avaliados em termos de nível de desempenho profissional (Saal, et al., 1980). Neste sentido, grande parte da investigação tem procurado construir instrumentos de avaliação profissional que possuam fidelidade, validade, viabilidade (Medley, 1982). Em simultâneo, procura-se treinar os avaliadores nos métodos de observação e de utilização adequada dos instrumentos produzidos,na tentativa de tornar a avaliação exata e objetiva. Neste sentido, o papel do avaliador é o de técnico, conhecedor da panóplia de instrumentos disponíveis, de forma a conseguir medir as variáveis consagradas pela investigação científica (Guba & Lincoln, 1989; Stufflebeam & Shinkfield, 2007).

Se se pretender transpor a lógica racionalista para a avaliação dos professores do ensino não superior em Portugal, poder-se-á pensar que os princípios subjacentes a uma geração técnica de avaliação (Iwanicki, 1998, p.139), baseada na medida do desempenho docente, poderão estar presentes nas conceções e práticas de avaliação dos professores com funções de avaliadores? As diferentes caraterísticas dos instrumentos de avaliação expressam abordagens da avaliação do desempenho, que enfatizam aspetos relacionados com a personalidade do avaliado, comportamentos e resultados (Morhman, Resnick-West & Lawler, 1989).Em que medida o modelo de avaliação se centraliza em instrumento(s)? Sendo a avaliação do desempenho um sistema, constituído por objetivos, instrumentos e procedimentos (Stufflebeam & Shinkfield, 2007; Fernandes, 2008), importa questionar, que preocupações revelam as escolas com a qualidade dos instrumentos a utilizar na observação das práticas pedagógicas e até que ponto estão em conformidade com as finalidades do modelo oficial de avaliação do desempenho docente?

Seguindo a análise efetuada por Caetano (2008), a partir da década de 80, a evolução das conceções de avaliação do desempenho conduz à descentralização da procura do critério último de carácter racional, para se centrar no utilizador, isto é, no

76 modo como o avaliador processa informação conducente à exatidão do julgamento acerca do avaliado. Na perspetiva deste autor surge assim uma visão mais abrangente do modelo técnico de avaliação em função de uma abordagem cognitiva, focalizada no funcionamento cognitivo do avaliador. Esta abordagem aparece simbolicamente retratada através da metáfora do processador de informação, que valoriza, não o conteúdo, mas a análise dos processos através dos quais os avaliadores produzem os seus julgamentos com vista à explicitação das fontes de avaliação e causas dos enviesamentos. No entanto, a questão relevante continua a ser a da exatidão dos julgamentos. Ao contrário da metáfora do teste, os enviesamentos, de acordo com a metáfora do processador de informação, resultam de lacunas na forma como se processa a informação e não tanto dum problema resultante dos instrumentos. As duas metáforas inscrevem-se no paradigma científico, mobilizando uma abordagem individual e racional do comportamento das pessoas nas organizações, segundo as teorias provenientes da área da cognição social. A avaliação continua a ser entendida como um “problema de validade epistémica do julgamento individual do avaliador, ignorando o contexto social em que tal julgamento é produzido e emitido” (Caetano, 2008, p.5).