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A perspetiva crítica na formação e avaliação de professores tem subjacente uma conceção epistemológica baseada na teoria crítica, enquadrada por ideias neomarxistas, fenomenológicas e construtivistas. A teoria crítica radica na tradição teórica desenvolvida pela escola de Frankfurt e apresenta como objetivo desafiar e quebrar o status quo, através da análise e exposição de formas de opressão e dominação, impeditivas da emancipação das pessoas. Formas estas que se expressam através da ideologia positivista dominante em associação com uma visão doutrinária da ciência (Schubert, 1989; Kincheloe & MacLaren, 1994; Carr & Kemmis, 1995). Das caraterísticas da teoria crítica destacam-se a rejeição de conceitos positivistas de racionalidade, objetividade e verdade e privilegiam-se as interpretações dos professores (e avaliadores), com vista à compreensão dos significados que estes atribuem às suas práticas educacionais (e avaliativas). Procura-se, ainda, providenciar meios facilitadores da distinção entre interpretações ideologicamente distorcidas das que o não são e a indicação de maneiras de resolver as que são incorretamente interpretadas. A teoria crítica preocupa-se com a expansão da consciência que um ser humano tem acerca de si

80 próprio. Por conseguinte, procura proceder à identificação e exposição de aspetos da ordem social existente, que se apresentam como limitadores ou impeditivos da consecução de objetivos educacionais pelos professores, no sentido de lhes facultar informações de forma a consciencializarem maneiras de os superar e eliminar. A preocupação em transformar a maneira como os professores (e os avaliadores) se veem na situação tem subjacente o despertar da consciência com vista ao reconhecimento e superação dos obstáculos, perpetuadores de distorções ideológicas e impeditivos da realização das suas intenções educacionais (Kincheloe & MacLaren, 1994; Carr & Kemmis, 1995; Kincheloe, 2006) ou avaliativas. A teoria crítica visa, assim, a transformação da sociedade, descrevendo a ordem social que controla o entendimento que os indivíduos fazem da sua própria situação (Zimpher & Asburn, 1985).

Seguindo a análise efetuada por Carr e Kemmis (1995), Jürgen Habermas desenvolve a ideia duma ciência social crítica, concebendo o desenvolvimento do conhecimento como um processo de construção, ao serviço dum "interesse emancipatório em termos de liberdade e autonomia racional" (p.136). O despertar da autoconsciência reflexiva e crítica nos indivíduos surge como o objetivo a alcançar pela teoria crítica, uma vez que pretende que compreendam e explicitem como as suas intenções podem estar destorcidas, constrangidas ou manipuladas socialmente, para numa fase posterior as corrigirem e eliminarem. Pretende-se transformar as maneiras de pensar e de agir dos indivíduos (com base na análise da sua linguagem), de forma a desconstruirem-se mecanismos internos de pressão/opressão, sentidos pelos indivíduos como não problemáticos, inevitáveis e mesmo justificáveis (Carr & Kemmis, 1995).

O movimento de reconstrução social fornece o contexto histórico para o construtivismo emancipatório teorizado, entre outros, por Vygotsky (1986, citado por Vadeboncoeur, 1997, p.15), que enfatiza a "educação para a transformação social e a reconstrução da sociedade de acordo com os ideais democráticos". O seu objeto de estudo situa-se na relação dialética entre o individual e o cultural, inserido num contexto socio-histórico alargado, associando-se a um método que pretende expor as desigualdades e em abordagens pedagógicas que incidem sobre a análise e a reflexão críticas, nomeadamente, das crenças culturais que influenciam o comportamento das pessoas (avaliados e avaliadores) e a compreensão que fazem do mundo. De acordo com o pensamento de Giroux (1988), Feiman-Nemser (1990), Zeichner (1994) e Vadeboncoeur (1997), alguns proponentes do movimento de reconstrução social defendem um currículo onde se espelhem preocupações com os ideais democráticos,

81 uma vez que a escola tem ajudado a reproduzir as desigualdades sociais (de raças, classes e sexos) e a ideologia dominante.

Ênfase crítico-social na supervisão da prática profissional. A perspetiva

crítica/social na formação de professores associa uma crítica radical da escola com uma visão social progressista (Feiman-Nemser, 1990). Neste sentido, o papel da supervisão na formação de professores, quer inicial quer contínua, torna-se relevante, uma vez que a perspetiva reconstrucionista social considerava como missão da escola contribuir para a reconstrução de uma sociedade mais justa e humana. Outros autores ao conceberem a formação de professores como uma força democrática e anti-hegemónica (Giroux & MacLaren, 1986) induzem a práticas de supervisão problematizadoras que conduzam os professores a questionarem formas de socialização subjacentes aos programas de formação, ilustrativas de interesses sociais, políticos e económicos (Zimpher & Asburn, 1985). Advoga-se a "doutrinação intencional das ideias e valores socialistas" (Counts, 1932; citado por Zeichner & Liston, 1990, p.12) na formação de professores e por conseguinte, na relação pedagógica professor/aluno. No entanto, outros autores (Holmes & Bode, 1935; citados por Zeichner, 1993a) rejeitam a ideia da escola ser utilizada para promover um determinado programa social e defendem, pelo contrário, a promoção do pensamento crítico dos alunos acerca da ordem social. Face a esta finalidade, torna-se necessário proceder a reformulações nas conceções e práticas de supervisão no sentido de redirecioná-las para um despertar da consciência social dos professores, para que estes, por sua vez, contribuam para o desenvolvimento social da geração futura. Na perspetiva apontada por Zeichner (1994), ao caraterizar a tradição de reconstrução social na formação de professores e no ensino reflexivo, destacam-se os seguintes aspetos aplicados também à supervisão da prática profissional: a) atenção dos professores e supervisores às condições sociais em que ocorrem as práticas pedagógicas; b) questionamento acerca das questões da desigualdade e injustiça na escola e na sociedade, reveladoras dum impulso democrático e emancipatório associado à autocrítica e à crítica social institucional por parte de professores e supervisores; e c) compromisso com uma reflexão em termos sociais, promotora do crescimento conjunto de professores e supervisores, através de formas colaborativas de aprendizagem e formação, potenciadoras de mudanças sociais e institucionais.

Ênfase crítico-social na avaliação. Os defensores da avaliação como prática social

82 encorajados a perspetivarem o seu papel como agentes de mudança (Mark, Henry & Julnes, 2000) Problematiza-se, assim, a natureza política da escola (Giroux, 1988) que, inevitavelmente, se relaciona com a questão polémica da doutrinação política. Advoga- se o despertar da consciência social dos avaliadores, assente na promoção de valores baseados nos ideais de justiça social, igualdade e emancipação (Greene, 2007). A mudança da estrutura social implica que os professores/avaliadores encarem as escolas como "esferas públicas" (Aronowitz & Giroux, 1983, p.152; Giroux, 1988, p.153) democráticas, onde os estudantes adquirem o conhecimento e as competências necessárias para viverem numa democracia, de acordo com os valores da liberdade individual e da justiça social (Freire, 1988).

Aplicando ao avaliador de professores, o que Schubert (1989); Kincheloe e MacLaren, (1994) e Carr e Kemmis (1995) referiram em relação ao investigador crítico, poder-se-á dizer que a capacidade de autocrítica dos avaliadores revela-se essencial para examinarem e explicarem as subjetividades, ideologias e epistemologias, que subjazem à política de avaliação legislada e em uso nas escolas, assim como os seus próprios sistemas de valores e conceitos de justiça, que condicionam a análise dos dados recolhidos acerca do desempenho dos professores. O avaliador crítico ao questionar e expor as práticas ideológicas, aceites como naturais e inalteráveis, manifesta uma ação emancipatória, que se expressa, quando, por exemplo, estuda a forma como o professor resolve as manifestações de indisciplina/violência na sala de aula e procura que o docente as entenda não como um ato individual isolado, mas como uma manifestação de transgressão e de resistência associada a alguma forma de opressão.

O entendimento da avaliação como um processo social e político norteado por valores, na “quarta geração” apresentada por Guba e Lincoln (1989), interliga-se com outras teorizações desenvolvidas no âmbito da teoria crítica (Everitt & Hardiker, 1996; Niemi & Kemmis, 1999). Em termos conceptuais, a avaliação crítica inclui diversas abordagens da avaliação direcionadas para a análise macropolítica do poder e focalizadas no conteúdo e processo da avaliação (Greene, 2007). Entre as teorias críticas da avaliação surgem, por exemplo, as posições de Everitt e Hardiker (1996) com a teoria crítica da avaliação que dá ênfase aos juízos de valor, positivos ou negativos e a teoria da avaliação comunicativa proposta por Niemi e Kemmis (1999), que se baseia na teoria da comunicação de Habermas (1987).

A avaliação crítica aparece mais direcionada para macroestruturas enquanto a participatória enfatiza as micropolíticas de poder inerentes às decisões avaliativas A

83 avaliação participatória é concebida como um processo de desenvolvimento, enfatizando a reflexão e negociação na avaliação (Whitmore, 1998). A perspetiva crítica da avaliação enfatiza a dimensão cultural e política intrínseca ao papel do avaliador enquanto intelectual e investigador. Um defensor de valores democráticos, tais como, os de emancipação, igualdade e justiça social e atento à pluralidade de valores presentes nos contextos avaliativos, uma vez que a “avaliação nunca pode ser livre de valores” (Greene, 2007, p.118). De acordo com uma orientação democrática da avaliação (MacDonald, 1976; House, 1980, 1993; House & Howe, 1999), os avaliadores não enfatizam os aspetos técnicos, mas micro relações, que ocorrem em contextos específicos condicionadas pelo exercício do poder. A avaliação é entendida como uma atividade política em que os avaliadores podem influenciar as relações de poder no processo avaliativo (Greene, 2007).