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A complexidade da sociedade atual, as mudanças sociais, políticas e tecnológicas inerentes à sociedade de informação e de consumo repercutem-se, necessariamente, no espaço escolar. A escola democrática reflete as instabilidades, desigualdades sociais e os princípios duma economia competitiva, que tem tendência a transpor para o campo da educação, a noção de clientelismo e de mercado educacional, que se traduz em objetivos como a produtividade instrucional em termos da aprendizagem dos alunos (Afonso, 1999). A procura de uma maior eficiência e produtividade dos serviços, decorrente de constrangimentos orçamentais da despesa pública, estende-se aos modelos de avaliação dos trabalhadores, nomeadamente, às carreiras especiais, como os professores. Os modelos de avaliação de desempenho individual e respetivas modificações na estruturação da carreira integram-se, assim, nas reformas dos sistemas educativos internacionais (OECD, 2005).

O XVI Governo Constitucional, a partir de 2002, cria um modelo de avaliação de desempenho profissional na administração pública, não adaptado ainda aos professores do ensino não superior. No final de 2006 surgem as negociações entre Ministério da Educação (ME) e sindicatos de professores com vista à alteração do Estatuto da Carreira

42 Docente (DL nº15/2007), o que estaria na origem da conceção do modelo de avaliação do desempenho docente a ser implementado em 2008. Contudo, a falta de consenso entre professores, sindicatos e ME relativamente aos critérios de avaliação e respetiva metodologia adia a implementação do sistema já regulamentado desde 2007. A configuração jurídica da avaliação do desempenho docente (DL nº15/2007 e DR nº 2/2008), por oposição às descritas anteriormente, coloca a avaliação como modeladora do ensino, ao reconfigurar a profissão docente. A avaliação aparece centrada na análise de resultados reportados a padrões de desempenho pré-definidos em termos nacionais, que surgem como indicadores de medida das performances dos professores. Naturaliza- se a ideia de que a hierarquização por níveis de desempenho é sinal de qualidade num sistema avaliocrático (Correia, 2010).

As alterações radicais e sucessivas ao Estatuto da Carreira Docente (DL nº15/2007), nomeadamente, as condições de ingresso na profissão e diferenciação dos professores em duas categorias e avaliação do desempenho docente causaram um enorme mal-estar docente nas escolas (Trigueiros, 2009). Na estrutura potencialmente colegial, herdada do pós-25 de Abril, inseriu-se um modelo de avaliação que hierarquizou professores em titulares e não titulares associado à reestruturação dos departamentos curriculares, de acordo com a legislação (DR nº4/2008) sobre organização e gestão escolar. O cariz administrativo dos critérios de seleção para a categoria de professor titular originou um sentimento de indignação formalmente expresso pela associação nacional de professores, movimentos independentes de professores e pelas organizações sindicais, que se agudizou com a atribuição a posteriori de funções avaliativas aos professores titulares, omissas nos critérios de seleção para o referido concurso. A hierarquização criada introduziu mecanismos de rigidez, afastando as “elites” do ato de ensinar ao reservá-lo para os professores não titulares. No concurso a professor titular valorizaram-se cargos de gestão e coordenação em detrimento das atividades letivas (Sanches, 2008), implicando que o reconhecimento legislativo da competência dos avaliadores fosse feito com base na sua titularidade administrativa e não pedagógica (CCAP, 2009).

Avaliação de Professores no Programa do XVII Governo Constitucional Português

No programa do XVII Governo Constitucional reconhece-se o papel fundamental dos professores para a promoção do sucesso escolar e para a melhoria das

43 aprendizagens. E, neste sentido, preconizam-se alterações ao Estatuto da Carreira Docente, introduzidas pelo DL nº15/2007, que visam a valorização do trabalho docente e da organização escolar em prol das aprendizagens dos alunos. Apesar de se considerar que o estatuto anteriormente em vigor (DL nº139/A/90, posteriormente alterado pelo DL nº1/98) contribuiu para qualificar e dignificar a profissão docente,

a forma como foi apropriado e aplicado acabou por se tornar num obstáculo ao cumprimento da missão social e ao desenvolvimento da qualidade e eficiência do sistema educativo, transformando-se objectivamente num factor de degradação da função e imagem social dos docentes. Para tanto, contribuiu o regime de progressão na carreira que deveria depender do desenvolvimento das competências e da avaliação de desempenho (preâmbulo do Decreto-Lei nº 15/2007)

Neste preâmbulo critica-se ainda a dissociação existente anteriormente entre formação contínua, que exigiu avultados recursos ao país, e o aperfeiçoamento das competências científicas e pedagógicas do professor, permitindo que docentes afastados da atividade letiva tenham atingido o topo da carreira docente. O preâmbulo do estatuto refere, ainda, que um «regime de avaliação que distinga o mérito é condição essencial para a dignificação da profissão docente e para a promoção da autoestima e motivação dos professores» (DL nº15/2007). Destacando na sua função reguladora, que as finalidades de avaliação visam melhorar os resultados escolares dos alunos; melhorar a qualidade das aprendizagens e proporcionar orientações para o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes.

O estatuto (DL nº15/2007) introduz ainda o conceito de avaliação diferenciadora, que determina para a carreira docente, à semelhança da função pública, “cinco menções qualitativas associadas a uma contingentação das duas classificações superiores”, Muito Bom e Excelente. Esta alteração na avaliação docente pretende resolver problemas da anterior legislação que «tratava de igual modo» todos os professores, não diferenciando «os melhores profissionais [daqueles] que cumprem minimamente e até imperfeitamente os seus deveres». O estatuto aponta assim as limitações das configurações jurídicas anteriores, referindo que o «sistema não criou nenhuma motivação para que os docentes aperfeiçoassem as suas práticas pedagógicas ou se empenhassem na vida e organização das escolas», reconhecendo-se que «a avaliação do desempenho, com raras exceções apenas, converteu-se num simples procedimento burocrático, sem qualquer conteúdo» (preâmbulo do DL nº15/2007).

44 Nesta perspetiva, as mudanças anunciadas são prementes e visam

estabelecer um regime de avaliação de desempenho mais exigente (…) baseado numa pluralidade de instrumentos [entre os quais], os direitos à colaboração, à consideração e ao reconhecimento da autoridade dos professores pelos alunos, suas famílias e demais membros da comunidade educativa (preâmbulo do Decreto-Lei nº15/2007).

No seguimento da promulgação do DL nº15/2007 e do DR nº2/2008, a participação dos encarregados de educação no processo de avaliação dos professores constituiu objeto de grande polémica no seio da classe docente e estruturas sindicais, embora esta disposição inicial acabasse por ter apenas carácter facultativo. Do texto da lei (DR nº2/2008) foram também eliminados dois objetivos potencialmente controversos, a relação direta entre os resultados escolares dos alunos e a avaliação dos professores e o contributo dos docentes para a redução das taxas de abandono escolar. A conciliação no mesmo modelo de avaliação de propósitos qualitativos e quantitativos na apreciação do trabalho do professor originou desfasamentos conceptuais e metodológicos, difíceis de conciliar. Por um lado, destaca-se a importância da avaliação para a «melhoria da prática pedagógica e valorização e aperfeiçoamento do professor» (DL nº15/2007), mas, por outro lado, perspetiva-se a apreciação do desempenho docente em resultados quantificáveis, expressos através dos resultados obtidos pelos alunos. Assim nas fichas de observação do desempenho profissional estipula-se o registo por parte dos avaliadores do «contributo do docente para o cumprimento dos objetivos individuais [definidos em função da] melhoria dos resultados escolares dos alunos (item b, da ficha de avaliação a preencher pelo presidente do conselho executivo). Da ambivalência discursiva ressaltam questões relacionadas com a justiça da avaliação e com a credibilidade intrínseca ao próprio sistema avaliativo.

Em termos teóricos, a tutela ministerial procurou construir um design avaliativo, assente numa perspetiva interpretativa da avaliação, que contempla múltiplas fontes de dados para documentar uma diversidade de desempenhos (Peterson, 2000), tendo por finalidade, conseguir apreender a excelência no ensino. As categorias de competências e conceções de qualidade, ao pretenderem “desmembrar” a expertise profissional na procura de objetividade e rigor, operacionalizaram-se através de inúmeras fichas de formato único, propostas pelo Ministério da Educação, contendo dezenas de parâmetros de avaliação e geradoras de centenas de descritores. Este foi um exemplo negativo da valorização do recurso à quantificação, no processo de recolha de dados, tendo subjacente uma tentativa de racionalizar a prática docente, como já alertara Peterson

45 (2000). A confirmação da inoperacionalidade, por parte da tutela ministerial, das inúmeras fichas de observação do desempenho docente dá origem à simplificação dos instrumentos de observação contemplada, em seguida, nos regimes transitórios de avaliação (Decretos Regulamentares nº11/2008 e nº1-A/2009). A conceção contabilística da avaliação, enquadrada no paradigma da medida (Correia, 2010) desvaloriza, assim, as variáveis contextuais e privilegia a normatividade numa avaliação estratificada por dimensões da profissionalidade docente.

Conceção de avaliação modelada por parâmetros e direcionada para progressão na carreira

A avaliação da eficácia dos professores através da apreciação dos resultados dos alunos ilustra o poder da avaliação na reconfiguração da profissão docente. O que de significativo releva desta intenção, prevista no ECD (DL nº15/2007), é a valorização da conceção de professor ancorada em padrões de desempenho profissional de acordo com os resultados da investigação sobre a eficácia pedagógica. Segundo Medley (1982), a eficácia do professor pode ser expressa em termos do efeito do seu desempenho nos alunos. A noção de eficácia é, de certo modo, a expressão das competências e do desempenho do professor, mas também da qualidade de resposta do interlocutor, neste caso, do contributo dos alunos para o seu próprio processo de aprendizagem. Daí que responsabilizar, unicamente, o professor pelos resultados obtidos pelos alunos seja considerada uma questão muito polémica na literatura. Esta finalidade tem subjacente uma conceção inspetiva da avaliação do professor, baseada na análise dos resultados dos alunos, aparecendo associada a uma conceção de ensino como trabalho, e refletindo uma visão racional do ensino. Nesta perspetiva, o professor não é entendido como um profissional autónomo capaz de refletir criticamente acerca do processo de ensino- aprendizagem (Fernandes, 2008) em situações curriculares e organizacionais distintas. Emerge mais como um técnico que implementa práticas consideradas eficazes pela investigação pedagógica. Assim, em conformidade com princípios de eficácia profissional, os critérios de avaliação do desempenho docente direcionam-se para apreciações analíticas do trabalho do professor. A tentativa de definir a competência e qualificação necessária para o desempenho profissional dos professores tem legitimado a construção polémica de standards de qualidade, ou seja, de parâmetros pré-definidos, expressos no denominado perfil geral de desempenho profissional do educador de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário (DL nº240/2001). Ressurge,

46 assim, no discurso normativo, sobre a função docente, a «ênfase nas competências para o desempenho tal como o fora nos anos cinquenta, setenta e oitenta do século XX» (Sanches, 2004, p. 42).

Esta configuração jurídica da avaliação centra-se predominantemente no perfil ideal de professor, tendo como referência as quatro dimensões da profissionalidade docente, expressas no ECD (DL nº15/2007): vertente profissional e ética; desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; participação na escola e relação com a comunidade, desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida. O cruzamento das dimensões e parâmetros evidencia a valorização da prática docente e a participação na vida da escola como duas áreas fundamentais da avaliação do desempenho. A ausência de parâmetros para a relação com a comunidade e sua existência reduzida para a vertente profissional e ética e formação profissional dos professores, restringe o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores à frequência de ações de formação contínua (Sanches, 2008). O que não é coerente com a exuberância discursiva expressa nas finalidades da avaliação quanto às necessidades do desenvolvimento profissional dos professores. Esta conceção multifuncional dos professores, já apontada por Nóvoa (1991) e expressa no Estatuto da Carreira Docente (DL nº15/2007), é justificada em função das necessidades globais de transformação social, mas contrasta, no entanto, com uma degradação do estatuto profissional, associada a uma certa desqualificação do trabalho do professor (Correia, 2010).

É neste contexto de mudanças sociais e económicas profundas, que se definem os critérios para ingresso na carreira docente: a licenciatura e o mestrado, que confere a habilitação profissional através da prática supervisionada na escola. Acresce ainda a realização duma prova de avaliação de conhecimentos no processo de seleção dos candidatos a professor. Para os professores de carreira, a avaliação realiza-se no final de cada dois anos escolares, deixando de estar associada à mudança de escalão. A progressão depende da frequência, com aproveitamento, de módulos de formação contínua, tempo de serviço e avaliação qualitativa mínima de Bom.

Avaliação integrada na gestão por objetivos. Nos procedimentos consagrados no

DR nº 2/2008 destaca-se a autoavaliação, entendida pela tutela ministerial como uma oportunidade para o professor «poder demonstrar a sua influência e empenho nos resultados e na prevenção do abandono escolar». Os propósitos formativos subjacentes ao recurso à autoavaliação, por parte do professor acerca do seu desempenho, aparecem associados a lógicas de produtividade escolar, expressas na relação de influência entre

47 performance do professor e resultados dos alunos. O design avaliativo tem subjacente uma intenção de avaliação negociada, quando estabelece que os objetivos individuais são «fixados, por acordo, entre avaliado e avaliadores», mas estabelece que estes têm de ser definidos em função dos seguintes itens: a) melhoria dos resultados escolares dos alunos; b) redução do abandono escolar; c) prestação de apoio à aprendizagem; d) participação nas estruturas de orientação educativa e gestão escolar; e) relação com a comunidade; f) formação contínua; e g) participação e dinamização de projetos.

Em relação ao processo de construção dos objetivos individuais, o professor perspetiva o seu futuro desempenho relativamente aos parâmetros aplicados a nível nacional assim como aos elementos contextualizadores da avaliação. Expressos nos “objetivos e metas fixados no projeto educativo, no plano anual de atividades (…) e no projeto curricular de turma”, indicadores estabelecidos pela escola relativamente ao “progresso dos resultados escolares esperados para os alunos e a redução das taxas de abandono escolar, tendo em conta o contexto socioeducativo” (DR nº 2/2008, art. 89). Em conformidade com um modelo de avaliação baseado na gestão por objetivos (Caetano, 2008), o professor participa na elaboração dos objetivos, posicionando-se face aos itens orientadores do desempenho profissional e contribui para estabelecer o padrão de comparação com outros docentes avaliados. O envolvimento do avaliado no processo de avaliação, desde a aferição de objetivos até à análise de resultados, em situação de entrevista, facilita as funções do avaliador no processo de apreciação e classificação do desempenho do professor.

O processo complexo e compartimentado de avaliação docente aparece sequencialmente estruturado em diferentes níveis de predefinições legisladas ministerialmente. A aplicação dos critérios de avaliação, baseados em padrões de desempenho, consubstancia-se através de fichas de formato único, que documentam as diferentes fases do processo de avaliação: ficha de autoavaliação do professor; ficha de avaliação do coordenador do departamento e do Diretor, seguida de conferência e validação de dados, entrevista dos avaliadores com os avaliados; reunião dos avaliadores para decisão e elaboração de ficha de classificação final, como sintetiza a Figura 4.

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Propósitos/Funções • Avaliação sumativa como

instrumento de seleção e regulação da progressão, permanência ou exclusão na carreira docente

• Avaliação diferenciadora baseada em cinco menções qualitativas

Avaliadores

• Novos atores com funções avaliativas: • Diretor • Inspetores (IGE) • CCAD; Coordenadores • Hierarquização da carreira docente: Professores titulares avaliam professores não titulares

Procedimentos/fontes de dados

• Avaliação pluridimensional expressa na diversidade de fontes de recolha de dados:

• Resultados dos alunos • Apreciação dos EE

• Redução do abandono escolar • Observação de aulas • Objetivos individuais; portefólio • Ficha de autoavaliação do

professor, ficha de avaliação do coordenador e do Diretor • Entrevista antes da decisão final

Reestruturação da Avaliação de Professores