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A análise efetuada da configuração jurídica da avaliação do desempenho docente, estipulada no DL nº1/98 e no DR nº11/98, destaca, de forma sumária, as diferenças e semelhanças face à configuração jurídica, analisada na secção anterior, uma vez que o design avaliativo não é substancialmente diferente.

Finalidades da avaliação docente. Em termos de intenções, a configuração jurídica

da avaliação de professores, estipulada no DL nº1/98 e no DR nº11/98, enfatiza as finalidades da avaliação em três dimensões: (a) prestação de contas, expressa através duma gestão eficaz de recursos humanos; (b) sistema de promoção do mérito, individualizando o desenvolvimento profissional do professor; e (c) contextualização, em função das dinâmicas das culturas profissionais e respetivos ambientes organizacionais, que podem contribuir para uma maior ou menor centralidade da avaliação na instituição escolar. Como se refere no DL nº1/98, a «avaliação centrada na escola deve incorporar componentes internas e externas, segundo modalidades diversificadas em função da especificidade dos contextos educativos, ser articulada com a formação contínua no quadro de um enriquecimento e valorização dos profissionais, das escolas».

As finalidades da avaliação parecem traduzir uma conceção mais multifacetada do papel do professor, encontrando expressão no desenvolvimento dos elementos descritivos do trabalho docente, como sintetiza a Figura 3. Estes constituem o quadro de referência para a elaboração do documento de reflexão crítica, conforme se verifica no anexo1 do DR nº11/98, comparativamente com os pré-estabelecidos no DR nº14/92 apresentados na secção anterior. O desenvolvimento do processo de ensino- aprendizagem é aquele que aparece mais valorizado, sobretudo, nas dimensões da planificação das aulas e da avaliação dos alunos. Curiosamente, apesar do documento a

37 entregar pelo professor se intitular reflexão crítica, os indicadores da profissionalidade docente, que orientam a estrutura do relatório, não incluem itens de natureza reflexiva.

SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO - 98

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•Melhoria da qualidade da educação e do ensino •Mecanismos de incentivo ao mérito •Sentido iminentemente formativo •Avaliação centrada na escola articulada com a formação contínua

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•Dimensões da profissionalidade docente •Desenvolvimento do processo ensino- aprendizagem •Análise crítica do processo de acompanhamento dos alunos •Desempenho de cargos diretivos e pedagógicos •Formação

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• Apreciação por parte

duma comissão especializada do documento de reflexão crítica elaborado pelo professor

Figura 3. Propósitos, critérios e procedimentos/fontes no modelo de avaliação segundo o decreto-regulamentar nº11/98.

Conceito de bom professor. A conceção de bom professor que emerge da leitura do

DR nº11/98 parece evidenciar um aprofundamento das competências técnicas do professor, centrado nas matérias de planeamento do processo ensino-aprendizagem. Emerge a perspetiva do professor como gestor de programas, de recursos, de tempo, organizado e disciplinado, com preocupações instrumentais e de método. O conceito de professor, integrado na carreira, com desempenho deficitário, é perspetivado de forma diferente na configuração jurídica, estipulada pelo DR nº 11/98, face à descrita anteriormente (DR, nº14/92). Desta forma, a legislação (DL nº1/98, art. 48) prevê duas situações: a primeira atribuição da menção qualitativa de Não Satisfaz determina a permanência do professor no escalão, sendo definido um plano de formação, com vista à superação das dificuldades detetadas. A atribuição da segunda menção qualitativa de Não Satisfaz “determina a cessação de distribuição de serviço letivo ao docente em avaliação, devendo o órgão de gestão do estabelecimento de educação ou de ensino propor a reconversão ou reclassificação profissional do docente em situação de carreira ou pré-carreira, nos termos da lei” (DL nº1/98, art.48). Na prática, as direções das

38 escolas tendem a não atribuir funções de coordenação e a minimizar o contributo dos docentes com desempenhos deficitários na vida escolar. Nestas circunstâncias, adaptando à realidade portuguesa, o que Bridges (1990) constatou nos E.U.A., os docentes raramente apresentam melhorias do seu desempenho profissional no seguimento do processo avaliativo.

Emergência do papel do professor supervisor. Ao privilegiar-se a função

formativa, na identificação de desempenhos profissionais deficitários, tal implica, pela primeira vez, a necessidade de se considerar o papel a desempenhar pelos professores supervisores/avaliadores, a quem compete o diagnóstico dos aspetos negativos do desempenho do professor e a proposta dum plano de formação. No entanto, na prática avaliativa dos anos noventa, que fontes de dados dispunham os avaliadores para se pronunciarem acerca da qualidade do desempenho profissional? O texto normativo refere que em função da apreciação do documento de reflexão crítica terá lugar a redação dum parecer pelo designado relator (expressão que será retomada em 2009, aquando da simplificação da configuração jurídica introduzida pelo DR nº2/2008), que será, posteriormente, analisado pelos restantes elementos da Comissão de Avaliação. Como forma de colmatar as limitações normativas, as escolas introduzem mecanismos informais de supervisão e avaliação, operacionalizados na observação de aulas, por parte dos delegados de grupo (atuais coordenadores de departamento curricular), aos professores com desempenhos deficitários.

As funções do relator assemelham-se ao que no acordo de princípios para revisão do Estatuto da Carreira Docente e do modelo de avaliação dos professores dos ensinos básico e secundário e dos educadores de infância (2009) aparece definido como as funções do professor relator. Ambos elaboram pareceres com base na autoavaliação realizada pelo professor e apresentam propostas de formação que permitam superar os aspetos negativos do desempenho profissional dos professores avaliados. Contudo, enquanto na configuração jurídica, estipulada pelo DR nº 11/98, não está consagrada a observação da prática pedagógica, na prevista pelo DR nº 2/2008, a inclusão dessa fonte de dados na avaliação do desempenho está dependente da decisão do professor, integrado na carreira.

Avaliação centrada numa comissão especializada. Na configuração jurídica

definida pelo DR nº11/98, a conceção de avaliador deixa de estar estritamente associada ao conselho diretivo como acontecia na configuração jurídica estipulada pelo DR nº14/92. Os avaliadores são, agora, membros duma comissão especializada, de

39 composição heterogénea, com conhecimentos na área da educação em geral e da didática específica dos professores avaliados. Como evidencia a legislação:

a comissão de avaliação (…) tem a seguinte composição: a) um elemento designado pelo respectivo director regional de educação, que preside; b) um docente designado pelo órgão pedagógico do estabelecimento de educação ou de ensino em que o docente presta serviço, preferencialmente do mesmo nível ou ciclo de educação ou de ensino; c) um docente ou uma individualidade de reconhecido mérito no domínio da educação, designado pelo docente em avaliação (art. 42).

a não designação pelo docente do elemento referido na alínea c) do número anterior não prejudica a constituição e funcionamento da comissão de avaliação, sendo aquele elemento cooptado pelos outros dois membros (art.46).

A preocupação com a introdução de atores avaliativos provenientes de diferentes áreas do saber expressa-se na constituição da comissão especializada de avaliação. Os seus membros provêm de diferentes estruturas organizacionais, desde o representante do Diretor Regional, um professor pertencente ao Conselho Pedagógico e um elemento externo de reconhecido mérito em educação, escolhido pelo avaliado. É da responsabilidade do órgão pedagógico da escola, a aprovação do regulamento de funcionamento da comissão especializada. O presidente do Conselho Pedagógico, que preside, nomeia, de entre os elementos da comissão especializada, um docente responsável pela elaboração do projeto de parecer, que é, posteriormente, analisado pelos restantes elementos da comissão. Passa-se, assim, dum processo de avaliação centralizado no órgão de gestão, na configuração jurídica segundo o DR nº14/92, para uma avaliação interna e externa com funções de apreciação do trabalho do professor e elaboração dos respetivos pareceres. No entanto, a preocupação com a composição duma equipa heterogénea contrasta, de certo modo, com as limitadas fontes de dados, concretamente, o documento de reflexão crítica, que os avaliadores possuem, para poderem fundamentar os julgamentos produzidos acerca da qualidade do serviço prestado pelo professor, individualmente ou em grupo. Na prática avaliativa, os avaliadores apreciam (este é o termo utilizado) o documento de reflexão crítica elaborado pelo professor, verificam o tempo de serviço e os créditos obtidos no seguimento da conclusão de cursos de formação contínua. A lei colmata assim algumas limitações da legislação anterior em matéria de avaliação docente, ao introduzir mecanismos que contribuem para uma maior seriedade e importância do processo avaliativo, através da criação duma comissão especializada com funções reais, eliminando a situação anterior da função meramente administrativa do relatório crítico do professor, entregue ao órgão de gestão e administração da escola. No entanto, a lei refere que, para efeitos de emissão de parecer, o relator toma em consideração a

40 atividade desenvolvida pelo docente, individualmente ou em grupo, durante o período a que se reporta a avaliação, situação esta que, de acordo com o design avaliativo, só pode ser comprovada no documento de reflexão crítica.

Relativamente à formação contínua, o discurso normativo aponta para a necessária “articulação do plano individual de formação com o plano de formação da escola/associação de escolas” (item 2.3.2). Contudo, não cria mecanismos na lei conducentes à sua concretização. Esta limitação será suprida na configuração jurídica definida pelo DR nº 2/2008, onde se estabelece a obrigatoriedade da apresentação de objetivos individuais, os quais devem estar em conformidade com as finalidades educativas da escola, expressas no projeto educativo e no plano anual ou plurianual de atividades.

Avaliação circunscrita a mudança de escalão na carreira docente. A avaliação

serve propósitos direcionados para a progressão na carreira e, à semelhança do DR nº14/92, continua a valorizar os propósitos formativos da avaliação face aos sumativos. Com efeito, esta regulação normativa salienta que o “ processo de avaliação do desempenho deve (…) assumir um sentido eminentemente formativo”, contribuindo para a “melhoria do desempenho profissional do docente, procurando superar o que se revelou como negativo e valorizar e aprofundar os aspectos mais positivos da sua atividade”. Assim, como se lê no DL nº 1/98, privilegia-se “a iniciativa e o envolvimento do docente na sua própria avaliação” mas, na prática, a avaliação só “ocorre nos momentos de mudança de escalão”, tendo em vista a progressão na carreira. Face à legislação sobre avaliação de professores (DR nº14/92) permanecem inalterados os critérios de seleção para ingresso na carreira docente, os critérios de atribuição da menção de Satisfaz ao serviço prestado pelos professores, assim como a obrigatoriedade de formação contínua, para efeitos de progressão na carreira. Neste sentido, a ênfase na formação contínua externa à escola, enquanto componente da avaliação do desempenho, tem subjacente uma conceção aditiva do desenvolvimento profissional do professor, como salienta Correia (2010). O crescimento profissional é “medido” pelo número de créditos auferidos no momento da mudança de escalão na carreira docente.

A leitura do Decreto Regulamentar nº 14/92 e do DR nº 11/98 revela que a prática avaliativa tem uma importância reduzida na estrutura organizacional da escola e que visa, sobretudo, a progressão na carreira. Embora se pretenda promover o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes, ele expressa-se apenas pela frequência obrigatória de ações de formação contínua. Deste modo, poder-se-á dizer na

41 esteira de Hargreaves (1998) que o discurso normativo enfatiza um artificialismo retórico, quer em termos de intenções, relacionadas com a desejável inversão da tradição burocrático-centralista da escola e do currículo escolar, quer em termos metodológicos, ao consagrar como únicas fontes de dados da avaliação docente, o relatório crítico elaborado pelo professor, o tempo de serviço e a formação contínua.

Saliente-se ainda que a análise das configurações jurídicas da avaliação do desempenho docente aqui enunciadas está em sintonia com os resultados da investigação em Portugal (Simões, 1998; Curado, 2000, 2004; Cristelo, 2006; Afonso, 1999, 1995) sobre a evolução de modelos de avaliação de professores na década de 90, apresentada na secção da revisão da literatura. Nos anos noventa, pode dizer-se que a escola dificilmente possui as caraterísticas que Day (1992) atribui à realidade escolar inglesa, quando refere que a «avaliação só tem sentido quando a escola está habituada a olhar criticamente para as suas práticas e quando o pessoal docente tem uma perceção saudável do seu estatuto» (p. 89).

Mudanças sistémicas na avaliação da profissionalidade docente na