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No sistema educativo português, o modelo de avaliação do desempenho docente concebido em 2006, legislado em 2007 e implementado em 2008, não gerou consenso entre professores, escolas, representantes sociais e Ministério da Educação. Destacam-se momentos inéditos de cariz conflitual entre docentes e tutela ministerial com repercussões no processo de regulação profissional, investigados com enfoques distintos e contrastantes. A análise incidiu em: a) discursos sindicais e conflitos profissionais decorrentes da avaliação docente (Pereira, 2009); b) discurso dos fazedores de opinião, na imprensa de 2007 a 2009, (Boto, 2011); c) discurso de professores, publicados na blogosfera portuguesa, em 2008 (Garcia, 2011); e d) discurso oficial por parte da tutela ministerial (Ramos, 2009). Os estudos analisados evidenciam as perspetivas de diferentes atores manifestadas no espaço público português, provenientes de diferentes setores da sociedade portuguesa, e apontam para as implicações de modelos de avaliação de pendor gerencialista.

Implicações de modelos avaliativos de pendor gerencialista

A compreensão do processo de resistência coletiva no seguimento da introdução do modelo de avaliação docente (DR nº2/2008), suas causas, implicações, desafios laborais e profissionais nas escolas e capacidade de mudança por parte da tutela ministerial constituíram o objeto do estudo realizado por Pereira (2008). A investigação baseou-se nos seguintes pressupostos relativamente ao modelo de avaliação docente: a) a avaliação desafia estruturas complexas de poder laboral e profissional; b) o comportamento dos professores e das organizações sindicais condiciona a capacidade de mudança do Ministério da Educação (ME); e c) a ausência de consensos alargados com o grupo profissional docente conduz a reformas implementadas com ciclos sucessivos de resistência e bloqueio. Tendo por base a análise empírica dos discursos sindicais e da sequência de eventos e conflitos, o estudo procurou mapear e entender os padrões gerais de resposta ao conteúdo e à metodologia da mudança. Os resultados evidenciaram as fases de negociação na aplicação do modelo de avaliação de desempenho: (1) da “inegociabilidade do objeto de conflito à antecipação de efeitos perversos do modelo - maio de 2006 a dezembro de 2007”; (2) “bloqueios na

112 aplicação do modelo: da ilegitimidade dos critérios de avaliação à burocracia da “máquina avaliativa” - janeiro a março de 2008; e (3) “renegociação do modelo e entendimento entre os atores: um desbloqueio temporário ou uma «válvula de escape» à resistência?” - março e abril de 2008 (p.39); e (4) “reentrada em processos simultâneos de resistência coletiva e de construção de modelos alternativos: entre a monitorização e a transição incerta - ano letivo de 2008/2009” (p.40). Em sintonia com reformas inspiradas em paradigmas de gestão estratégica, o modelo de avaliação e seu impacto nas relações profissionais, na qualidade do trabalho e nos resultados escolares está por verificar. No entanto, a conflitualidade da classe docente e sindicatos são sintomáticos de algumas disfunções na implementação da mudança. O papel dos professores e sindicatos na transição e monitorização da adequabilidade das lógicas avaliativas à profissionalidade docente e aos contextos organizacionais de escola carece de investigação e corrobora a pertinência da presente investigação.

Um outro foco de investigação sobre a mudança introduzida pela avaliação docente provém da literatura sobre o espaço público, o papel dos meios de comunicação, na formação da opinião pública e nos processos de construção das políticas públicas. O discurso proferido pelos fazedores de opinião, designados de um modo geral por opinion makers acerca da política de avaliação de professores constituiu o objeto da investigação realizada por Boto (2011). A forma como o modelo de avaliação foi analisado no espaço público, de 2007 a 2009, os discursos produzidos pelos fazedores de opinião, em torno da avaliação e o entendimento dos campos de filiação institucional e profissional, veiculados através dos posicionamentos adotados, constituíram os objetivos do estudo qualitativo. Baseado na análise dos artigos de opinião, publicados entre 1 de setembro de 2007 e 31 de dezembro de 2009, em dois jornais de referência: Público e Expresso. A análise incidiu no que foi dito, quem disse, porque disse, como disse e quando disse. A unidade de informação para recorte do discurso foi classificada quanto ao tema enquadrador, categoria de conteúdo, data, autor e tonalidade/intensidade. Utilizaram-se índices de visibilidade, parcialidade, orientação e tendência e fez-se um estudo do discurso por grupo profissional. As quatro grandes dimensões foram os agentes, os temas, as vozes e o tempo. Os resultados colocaram em evidência que as políticas e as práticas de negociação do XVII Governo Constitucional foram identificadas com políticas educativas centralizadoras e formas de governação autoritária. Foi atribuído ao modelo de avaliação um conjunto variado de caraterísticas negativas, tais como falta de transparência e de sustentação científica, e este foi adjetivado como injusto, desumanizador, agressivo e insensato. A relação hierárquica é também contestada, na medida em que docente licenciado titular pode avaliar professores com grau

113 de mestre e doutor. O não assegurar da formação dos avaliadores foi referido como uma preocupação num modelo de avaliação por pares e as críticas incidiram na conceção do modelo em si e nas repercussões negativas em termos pessoais e profissionais para os professores. Em sintonia com os resultados dos estudos efetuados por Chagas (2010), Lourenço (2009), Herdeiro & Silva (2009, 2010, 2011) analisados na seção anterior. Os resultados revelaram que a perspetiva de vários atores de elevado capital social, académico, político, cultural e mediático aparece ancorada pelo seu ethos prévio. O que os legitima para debater qualquer assunto na esfera pública, uma vez que a “eficácia da palavra não está propriamente no conteúdo linguístico, mas nas condições institucionais da sua produção e da sua receção, isto é, na adequação entre a função social do locutor e o seu discurso” (Amossy, 2009, citado por Boto, 2011, p.14). Das vozes críticas destacou-se a relativa importância dada pelo grupo dos “professores universitários e investigadores” à questão relacionada com a pertinência da avaliação docente. No entanto, estas vozes apontaram para três aspetos relevantes a ter em conta no processo de implementação da política de avaliação: a) a importância do processo de contextualização, nomeadamente, as condições no terreno e seu reconhecimento pelo público-alvo; b) a exequibilidade decorrente do timing para implementação; e c) monitorização e apoio do processo por uma entidade externa. Os resultados evidenciaram um consenso de posições relativamente à necessidade de avaliar os professores com base num modelo diferente.

Ao discurso veiculado nos meios de comunicação social, entre 2007-2009, associa-se o produzido na blogosfera portuguesa, no ano de 2008. Inserido na área das políticas educativas, o estudo realizado por Garcia (2011) incidiu na análise dos contextos e discursos associados à implementação do modelo de avaliação docente, segundo o DL nº15/2007 e o DR nº2/2008. A compreensão dos posicionamentos dos professores, face ao processo de avaliação e a análise de possíveis divergências e\ou convergências entre o discurso oficial- legal e o de resistência dos docentes constituíram os objetivos do estudo qualitativo. O corpus textual incluiu trezentos e treze textos de professores publicados em 2008 na blogosfera portuguesa.

Desestruturação do design avaliativo. Dos resultados do estudo, efetuado por Garcia

(2011), referentes às perspetivas dos professores acerca dos fundamentos estruturais do modelo de avaliação (DR nº2/2008), ressaltam os seguintes aspetos: a) discordância face aos critérios e métodos quantitativos de recolha de dados, considerados inadequados para a compreensão da complexidade e imprevisibilidade da ação educativa; b) recusa frontal da valorização estatística dos resultados escolares na avaliação dos professores, em sintonia

114 com uma visão integradora do papel social da educação; c) desconfiança na avaliação por pares para seleção e classificação, fundamentada, quer no não reconhecimento da competência dos avaliadores, face a critérios administrativos de seleção, quer no potenciar de situações de conflitualidade; d) ausência de transparência e de justiça no processo de avaliação profissional, decorrente da constante reestruturação normativa-legal e organizacional-escolar, processual e instrumental, em sintonia com a burocracia mecanicista (Mintzberg, 1995, citado por Garcia, 2011); e e) ausência de melhoria do desempenho docente. O desenvolvimento profissional e a melhoria da qualidade educativa parecem ficar comprometidos, em prol duma instrumentalização do sistema, que regula, burocraticamente, a prestação de contas e remete a vertente formativa para a microrregulação local. Como referia Hargreaves, na década de noventa, a intensificação do trabalho origina a dependência acrítica de instrumentos exógenos, que minimizam a diversidade e criatividade indispensáveis à qualidade do ensino.

Das insatisfações macroeducacionais às estatutárias. Relativamente às lógicas de

legitimação da contestação ao modelo de avaliação, os resultados da análise discursiva dos professores, efetuada por Garcia (2011), revelam a salvaguarda do estatuto profissional, a defesa da qualidade da escola pública e a valorização do conhecimento da realidade escolar. O antagonismo presente no discurso conflitual dos professores, em 2008, fundamenta-se em lógicas profissionais autonómicas, colegiais e de compromisso educativo com os alunos, que colidem com lógicas gestionárias, subjacentes à avaliação docente. Tal situação originou profunda insatisfação e mal-estar na classe docente, embora as motivações intrínsecas e mais complexas da profissionalidade docente permanecessem intocadas, como corrobora, também, o estudo realizado por Sanches (2009).

Relativamente à salvaguarda do estatuto profissional, emerge dos resultados da investigação desenvolvida por Garcia (2011), o aumento das exigências profissionais em contraciclo com as expetativas goradas pela hierarquização da carreira, restrições ao reconhecimento do mérito e recusa duma lógica mercantilizadora da educação. A visão gerencialista da profissão, designada na literatura por “novo” profissionalismo, contrasta com a identidade profissional dos professores, em particular, a dos herdeiros da tradição de gestão democrática da escola. As discrepâncias entre professores e Ministério da Educação ultrapassam o âmbito da avaliação profissional, estando ancoradas na ideologia dos atores sobre a missão educativa da escola pública. No que respeita às lógicas de resistência à implementação do modelo de avaliação nas escolas básicas e secundárias, os resultados apontam a predominância duma lógica de resistência, servida por estratégias de inação,

115 protelamento ou descredibilização, e uma lógica de confronto direto face ao discurso político. Nas recomendações do estudo apresentam-se algumas sugestões para uma reconfiguração da avaliação docente, tais como: a) adequação da avaliação ao contexto organizacional e profissional português, integrada na autoavaliação da escola; b) alargamento do ciclo avaliativo em função dos ciclos de gestão da escola; c) tripartição das responsabilidades avaliativas, centradas no Diretor, coordenador e supervisor externo; d) generalização da observação de aulas, em sintonia com processos formativos; e e) diferenciação de modalidades de avaliação, em conformidade com as fases da carreira (Huberman, 2000). Relativamente às modalidades de avaliação sugerem-se três, uma avaliação inicial, de aperfeiçoamento e especializada, com critérios diferenciados, de acordo com o desenvolvimento das competências do professor (Bacharach, Conley & Shedd, 1990, citados por Garcia, 2011). Propõe-se uma periodicidade avaliativa quadrienal, formativa nos três primeiros anos, e sumativa no quarto, acompanhada dum relatório anual de autoavaliação. A implementação participada e um período de experimentação são considerados fatores cruciais para o sucesso do processo de mudança, introduzido pela avaliação do desempenho nas escolas. No que respeita a futuros estudos, sugere-se o aprofundamento das perspetivas docentes acerca das configurações avaliativas, processos e suas implicações no campo educativo.

A visão da tutela ministerial acerca dos problemas de implementação do modelo de avaliação, em 2008, surge retratada oficialmente no contraditório (Ramos, 2009) ao relatório elaborado pela OCDE (2009) sobre a avaliação de professores em Portugal, já analisado no segundo capítulo. Nas conclusões do contraditório destacaram-se as seguintes dificuldades na política de avaliação em ação: a) “o principal problema deriva da forte reação da maioria dos professores e sindicatos e persistente resistência à implementação do modelo de avaliação” (p. 93); b) “em 2008, existia falta de informação e conhecimento acerca das regras, tempo e formação insuficiente para as escolas elaborarem os instrumentos de avaliação e a incapacidade da administração para resolver as dificuldades”; c) “em 2009, as potencialidades e limitações estavam identificadas por avaliadores e avaliados e existia uma estrutura técnica – professores experientes – para implementar a avaliação, com alguma formação. O princípio da avaliação foi facultado, mas o modelo não foi interiorizado (…) “O que contribuiu para a resistência dos professores, foi por um lado, a crença na impossibilidade de criar e aplicar instrumentos adequados para monitorizar os resultados dos alunos, de forma a serem considerados na avaliação docente, e por outro lado, a questão da

116 legitimidade dos avaliadores e da posição de alguns Diretores, que acreditavam no efeito negativo da avaliação no trabalho docente e no clima das escolas” (p. 93).

Emergem dos discursos analisados questões relacionadas com o conflito de interesses entre Ministério da Educação, classe docente e estruturas sindicais, e sua influência na alteração das linhas gerais da política de avaliação docente, através de processos de luta e negociação. A análise política da avaliação dos professores em contexto educacional levanta questões relacionadas com a natureza das mudanças e interesses que predominaram ou foram frustrados com essa mudança. Analisar a avaliação de professores do ponto de vista técnico-racional é insuficiente para apreender a complexidade do fenómeno em estudo, como já referiam Bridges e Groves no final do século XX.

Síntese

Da análise dos estudos sobre políticas de avaliação de professores, no espaço público português entre 2006 a 2009, emerge o poder da avaliação docente na reconfiguração da profissionalidade docente e das relações laborais. O modelo de avaliação criado em 2006 foi considerado pelo XVII Governo Constitucional como inegociável, numa forma de governação autoritária, apesar da antecipação de efeitos negativos e bloqueios da classe docente e sindicatos. Em 2008, a tutela ministerial reconhece as limitações do modelo e legisla versões temporárias simplificadas, que vigoram de 2008 a 2009. Seguidas da criação dum novo modelo de avaliação implementado em setembro de 2010 (DR nº2/2010). Apesar da sua suspensão pela Assembleia da República, em março de 2011, este continua em vigor até dezembro de 2011.

Os resultados dos estudos analisados nesta secção, entre 2007 a 2009, tendo como fonte de dados discursos sindicais, de professores e de fazedores de opinião, em meios de comunicação social e publicações na blogosfera, revelam consenso relativamente à necessidade de avaliar professores, com base num modelo diferente do DR nº2/2008. Tendo por base as seguintes caraterísticas: a) transparente e exequível em termos de tempo de implementação; b) contextualizado face à realidade escolar; c) reconhecido e negociado com os professores; d) monitorizado por entidades externas e sustentado cientificamente; e e) aplicado por avaliadores com formação, valorizadores dos princípios formativos face aos de natureza sumativa. As discordâncias dos docentes expressam-se, na sua maioria, em lógicas de resistência assentes em estratégias de confronto direto com o poder político, de inação e descredibilização. As discrepâncias ultrapassam a avaliação docente e emergem da desestruturação de processos identitários e ideológicos, relativos à missão do professor e da

117 escola. Das conclusões dos estudos ressalta a recusa generalizada de critérios de avaliação quantitativos e da valorização estatística dos resultados escolares numa profissão complexa e multifacetada. Como evidencia a revisão da literatura efetuada, a restruturação da carreira docente e respetiva avaliação do desempenho docente foi objeto de vasta polémica, decorrente duma variedade de fatores endógenos e exógenos à realidade educacional. O contexto de insatisfação profissional docente tende a potenciar uma mudança política e prática “simbólica, desprovida de qualquer perspetiva, empenhamento ou sentido de posse pessoal ou interno à instituição” (Goodson, 2008, p.170) escolar.

Estudos internacionais sobre políticas e práticas de avaliação