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I. Introdução I Objectivos

1. Enquadramento jurídico e considerações gerais

2.2. A classificação dos OPC em função da competência à luz da Lei de Organização de Investigação Criminal

No nosso ordenamento jurídico foi aprovada a primeira Lei de Organização de Investigação Criminal (doravante LOIC), Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto, com o objectivo de distribuir funções entre os OPC e regular as suas relações com o Ministério Público. A grande reestruturação ocorre aquando da entrada em vigor da Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto, que veio revogar expressamente a anterior LOIC, no intuito de facilitar a adaptação da organização da investigação criminal às reformas do Código Penal e do Código do Processo Penal. Nessa medida, a lei, à semelhança da anterior, continua a considerar como OPC de competência genérica a Polícia Judiciária (PJ), a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR), integrando na categoria de OPC de competência específica31 todas as

outras Forças e Serviços de Segurança a que os respectivos diplomas orgânicos confiram tal natureza (Serviço de Estrangeiros e Fonteiras, Polícia Marítima, Autoridade Marítima Nacional, Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica, Polícia Judiciária Militar), artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, da LOIC.

O Legislador optou, abstractamente, por acolher os princípios da especialização e racionalização, no que diz respeito aos recursos disponíveis, no sentido de obter a maior eficiência e eficácia nas actividades desenvolvidas. Pelo que, os OPC de competência genérica abstêm-se de investigar os crimes de subinspectores de polícia e todos os funcionários policiais a quem as leis das corporações reconhecem essa qualidade. Na verdade, certos actos processuais penais encontram-se reservados a estas autoridades, como sejam: a competência para ordenar a comunicação de actos processuais (artigo 111.º, n.º 2, do CP); competência para ordenar a detenção fora de flagrante delito (artigo 257.º, n.º 2, do CPP); ordens de detenção (artigo 258.º, n.º 1, alínea a), do CPP); requerimento para a prática de certos actos de inquérito (artigos 268.º, n.ºs 2 e 3, e 269.º, n.º 2, do CPP) e mandado de comparência (artigo 273.º do CPP).

29 BELEZA, Teresa Pizarro e PINTO, Frederico da Costa: “Os sujeitos processuais e as partes civis, pág. 76.

30 COSTA, José de Faria, in “As relações entre o Ministério Público e a Polícia: a Experiência Portuguesa, no BFDUC, vol. LXX” 1994, págs. 238 e 239.

31 Em sentido lato em razão da matéria, a título de exemplo, a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, Autoridade Tributária e Aduaneira, Órgãos da administração da Segurança Social, Funcionários judiciais.

competência especializada, sem prejuízo do disposto no artigo 7.º, n.ºs 4 e 5, da LOIC. Sem olvidar, à luz do artigo 8.º da LOIC, a possibilidade de os crimes de competência reservada da PJ poderem ser deferidos pelo Procurador(a) - Geral da República a outros OPC. A PGR tem, assim, a faculdade de dispôr de iniciativa para deferir a competência em OPC diverso, após ouvidos estes, mas com a ressalva de que se o processo se encontrar na instrução, tal caberá ao juiz de instrução, com possibilidade de delegação nos procuradores-gerais distritais. A teleologia imanente à mencionada faculdade, nas mãos do Procurador-Geral da República, é o de evitar que a PJ perca uma certa operatividade por se ocupar com processos de importância mais reduzida.

O deferimento para investigar crimes previstos no n.º 3 do artigo 7.º, que por regra caberiam à PJ, implica a transferência da competência de investigação reservada à Polícia Judiciária para outro OPC32,

de competência genérica ou específica, não se tratando, portanto, de uma delegação, no sentido que o CPP utiliza no artigo 270.º. Não confundível, porque mais restrita no seu âmbito formal, com a eventual delegação que possa ser feita pelo magistrado titular de inquérito, ao abrigo do mencionado preceito. No que concerne à última, por obediência a princípios constitucionais que arquitectam o sistema processual penal, em geral, e a posição do MP como titular da direcção do inquérito, em particular, terá sido pretensão da lei, determinar uma flexibilização e concretização mais casuística da figura (de delegação).

Todavia, o n.º 2 do artigo 8.º da LOIC, corporiza circunstâncias impeditivas do deferimento da investigação dos crimes de competência reservada (relativa) da PJ a outros OPC. Assim, quando a investigação assuma especial complexidade por força do carácter plurilocalizado das condutas ou da pluralidade dos agentes ou das vítimas, os factos tenham sido cometidos de forma altamente organizada ou assumam carácter transnacional ou dimensão internacional ou a investigação requeira, de modo constante, conhecimentos ou meios de elevada especialidade técnica. Quando se verifiquem estas circunstâncias, o n.º 3 do artigo 8.º da LOIC permite ao Procurador(a) - Geral da República que, após audição dos OPC envolvidos, defira à PJ a investigação de crimes que não sejam da sua competência reservada (artigo 7.º), proferindo-se despacho de deferimento da competência no processo concreto. Quer o deferimento a que se refere o n.º 1, quer o que se refere no n.º 3 do artigo 8.º da LOIC, pode ser efectuado por despacho de natureza genérica do Procurador-Geral da República que indique os tipos de crimes, as suas concretas circunstâncias ou os limites das penas que lhes forem aplicáveis.

De molde a evitar sobreposições na investigação criminal, o artigo 9.º da LOIC tenta dar solução aos eventuais conflitos negativos de competência. Se dois ou mais órgãos de polícia criminal se considerarem incompetentes para a investigação criminal do mesmo crime, a contenda é dirimida pela autoridade judiciária competente em cada fase do processo, leia-se Ministério Público no inquérito, não dispondo, contudo, de nenhuma norma que regulasse os conflitos positivos de competência, o que demanda, solução par de inerpretação, como adiante se procurará demonstrar.

32 A divisão de competências entre a GNR e a PSP faz-se pelo território: cada uma investiga os crimes consumados na respectiva área territorial (critérios dos artigos 19.º e seguintes do CPP).

Em suma, o CPP é o único diploma legislativo que define o que são OPC, e tal livro de leis não distingue os OPC por referência a qualquer critério (por segmentos de criminalidade ou moldura penal), mostrando-se desprovido da ideia de identificação das competências próprias para coadjuvação. A legalidade da sua actuação é, portanto, estruturada no respeito pelo âmbito dos poderes que lhe foram delegados pelo Ministério Público. Com efeito, o modelo vigente comporta uma inegável dispersão de competências entre os vários OPC, o que postula ao Magistrado titular a necessidade de garantir uma eficaz articulação entre as polícias de investigação criminal, sendo para tal necessário reforçar o sistema de comunicação, em processo dialéctico, por forma a delegar competência naquela que, em concreto, ofereça os meios (mais) adequados e as (melhores) estruturas à prossecução das funções atribuídas. 2.3. Incidentes na divisão da competência de investigação – a violação das regras de divisão, artigo 5.º da LOIC

O artigo 5.º da LOIC com a epígrafe “Incompetência em matéria de investigação criminal”, determina no seu n.º 1 que, sem prejuízo dos casos de competência deferida, o OPC que tiver notícia do crime e não seja competente para a sua investigação apenas pode praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova. Há, no entanto, um vazio legal no respeitante à eventual consequência para a violação das regras de divisão de competência previstas na LOIC.

Perfilam-se, no essencial, a este respeito duas posições doutrinárias. A primeira advoga que o Magistrado titular do inquérito, quando delega competência nos OPC, encontra-se vinculado à LOIC, dado sobre si impender o poder-dever de exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade. Quando não observadas as regras de divisão de competência constantes na LOIC ( perspectivadas segundo os tipos legais de crime ou da medida das penas), fica comprometida a investigação dado não actuar o OPC, reconhecido por lei como o dotado dos meios, técnicas e recursos mais adequados para proceder à mesma, o que, concomitantemente, coloca em causa a descoberta da verdade material e a realização da justiça. Em abono desta posição, Maria João Antunes refere que as competências dos OPC, no âmbito do processo penal, resultam da lei, apelando à LOIC como fonte legitimadora de intervenção processual na investigação, a par das leis orgânicas dos OPC. Dada a sua natureza complementar do CPP, entende, por isso, que a mesma possui natureza processual penal, não assumindo mera natureza administrativa uma vez que no seu artigo 2.º, à semelhança do que ocorre no artigo 55.º, n.º 1, do CPP, são reguladas as relações entre a autoridade judiciária e os OPC. A esta luz, a sanção proposta por tal tese para o despacho de delegação de competência proferido em violação das regras de divisão de competência de coadjuvação previstas na LOIC, encontra-se no CPP, artigo 119.º, alínea b), padecendo, assim, de nulidade insanável, afectando todos os actos de inquérito praticados ao abrigo daquele despacho de delegação de competência33.

33 Ob. cit., pág. 74 e PINTO, André de Sousa, “A relação entre Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal. A prática delegatória do Ministério Público”, Universidade de Coimbra, Janeiro de 2017.

A segunda das teorias, com Paulo Dá Mesquita34 , realça desde logo o facto de a LOIC não prever

qualquer consequência para a violação das regras de divisão de competência de coadjuvação, não cominando, por maioria de razão, com o vício de nulidade o deferimento ou a prática de actos de investigação por parte de um determinado OPC fora da área de competência delimitada pela LOIC. Com efeito, o regime das nulidades, elencado nos artigos 118.º e seguintes do CPP, apenas será convocável quando estiver em causa a violação ou a inobservância de disposições da lei do processo penal, o elemento literal assim o evidencia (cfr. artigo 118.º, n.º 1, do CPP), não possuindo a LOIC tal natureza, mas ao invés, cariz administrativo. Em distinta bitola, mas de raciocínio par, o CPP não distingue, como se demonstrou, a competência de cada OPC em função do tipo de crime, todos os OPC são idênticos, sendo completamente omisso da ideia de competências próprias para coadjuvação, relevando apenas, para o efeito, aquilatar se a prática dos actos foi delegada no OPC que os pratica, uma vez que o despacho de delegação de competência constitui a fonte legitimadora e única da actividade policial no processo penal. Se a resposta for afirmativa, os actos serão processualmente válidos, posto que ao Magistrado titular do inquérito é reconhecida a faculdade de, perante a concreta situação, considerar que outro OPC, distinto do indicado nos termos da LOIC, apresenta melhores condições técnicas e logísticas (de coadjuvação) para realizar diligências ou investigações. Destarte, a derrogação das regras de divisão de competência estabelecidas na LOIC não tem qualquer consequência processual, não afectando a validade dos actos praticados. Depois, sendo certo, além do mais, que a LOIC (em nenhum momento) estabelece como vício de nulidade o deferimento ou a prática de actos de investigação por parte de um determinado OPC fora da sua área de competência, as derrogações ao estipulado não poderão constituir nulidades, atento o princípio da legalidade das nulidades processuais. Assim, a nulidade insanável dos actos praticados pela falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 119.º, alínea b), do CPP, ocorre apenas nos casos em que os OPC praticam actos fora do âmbito das medidas cautelares e de polícia ou quando desrespeitem os termos exactos, temporais e substanciais, do despacho de delegação de competência.

Na verdade, a LOIC e as leis orgânicas regulamentam a competência processual dos OPC, sem que com isso se afecte o modo de relacionamento entre o interveniente (OPC) e o sujeito (MP) processual, sem que tal represente uma autonomização legal investigatória para os OPC.

Os novos desafios suscitados com a criminalidade organizada e que criaram, em sede da LOIC, nomeadamente, a necessidade de afastar da esfera de actuação da Polícia Judiciária a criminalidade bagatelar, que consumia recursos humanos e materiais indispensáveis noutras área, bem mais complexas e significativas, não se postulam estanques, pelo que, não raro o circunstancialismo do caso, a configuração de segmentos de criminalidade, demandam solução própria, diversa da plasmada na LOIC. Em perspectiva mais prática, e no que concerne à actuação respectiva de cada um dos OPC, há́ muito que se encontra ultrapassada a tradicional vocação no âmbito da segurança, à PSP e no âmbito da investigação, à PJ, basta recordar, neste sentido, a criação de diversos departamentos (brigadas) especializados para a investigação criminal, junto da PSP e GNR.

34 Ob. cit., pág. 90; na Jurisprudência vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-06-2016 (processo n.º 50/14.0SLLSB-Y.L1-9, Relatora: Maria do Carmo Ferreira, disponível in www.dgsi.pt.

Em bom rigor, nem poderia ser de outra forma, uma vez que o cariz administrativo da LOIC, regulador das funções dos respectivos OPC, não tem a virtualidade de derrogar as disposições legais do CPP e da própria Constituição da República. Essa é porventura a razão da inexistência na própria LOIC de sanção para as situações em que um OPC intervenha em investigação de crime que não é da sua área reservada. Em exercício meramente académico, e lançando mão de sentido oposto ao da interpretação efectuada, tal solução, poderia representar uma espécie de substituição do legislador na decisão de atribuição de competência, a dado OPC, para investigar em concreto determinados tipos legais de crime, determinando sempre e de antemão quem é que investiga o quê, pese embora, tal poder colidir, em sede processual, com a verdade material, a protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, uma vez que estes têm direito à melhor investigação possível. Ademais, o próprio artigo 3.º, n.º 4, alínea a), da LOIC parece corroborar o entendimento ao reforçar a atribuição de direcção do inquérito ao seu titular com o reconhecimento da competência de coadjuvação dos OPC. Efectivamente, o processo penal consiste numa concatenação de actos, a estruturação daquele suceder pressupõe a normativização e o controlo por órgãos – leia-se Ministério Público –, cuja estrutura e funcionamento é normativamente comandada, actuando sempre por referência à lei – diga-se processual penal e constitucional. A lei só pode funcionar como reforço da efectiva direcção funcional do inquérito pelo Magistrado do Ministério Público. Não há assim qualquer espaço para uma autónoma definição de competências dos OPC a partir de critério regulador administrativo que a LOIC assume e que contrarie o disposto em sede adjectiva.

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