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IV. Hiperligações e referências bibliográficas

2. O conceito de OPC no CPP e na LOIC

3.3. Delegação de competência nos OPC

3.4.1. Violação das regras de divisão de competência dos OPC Consequências processuais

Relativamente a este aspecto, coloca-se a questão de saber se o magistrado do MP, quando procede à delegação de competência nos OPC para a realização de diligências ou investigações, se encontra vinculado à LOIC e, em caso afirmativo, quais as consequências processuais da violação das regras de divisão de competências nela estabelecidas.

O artigo 5.º da LOIC tem como epígrafe “Incompetência em matéria de investigação criminal”, referindo- se no seu n.º 1 que, sem prejuízo dos casos de competência deferida, o OPC que tiver notícia do crime e não seja competente para a sua investigação apenas pode praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.

Contudo, não obstante as regras contidas no mencionado artigo, a LOIC não prevê qualquer consequência para a violação das regras de divisão de competência, não existindo por essa razão uma resposta clara à questão colocada no parágrafo inicial.

De todo o modo, encontram-se duas posições distintas quanto a esta questão.

A primeira de que falaremos considera que o magistrado do MP, quando decide delegar competência nos OPC, encontra-se vinculado à LOIC uma vez que sobre si impende o poder-dever de exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade.

Considera-se que, nos casos em que o MP não observa as regras de divisão de competência constantes na LOIC, a qual foi feita em função dos tipos legais de crime, nuns casos, ou em função da medida das 72 Sessão 2 da Formação Específica de Direito Penal e Processual Penal – Ministério Público – 33.º Curso, ministrada pelo Procurador da República Rui Cardoso.

penas, noutros casos, compromete a investigação porque não escolheu o OPC dotado dos meios, técnicas e recursos mais adequados para proceder à mesma o que, consequentemente, coloca em causa a descoberta da verdade material e a realização da justiça.

De igual modo, a inobservância de tais regras, compromete a protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, uma vez que estes têm direito “à melhor investigação possível” que permita apurar devidamente os factos, bem como a sua autoria. Ora, segundo este entendimento, tal exige que a investigação seja realizada pelo OPC mais habilitado/especializado para o combate da criminalidade em causa no caso concreto, não se admitindo neste campo juízos de oportunidade.

Acresce que, segundo esta posição, a falta de fundamentação dos despachos de delegação de competência proferidos pelo magistrado do MP, sem observar o disposto na LOIC quanto à repartição de competência entre os OPC, viola o princípio da legalidade (artigo 97.º, n.ºs 3 e 5, do CPP).

Em abono desta posição, Maria João Antunes73 refere que as competências dos OPC, no âmbito do

processo penal, resultam da lei, nomeadamente da LOIC e das leis próprias daqueles órgãos e autoridades pelo que, mostrando-se necessária uma fonte legitimadora para intervir no processo, a LOIC, a par das leis orgânicas dos OPC, vincula o MP no acto de delegação de competência.

Encarando a LOIC como complementar do CPP, considera-se que a mesma possui natureza processual penal, não assumindo mera natureza administrativa uma vez que no seu artigo 2.º, à semelhança do que ocorre no artigo 55.º, n.º 1, do CPP, são reguladas as relações entre a autoridade judiciária e os OPC, não se definindo apenas a competência de cada OPC no âmbito da investigação criminal.

Em conformidade com o exposto, segundo esta tese, a sanção para o despacho de delegação de competência proferido em violação das regras de divisão de competência de coadjuvação previstas na LOIC, que não se encontre devidamente fundamentado, encontra-se no CPP, mais concretamente no artigo 119.º, alínea b), padecendo, assim, de nulidade insanável, afectando todos os actos de inquérito praticados ao abrigo daquele despacho de delegação de competência74.

Por outro lado, a segunda posição existente sobre a questão em análise começa por realçar o facto de a LOIC não prever qualquer consequência para a violação das regras de divisão de competência de coadjuvação, não cominando com o vício de nulidade o deferimento ou a prática de actos de investigação por parte de um determinado OPC fora da sua área de competência.

Acresce que se entende que o regime das nulidades, previsto nos artigos 118.º e seguintes do CPP, apenas se aplica quando está em causa a violação ou a inobservância de disposições da “lei do processo

penal” (cfr. artigo 118.º, n.º 1, do CPP), não tendo a LOIC esta natureza, sendo lei administrativa na qual

se define a competência de cada OPC no âmbito da investigação criminal. 73 Op. cit., p. 55.

74 Sobre esta posição, PINTO, André de Sousa, “A relação entre Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal. A prática delegatória do Ministério Público”, Universidade de Coimbra, Janeiro de 2017.

Nesta posição salienta-se também o facto de, no CPP, não ser feita qualquer distinção dos OPC, tendo em conta a competência, importando apenas verificar se a prática dos actos foi delegada no OPC que os pratica, por se considerar que o despacho de delegação de competência constitui a fonte legitimadora da actividade policial no processo penal75. Em caso afirmativo, os actos serão processualmente válidos,

independentemente de serem praticados pela PJ, PSP, GNR ou outro OPC pois, ao magistrado do MP é reconhecida a faculdade de, perante a concreta situação, considerar que outro OPC, que não o “competente” nos termos da LOIC, está em melhores condições técnicas e logísticas para realizar diligências ou investigações. Deste modo, conclui-se que a violação das regras de divisão de competência estabelecidas na LOIC não tem qualquer consequência processual, não afectando a validade dos actos praticados.

Segundo este entendimento, a nulidade insanável dos actos praticados pela falta de promoção do processo pelo MP, nos termos do artigo 119.º, alínea b), do CPP, verifica-se apenas nos casos em que os OPC praticam actos fora do âmbito das medidas cautelares e de polícia ou quando não respeitem os precisos termos (temporais e substanciais) da delegação de competência76.

Perfilhando esta posição, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-06-2016 (processo n.º 50/14.0SLLSB-Y.L1-9, Relatora: Maria do Carmo Ferreira)77, refere-se que “(…) a atribuição da

competência de coadjuvação aos OPC depende da mediação do MP através de despacho de delegação de competência, despacho esse que constitui a fonte legitimadora da actividade policial no processo penal. A entidade competente para definir o OPC coadjuvante é o MP que dirige o inquérito, pelo que a partir do momento em que delega competência para a investigação num determinado OPC nunca se poderá pôr em causa essa atribuição de competência nem as estritas finalidades processuais que a mesma abrange”.

Como se refere no aludido acórdão, sendo certo que os OPC exercem uma função de auxílio às autoridades judiciárias, os actos processuais determinados são sempre da autoridade coadjuvada, actuando aqueles na sua dependência funcional, o que não significa, como já referido, dependência hierárquica. Assim, conclui-se que “(…) embora a PJ tenha competência reservada para a investigação

criminal relativamente aos crimes de catálogo, nos termos da Lei especial LOIC, na verdade, nada proíbe que o MP, enquanto detentor originário da investigação, entenda e ordene a realização de diligências de investigação desses crimes de área reservada, a OPCs diferentes, uma vez que a própria Lei Penal não faz qualquer distinção entre OPCs ”78.

75 No CPP não se encontra consagrado um OPC natural, MESQUITA, Paulo Dá, op. cit., p. 92. 76 M

ESQUITA, Paulo Dá, op. cit., p. 91

77 Neste acórdão trata-se de um caso em que o arguido pretendia ver declarada a nulidade dos actos de investigação praticados pela PSP no âmbito do inquérito em que se investigavam crimes de extorsão (artigo 223.º do CP), associação criminosa (artigo 299.º do CP), roubo (artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do CP) e corrupção (artigos 373.º e 374.º do CP), alicerçando-se no facto de que a investigação de tais crimes é da competência reservada da PJ pelo que não podia ser deferida a outros OPC.

78 Tradicionalmente a PSP estava mais vocacionada para desempenhar funções de segurança e a PJ funções de investigação. Contudo, refere-se no Acórdão que há muito que se encontra ultrapassada a distinção destes OPC tendo em conta o critério da específica vocação, uma vez que junto da PSP e da GNR foram criados diversos departamentos especializados para a investigação criminal.

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