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Delegação de competência, legalmente presumida, nos órgãos da administração tributária e nos órgãos da administração da segurança social Consequências processuais

IV. Hiperligações e referências bibliográficas

2. O conceito de OPC no CPP e na LOIC

3.3. Delegação de competência nos OPC

3.3.2. Delegação de competência, legalmente presumida, nos órgãos da administração tributária e nos órgãos da administração da segurança social Consequências processuais

O artigo 40.º, n.º 2, do RGIT contém uma presunção de delegação de competência ao referir que “Aos

órgãos da administração tributária e aos da segurança social66 cabem, durante o inquérito, os poderes e

funções que o Código de Processo Penal atribui aos órgãos e às autoridades de polícia criminal, presumindo-se-lhes delegada a prática de actos que o Ministério Público pode atribuir àquelas entidades (…)”.

No n.º 1 do artigo 41.º do RGIT encontram-se os crimes em relação aos quais se presume a delegação de competência. De todo o modo, como resulta igualmente do preceito legal, tal presunção não prejudica a possibilidade de, a todo o tempo, o processo poder ser avocado pelo MP, não restando, assim, qualquer dúvida de que é a este que cabe a direcção do inquérito por crime tributário ou contra a segurança social (artigo 40.º, n.º 1, do RGIT).

Conforme consta no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06-11-2017 (Proc. n.º 231/13.3TAGMR.G1, Relator: Jorge Bispo), nos crimes tributários, “(…) a maior autonomia da

investigação por parte da administração fiscal e da segurança social compreende-se e justifica-se pela especial natureza técnica das matérias em causa, sem que tal se traduza numa administrativização da fase de inquérito, cuja direcção continua a pertencer ao órgão a quem constitucionalmente está atribuída, o qual não deixa de promover o processo”.

O n.º 3 do artigo 40.º do RGIT permite que, ao abrigo da competência presuntivamente delegada, o inquérito seja instaurado pelos órgãos da administração tributária e da administração da segurança social impondo-se, nestes casos, que tal instauração seja de imediato comunicada ao MP. Conforme resulta do mencionado Acórdão, esta comunicação impõe-se “(…) por forma a garantir e assegurar que

a titularidade da acção penal e a direcção do inquérito pertencem, desde o início do processo, ao órgão constitucionalmente incumbido das mesmas, para que possa, se assim o entender, determinar a realização de outras diligências de investigação, complementares ou não das levadas a cabo pelos órgãos da administração tributária ou da administração da segurança social ou até avocar o processo”.

66 Conforme já mencionado, a AT e os órgãos da administração da segurança social não são entidades policiais, pelo que se consideram OPC em sentido lato.

Deste modo, nos casos em que a instauração do inquérito tem lugar pelo órgão da administração tributária ou da segurança social se este não der integral cumprimento à exigência decorrente do artigo 40.º, n.º 3, do RGIT, verifica-se a nulidade por falta de promoção do processo pelo MP (artigo 119.º, alínea b), do CPP)67.

O n.º 2 do artigo 41.º do RGIT estabelece que “Os actos de inquérito para cuja prática a competência é

delegada nos termos do número anterior podem ser praticados pelos titulares dos órgãos e pelos funcionários e agentes dos respectivos serviços a quem tais funções sejam especialmente cometidas”.

Importa assim concluir, em consonância com o referido Acórdão, que “(…) a competência dos titulares

de órgãos, funcionários ou agentes dos respectivos serviços para a prática de actos de inquérito nos termos dos artigos 40.º e 41.º do RGIT não exige que haja uma subdelegação de poderes por parte do director ou presidente do órgão da administração tributária ou da administração da segurança social, em quem legalmente se presume delegada a prática de actos que o Ministério Público pode atribuir aos órgãos de polícia criminal”68.

Nos termos do artigo 41.º, n.º 4, do RGIT, “Se o mesmo facto constituir crime tributário e crime comum

ou quando a investigação do crime tributário assuma especial complexidade, o Ministério Público pode determinar a constituição de equipas também integradas por outros órgãos de polícia criminal para procederem aos actos de inquérito”.

3.4. Divisão de competência de coadjuvação entre os OPC feita pela LOIC

Como referido, a LOIC classifica os OPC, no artigo 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, tendo em conta a respectiva competência (genérica, específica ou reservada).

Os artigos 6.º e 7.º da LOIC especificam a competência da GNR, da PSP e da PJ em matéria de investigação criminal.

67 Nas situações em que o sujeito passivo é uma pessoa colectiva, considera-se que o órgão da administração tributária ou da segurança social dá integral cumprimento ao disposto no artigo 40.º, n.º 3, do RGIT quando na comunicação ao MP se encontra apenas identificado tal sujeito pois, “(…) nesse momento e antes de proceder a diligências de investigação, apenas poderá ter conhecimento da identificação do sujeito passivo da obrigação (contribuinte) e não das pessoas que actuaram em sua representação (…)”.Deste modo, conclui-se que “(…) a comunicação ao Ministério Público da instauração do processo pelo órgão da administração tributária ou da administração da segurança social, prevista no artigo 40.º, n.º 3, do RGIT, não exige a indicação também da identidade do gerente (de direito) da pessoa colectiva que é o contribuinte faltoso, porquanto a não comunicação desse elemento não significa que o processo não esteja sob a direcção e a titularidade do órgão constitucionalmente incumbido do exercício da acção penal, termos em que jamais pode consubstanciar a nulidade de falta de promoção do processo pelo Ministério Público, prevista no artigo 119.º, al. b), do Código de Processo Penal” (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-11-2017, Proc. n.º 231/13.3TAGMR.G1, Relator: Jorge Bispo).

68 No regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro e revogado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, encontrava-se prevista a possibilidade do agente da administração fiscal iniciar um processo de averiguações tendente a determinar os elementos constitutivos de um crime fiscal. Durante o processo de averiguações, ao agente da administração fiscal cabiam os poderes e as funções que o CPP atribui ao MP relativamente à prática de actos de inquérito (artigos 43.º e 44.º). Sobre a então conformidade constitucional destas normas, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 105/04, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040105.html

Nos termos do artigo 6.º, “É da competência genérica da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de

Segurança Pública a investigação dos crimes cuja competência não esteja reservada a outros órgãos de polícia criminal e ainda dos crimes cuja investigação lhes seja cometida pela autoridade judiciária competente para a direcção do processo, nos termos do artigo 8.º”.

Por seu lado, a PJ tem competência reservada “absoluta” (artigo 7.º, n.º 2), “relativa” (artigo 7.º, n.º 3) e

“repartida” com a GNR e o SEF (artigo 7.º, n.º 4) para a investigação de alguns crimes69.

De todo o modo, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, da LOIC, o Procurador-Geral da República, depois de ouvidos os OPC envolvidos, defere a investigação dos crimes de competência reservada “relativa” da PJ (artigo 7.º, n.º 3, da LOIC) a outro OPC desde que tal se afigure, em concreto, mais adequado ao bom andamento da investigação e, designadamente, quando existam provas simples e evidentes70, se

verifiquem os pressupostos das formas especiais de processo71, se trate de crime sobre o qual incidam

orientações sobre a pequena criminalidade, nos termos da Lei de Política Criminal em vigor ou a investigação não exija especial mobilidade de actuação ou meios de elevada especialidade técnica. Contudo, no n.º 2 do artigo 8.º da LOIC encontram-se previstas circunstâncias impeditivas do deferimento da investigação dos crimes de competência reservada “relativa” da PJ a outros OPC. Assim, tal não pode ocorrer quando a investigação assuma especial complexidade por força do carácter plurilocalizado das condutas ou da pluralidade dos agentes ou das vítimas, os factos tenham sido cometidos de forma altamente organizada ou assumam carácter transnacional ou dimensão internacional ou a investigação requeira, de modo constante, conhecimentos ou meios de elevada especialidade técnica.

Quando se verifiquem estas circunstâncias, o n.º 3 do artigo 8.º da LOIC permite ao Procurador-Geral da República que, após audição dos OPC envolvidos, defira à PJ a investigação de crimes que não sejam da sua competência reservada (artigo 7.º), proferindo-se despacho de deferimento da competência no processo concreto.

Quer o deferimento a que se refere o n.º 1, quer o que se refere no n.º 3 do artigo 8.º da LOIC, podem ser efectuado por despacho de natureza genérica do Procurador-Geral da República que indique os tipos de crimes, as suas concretas circunstâncias ou os limites das penas que lhes forem aplicáveis (n.º 4).

69 No que concerne à GNR e à PSP, seria mais correcto falar em competência residual ou subsidiária, não sendo a sua competência verdadeiramente genérica (para tudo), competindo-lhes investigar os crimes cuja competência não esteja reservada a outros OPC, nos termos do artigo 6.º da LOIC. De todo o modo, a GNR tem competência específica para investigar alguns crimes aduaneiros. Por outro lado, a competência da PJ cinge-se aos crimes constantes no artigo 7.º da LOIC, pelo que, no rigor, não tem competência genérica nem residual. Assim, seria mais correcto falar de OPC de competência específica e de competência residual ou subsidiária. Sessão 2 da Formação Específica de Direito Penal e Processual Penal – Ministério Público – 33.º Curso, ministrada pelo Sr. Procurador da República Rui Cardoso.

70 Cfr. artigo 391.º-A, n.º 3, do CPP. 71 Cfr. artigos 381.º e seguintes do CPP.

Nos termos do n.º 5 do artigo 8.º o Procurador-Geral da República, ouvidos os OPC envolvidos, defere a investigação a OPC diferente do que a tiver iniciado, de entre os referidos no n.º 4 do mesmo artigo, dos crimes previstos no n.º 4 do artigo 7.º, quando tal se afigurar em concreto mais adequado ao bom andamento da investigação. Deste modo, tal deferimento é feito através de despacho proferido no processo em concreto.

O n.º 6 do artigo 8.º permite que o Procurador-Geral da República delegue nos procuradores-gerais distritais a possibilidade de, caso a caso, procederem ao deferimento previsto nos n.ºs 1, 3 e 5 do artigo 8.º da LOIC.

Apesar do artigo 8.º da LOIC não prever a alteração da divisão de competências de coadjuvação entre a GNR ou entre a PSP e outro OPC que não a PJ, tal alteração pode, contudo, ocorrer, desde que isso se afigure, em concreto, mais adequado ao bom andamento da investigação72.

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