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I. Introdução I Objectivos

4. Prática e gestão processual

4.1. A importância do primeiro despacho de inquérito

A notícia do crime deve dar origem à abertura de inquérito (artigo 262.º, n.º 2, do CPP), mas a valoração da notícia do crime e a abertura do processo é uma competência exclusiva, como já assinalado, do Ministério Público (artigos 48.º e 53.º, n.º 2, a), do CPP) a quem compete dirigir o inquérito (artigos 53.º, n.º 2, a), e 263.º, n.º 1, do CPP), o que apenas pode ser efectivado com o conhecimento da sua existência, devendo ordenar o registo, distribuição e autuação como inquérito, em conformidade com a Ordem de Serviço n.º 4/2015, da PGR. Após, e tendo sempre em vista a finalidade do inquérito contida no n.º 1 do artigo 262.º do CPP, deverão ser objecto de investigação e de prova todos os factos que possam integrar os elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos típicos noticiados. O Magistrado titular, tendo em consideração a Directiva n.º 1/2017, da PGR82, deverá proceder ou avaliar a necessidade de apreciar a competência (artigo 264.º do CPP); a legitimidade (artigos 48.º, 49.º e 50.º do CPP e 113.º e seguintes do CP); validar a constituição de arguido (artigo 58.º, n.º 3, do CPP); validar medidas cautelares realizadas pelos OPC (artigo 249.º do CPP)85; no caso de terem sido efectuadas apreensões, decidir sobre o seu levantamento e manutenção (artigo 178.º, n.ºs 1, 3, 4 e 6, do CPP), bem como sobre a necessidade de tomar providências para assegurar a sua conservação; ponderar a sujeição do inquérito a segredo de justiça (artigo 86.º, n.º 3, do CPP); determinar a sujeição do inquérito a segredo de justiça sempre que a investigação tenha por objecto os crimes previstos no artigo 1º, alíneas i) a m), do CPP, na Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro e na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro (Directiva da PGR, de 09-01-2008); aferir se há actos/diligências urgentes a determinar ou a promover (por exemplo, acautelar meios de prova e aplicar medidas de coacção); verificar se o inquérito tem natureza urgente, ordenando-se, em caso afirmativo, a anotação de tal natureza na capa do processo, de modo a ser facilmente identificável por magistrados, funcionários e OPC (artigo 28.º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro e 103.º, n.º 2, do CPP), verificar o termo do prazo de prescrição do procedimento criminal, com anotação da data na capa do inquérito. Analisando a notícia do crime o magistrado titular procederá, assim, em termos semelhantes aos do saneamento do processo, tendentes à identificação do objecto do processo, que iniciará na qualificação jurídica dos factos noticiados.

No caso de o Magistrado optar pela delegação de competências, emite um despacho de delegação de competências a um dado OPC, para desenvolver a investigação criminal de acordo com os princípios e o conhecimento técnico e científico de que o mesmo dispõe nessa matéria. Deve, por isso, indicar sucintamente os factos, e respectiva qualificação jurídico-penal, identificando o OPC competente (material e territorialmente). Pelo que, deverão ser elencadas as diligências a realizar, e bem, assim o que é pretendido com cada uma (v.g., aspectos a esclarecer em inquirições ou interrogatórios), a ordem por que devem ser realizadas, o prazo máximo e instruções para a sua realização, dando-se instruções de actuação aos funcionários judiciais em caso de incumprimento do prazo concedido.

Um tal sistema de coadjuvação, tem como inegável vantagem a criação de uma relação flexível e elástica, dado que permite uma maior desburocratização e informalização ao titular do inquérito. No entanto, para a optimização desta vantagem, importa aferir, casuisticamente, se a delegação em OPC se

apresenta viável ou pelo contrário se deve a execução ser levada a cabo directamente pelo Ministério Público, máxime em inquéritos de violência doméstica, sob pena de se desvirtuar todo um sistema, em detrimento do interesse público de investigação e descoberta da verdade material. Assim, impõe-se uma direcção contínua, votada à orientação dos OPC, mediante emissão de directivas e instruções sobre a realização de um dado acto, sem prescindir da coordenação da sua actividade, seja entre os diversos OPC seja entre estes e os demais organismos, numa base de comunicação constante, alicerçada na troca informacional e agendamento de reuniões, por forma a delinear a estratégia de investigação. Se houver conexão entre crimes cuja investigação compete (em razão da matéria) a diferentes OPC nos termos do artigo 5.º, n.º 2 da LOIC, a decisão a tomar competirá sempre e em exclusivo ao Ministério Público e só́ pode ser tomada, também aqui, caso a caso, não podendo o OPC, por sua iniciativa, tomar tal decisão, por tal acarretar uma autonomização da investigação policial face à entidade titular do Inquérito, com uma subsequente desresponsabilização do Ministério Público e no perigo de o processo investigatório, nomeadamente, ser norteado por pauta desconforme aos elementos essenciais à decisão de encerramento de inquérito, que, nem sempre, corresponde à verdade policial mas à análise do

grande facto a partir de hermenêutica jurídica, desembocando, no limite, em investigações

processualmente inúteis – porque ilegítimas – e desadequadas ao caso concreto. Na maior parte dos casos, o critério será́: aferir se o OPC competente para o crime mais grave tem capacidade para investigar o crime conexo cuja investigação compete a outro OPC, na afirmativa, realizará a investigação de todos os crimes, na negativa, deverá ser promovida a cooperação entre os OPCs, nos termos definidos pelo artigo 5.º, n.º 3, da LOIC. Nos casos de delegação genérica de competência num OPC, enquanto a mesma se mantiver, os magistrados devem abster-se de praticar, no processo ou seu traslado, actos avulsos de investigação.

Se o processo for relativo a investigações complexas pela especial tecnicidade dos factos em análise, ponderar a necessidade e adequação da criação de equipas especiais, propondo, via hierárquica, a sua constituição à Procuradora-Geral da República (ponto IV, 1, da Directiva 1/2017, da PGR); no caso de investigações por crimes violentos e graves que demandem a intervenção e coordenação de diversos OPC, ponderar a adequação de intervenção de diversos OPC e propor, via hierárquica, à Procuradora- Geral da República a constituição de equipas mistas (ponto IV, 2, da Directiva 1/2017, da PGR). Tudo, numa óptica de concentração das diligências que se afigurem úteis, sem perder a perspectiva activa de todo o processo, sem apartar da ideia da necessidade de cada diligência para a prova do facto (artigo 267.º CPP), proporcionalidade entre o interesse de obter a prova e a restrição de qualquer direito fundamental (artigo 18.º, n.º 2, CRP).

4.2. A direcção efectiva de inquérito – algumas particularidades em nome das boas práticas processuais penais

A existência de uma multiplicidade de OPC com funções de investigação criminal, dependentes funcionalmente do Ministério Público (por referência a um dado processo) evidencia a necessária coordenação, não só́ entre diferentes concretas investigações, mas também entre os distintos OPC, nomeadamente para lhes atribuir unidade de actuação e para delimitar o seu campo de actuação, quer

de maneira abstracta, quer entre processos concretos, optimizando os meios públicos colocados à sua disposição.́ É por isso de salientar que deve ser assegurada uma condução estratégica da investigação para o bom desenvolvimento do inquérito. Não se pode olvidar que é nesta fase que se define o objecto do processo e em que os elementos probatórios servirão para construir a acusação. É então importante uma investigação de proximidade, por forma a garantir, por parte do Ministério Público, o acompanhamento e a fiscalização da actividade processual dos OPC, articulando forças com estes na promoção de uma direcção efectiva da investigação, no limite, pelo exercício de dois tipos de faculdades, a devolução do inquérito para que se obtenha mais prova, ou pela avocação do processo no sentido de verificar se foi cometida alguma ilegalidade. O poder de direcção de inquérito se por um lado não pressupõe necessariamente que o Ministério público tenha de em todas as circunstâncias controlar, as concretas diligências a praticar pelos OPC, individualizando-as, por outro também não deverá deixar- se ao completo alvedrio destes a realização das diligências. Agendar reuniões com os OPC com vista a delinear conjuntamente a estratégia da investigação, representa, por isso, em regra, uma boa prática, tanto mais conveniente quanto mais grave e complexa for a criminalidade a investigar.

Veja-se este caso em particular. Do teor dos artigos 40.º e 41.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) decorre que o legislador atribuiu aos órgãos da administração tributária e da administração da segurança social os poderes e as funções que o Código de Processo Penal reconhece aos OPC, através de uma delegação presumida da competência para a prática de actos que o Ministério Público pode atribuir àqueles órgãos, exigindo apenas a comunicação imediata da instauração do inquérito. A referida delegação presumida consiste apenas na autorização para o exercício de um poder, nada impedindo que o processo, mesmo aí, seja avocado a todo o momento ou seja ordenada a realização de diligências, complementares ou não das já efetuadas. De todo o modo, a maior autonomia da investigação por parte da administração fiscal e da segurança social compreende-se e justifica-se pela especial natureza técnica das matérias em causa, sem que tal se traduza numa administrativização da fase de inquérito, cuja direção continua a pertencer ao órgão a quem constitucionalmente está atribuída, o qual não deixa de promover o processo. Assim, não obstante a referida delegação presumida, no momento em que seja recebida a comunicação da instauração do inquérito, o Ministério Público pode proferir de imediato despacho a delegar competências expressa, até para a prática de uma qualquer diligência que se afigure útil para a descoberta da verdade material.

Por outro lado, e já em distinto domínio, a dependência dos OPC com funções de investigação criminal, do executivo (nos aspectos organizativos, administrativos e disciplinares) pode condicionar a efectiva direcção do inquérito pelo Ministério Público. O sistema de dependência funcional não modifica o poder disciplinar que continua a pertencer ao superior hierárquico responsável pelos OPC. No entanto, se ocorrer uma situação que configura um ilícito penal durante uma actuação ao nível do processo penal, o poder disciplinar não pode ser idêntico a um poder disciplinar ao nível do exercício de funções administrativas. Nesta situação, o superior hierárquico não tem a responsabilidade funcional do comportamento dos OPC. Assim, competirá ao Ministério Público, por sua iniciativa, tomar conhecimento de todos os ilícitos disciplinares praticados no exercício de actividades imputáveis à Administração da Justiça e promover que o superior hierárquico efective a concreta responsabilidade disciplinar do OPC.

Em termos sucintos, cabendo ao MP proferir decisão final no inquérito, quanto mais activa e efectiva for a direcção desta fase maior será o conhecimento do magistrado sobre a mesma e, consequentemente, a facilidade com que decide, arquivando ou acusando o processo.

5. Conclusão

O poder jurídico de directa orientação dos OPC na fase de inquérito pelo Ministério Público corresponde à garantia da titularidade do inquérito, corporizando um imperativo de eficácia, que demanda unidade do poder jurídico e respectiva responsabilidade, em toda a fase de investigação. Os actos dos OPC estão em qualquer caso sempre sujeitos à valoração processual do Ministério Público. Todavia, a diferença estrutural entre os actos praticados por iniciativa própria dos OPC e os actos praticados por encargo do Ministério Público radica na legitimação ope legis dos primeiros, o que permite uma autonomia técnica da polícia na concretização do comando legislativo, ao invés do que sucede quando actuam por encargo do Ministério Público, ficando aí vinculados aos termos e âmbito do necessário comando da autoridade judiciária.

Relativamente à actividade processual dos OPC por via de encargo do Ministério Público é possível afirmar que, na fase de inquérito, os OPC actuam sob a directa orientação e dependência funcional do Ministério Público. O que, na esteira de Faria Costa56, significa por um lado, um poder de directo

contacto com os agentes encarregues da investigação criminal e, por outro lado, um poder contínuo e permanente de emitir directivas que dirijam a actividade investigatória. Com efeito, a direcção do inquérito implica que o Ministério Público acompanhe e oriente a investigação e que os OPC cumpram o seu dever de informação, pelo que será importante manter, entre os agentes policiais e o magistrado titular do inquérito, uma relação informal e de constante comunicação. Neste contexto, o controlo processual material pressupõe poder de averiguação que extravasa a mera análise jurídica dos elementos documentais remetidos pelos OPC para abranger a coadjuvação. A delegação de competências, enquanto acto de mediação da coadjuvação, delimita-se ao encargo de proceder a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito, excluindo-se do conceito todos os actos que competem em exclusivo ao Ministério Público, derivados do núcleo de competência indelegável, como sejam: a promoção processual no sentido de apreciação e seguimento a encetar a uma denúncia; e o poder de direção do inquérito enquanto comando técnico jurídico da actividade do inquérito e de que é expressão a definição do objecto das investigações.

Visou o presente estudo ser uma contribuição para a necessidade de reafirmar, na linha de Figueiredo Dias57, o pensar transistémico da política criminal que determina, no Estado de direito material

democrático, o “se” e o “como” da intervenção jurídico -criminal, de assumir, como evidencia Damião 56 In “As Relações entre o Ministério Público e a Polícia: a experiência portuguesa” - Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, n.º 70, 1994, págs. 229.

57 Dias, Jorge de Figueiredo, Direito Penal. Parte Geral – Tomo I – Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2.ª Edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 33-35.

da Cunha58, que “o grande desafio, em matéria de processo, em temas fundamentais como o «objecto»

do processo, não se encontra nos poderes de cognição dos tribunais, mas sim no relacionamento o Ministério Público e os OPC.

IV. Hiperligações e referências bibliográficas

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