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Da polissemia conceptual ao âmbito processual penal – uma leitura com visão constitucional O princípio geral de intervenção coadjuvatória encontra o seu âmbito material concretizado no artigo

I. Introdução I Objectivos

3. Relação funcional entre o Ministério Público e os OPC em sede de Inquérito 1 A coadjuvação sob o signo da dependência funcional

3.2.1. Da polissemia conceptual ao âmbito processual penal – uma leitura com visão constitucional O princípio geral de intervenção coadjuvatória encontra o seu âmbito material concretizado no artigo

270.º do CPP. Determina o preceito, a possibilidade de o Ministério Publico conferir aos órgãos de polícia criminal a tarefa de encetarem de diligências e investigações relativas ao inquérito. A delegação

47 Segundo Rui Cardoso, uma absoluta autonomia, táctica e técnica, condiciona a efectiva direcção do inquérito pelo MP, in “Investigação Criminal: Diagnóstico de um sistema (propositadamente) doente”, Terra de Lei, n.º 3, pág. 4.

48 Inquérito e Instrução - Jornadas de Direito Penal, 1988, pág.106.

de competências49, pode ser caracterizada como o acto pelo qual um órgão, normalmente competente

em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que um outro órgão, pratique actos administrativos sobre a mesma matéria50. Sucede que, aos OPC é já atribuída essa competência

mediante o reconhecimento da coadjuvação. Como se logo nota, as duas realidades, delegação e coadjuvação, são bastantes distintas, aliás quando Vieira de Andrade apresenta estas definições, começa logo por dizer que estas não se confundem até porque, no rigor dos termos, se auto excluem51.

Desta feita, o conceito de delegação, que o CPP utiliza, salvo melhor entendimento, não deve ser interpretado com o sentido jurídico administrativo, mas ao invés, lido no uso corrente, em sentido não técnico, de encarregar outrem.

Extravasando o domínio (teórico) conceptual até ao (prático) processual, não se reputa despiciendo afirmar que a delegação de competências assume uma dimensão e importância consideráveis, dado que proporciona aos OPC a realização de múltiplas tarefas de investigação, englobando tendencialmente quase todo o tipo de actos e diligências que visam investigar um crime, determinar o seu agente e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, nos termos do artigo 262.º do CPP. Daí que esta actividade seja, também, pressuposto da decisão final, de acusação, e logo sua complementar.

Ora, tal intervenção dos OPC, tem então como fonte um acto do Ministério Público, por via do qual, atribui a um certo OPC a capacidade de proceder a actos ou diligências da investigação. Este acto, pode revestir uma de três formas e visar: a) a prática de um acto específico de um concreto processo, b) globalmente a actividade investigatória de um processo, sem prejuízo da reserva de competências das autoridades judiciárias e de o MP poder emitir directivas e intervir sobre a efectivação de quaisquer actos, c) uma categoria de processos por referência a tipos de crimes ou limites de penas numa determinada circunscrição (a dita delegação genérica).

Com efeito, seguindo de perto, a Directiva 1/2002 da P.G.R52, publicada no DR. II série, de 04.04.2002, a

Delegação de competências por referência ao seu âmbito, pode ser caracterizada como específica (no âmbito de um concreto processo) e genérica (fora do âmbito de um processo em concreto, por referência a certos tipos de crime ou a determinados limites das penas). A delegação genérica não confere, contudo, aos OPC os poderes delegados na Directiva antes da comunicação da notícia do crime ao Ministério Público. A comunicação é sempre obrigatória, pois, só o Ministério Público determina, ou 49 A competência consiste no poder de acção e de actuação atribuído aos diferentes órgãos e agentes processuais penais para prosseguirem as atribuições que a lei lhes comete. As atribuições correspondem aos “fins ou interesses que a lei incumbe as pessoas colectivas públicas de prosseguir” ou seja, traduzem a missão que está confiada a cada entidade que prossegue fins públicos. Mas para prosseguirem tais fins ou interesses, as pessoas colectivas públicas necessitam dos designados poderes funcionais que, na sua globalidade, constituem a competência. Assim, as competências são “o conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas colectivas públicas, pelo que, enquanto as primeiras correspondem à missão confiada a cada entidade, as segundas os mecanismos, que a lei prevê para essas entidades prosseguirem essa mesma missão, cfr. AMARAL, Diogo Freitas do, “Curso de Direito Administrativo”, Vol. I, 3.ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, p. 776.

50 AMARAL, Freitas do, in Curso de Direito Administrativo, vol. I, 1986, pág. 663.

51 Neste sentido, OTERO, Paulo in “A competência delegada no Direito Administrativo Português”, 1987, pág. 57; e SOARES, Rogério Soares in “Direito Adminstrativo”, 1978, pág. 253;

52 A qual está em vigor, não tendo havido revogação expressa, embora se imponha interpretação correctivas, por força da LOIC 2008 e também das alterações feitas ao CPP desde 2002.

não, a abertura de Inquérito. Seria inconstitucional, por violação do artigo 219.º da Constituição, a interpretação que possibilitasse a investigação, além das medidas cautelares e de Polícia, fosse desencadeada por iniciativa dos OPC. Ademais, os actos de investigação praticados pelos órgãos de polícia criminal antes da comunicação ao Ministério Público da notícia do crime, que não integrem o elenco das medidas cautelares e de polícia são cominados com nulidade insanável, por força do artigo 119.º, alínea b), do CPP53. Deve, assim, ser interpretado, também, o artigo 2.º, n.ºs 3 e 7 da LOIC.

Uma das críticas que por vezes se coloca nesta matéria é precisamente o facto de, com esta delegação o Ministério Público poder deixar de ser o dominus do inquérito para se tornar um mero destinatário do mesmo, limitando-se, por conseguinte, nesta visão, a verificar a posteriori o que foi feito e se está, ou não, conforme os princípios e as regras do Processo Penal. Sem prejuízo de, seguindo de perto a posição de Souto Moura54, se sublinhar a importância de um contacto processual constante, entre o MP

e OPC, para que haja uma dialéctica frequente entre ambos, de forma a evitar uma “policialização do inquérito”, sempre se dirá que, nos termos da CRP, seria, sempre inadmissível e, portanto, inconstitucional, um processo penal onde se afirmasse um princípio de autonomia de actuação dos OPC, nos termos do artigo 219.º da CRP. O Direito Processual Penal é Direito Constitucional aplicado, constituindo o sismógrafo da lei fundamental, cumpre, por isso, trazer à colação o princípio da indisponibilidade das competências. A lei fundamental não permite, de todo, autonomizar a actividade policial de investigação criminal da direcção e dependência funcional perante o Magistrado titular do inquérito, para além do mais, por duas ordens de razões práticas.

Em primeiro lugar, neste circunstancialismo o Magistrado titular do inquérito teria de poder repetir os actos praticados pelos OPC sempre que julgasse necessário, com repercussões ao nível da celeridade processual. Em segundo, porque o sistema português prevê que haja flexibilidade ao nível da autonomia dos OPC (técnica e táctica), desde que a mesma não coloque em causa a responsabilidade das autoridades judiciárias. O modelo de autonomia funcional das polícias apenas poderia existir, o que não se concebe, se tal actuação não contendesse com direitos, liberdades e garantias individuais fundamentais, o que não acontece. Nesse sentido, para evitar a designada “policialização” do processo, o modelo vigente mostra ser o mais apropriado à realidade nacional. Os próprios termos utilizados pelo legislador no CPP para caracterizar tal relação revelam essa realidade, como sejam: coadjuvação e

dependência funcional. O legislador ao consagrar tais expressões quis significar, precisamente, que os

OPC prestam um auxílio específico, devido à preparação técnica dos mesmos em matéria de investigação criminal.

Sem olvidar que ao determinar que os OPC actuam na directa dependência do MP pressupôs uma comunicação constante entre ambos no decurso do inquérito, sem espaços a autonomia decisória por parte daqueles. Considera-se, portanto, que a delegação de competências, mesmo quando genérica, não desencadeia uma qualquer derrogação de competência(s).

53 MESQUITA, Paulo Dá, in “Direcção do Inquérito e Garantia Judiciária,” pág. 153. 54 In “Inquérito e Instrução - Jornadas de Direito Penal”, 1988, pág. 108.

A própria definição do âmbito de competência legal que é reconhecida à autoridade judiciária, em matérias em que existe reserva de lei, ainda que relativa, de competência da Assembleia da República, não se apresenta como passível de ser definida e transmitida, como um todo, por despacho processual de delegação. Donde, o problema da (in) derrogabilidade das competências, como um esvaziamento da área de funções que constitucionalmente cabem ao Ministério Público, constitui, salvo melhor entendimento, uma mera falácia interpretativa, uma vez que, dado por assente que os OPC têm uma actividade meramente coadjutória, nunca existirá uma transferência, no sentido literal do termo, por forma a habilitar a autonomização dos OPC em sede de investigação. Os termos e tempos da investigação por encargo do Ministério Público realizam-se de acordo com o seu despacho de delegação e não ope legis, e tanto o despacho do Ministério Público como a actuação processual dos OPC têm de obedecer aos termos da lei processual. Pelo que, se é verdade que a notícia do crime deve dar origem à abertura de inquérito (artigo 262.º, n.º 2, do CPP), como se demonstrou, não menos acertado é afirmar que a sua valoração da notícia do crime, a abertura do processo e a sua direcção em sede de inquérito é uma competência exclusiva do MP (artigos 48.º e 53.º, n.º 2, a), artigos 53.º, n.º 2, a), e 263.º, n.º 1, do CPP do CPP). Donde, todas as realidades factuais que são determinantes na identificação do objecto do processo, encontram-se, e dela são expressão, sob a direcção do Ministério Público orientado pelo princípio da investigação.

Depois, cumpre, também, realçar, que o despacho de delegação de competências, enquanto acto de mediação do Ministério Público, tem por limite as competências “indelegáveis”, como sejam “a promoção processual, no sentido de apreciação do seguimento a dar a uma denúncia e o poder de direcção do inquérito no sentido de poder de comando técnico-jurídico da actividade de inquérito. Para esbater eventuais dúvidas, o legislador procedeu, inclusive, a uma limitação material da coadjuvação, mediante enumeração de um conjunto nuclear de tarefas pertencentes somente ao órgão coadjuvado, além das previstas no n.º 2 do artigo 270.º do CPP, a inauxiliável decisão de encerramento do inquérito (artigo 276.º do CPP).

Por tudo quanto exposto, é neste momento, possível configurar a incompatibilidade com as competências de coadjuvação dos órgãos de polícia criminal, actos de investigação por iniciativa própria insusceptíveis de ser enquadrados nas medidas cautelares e de polícia que:

(1) Sejam praticados em momento anterior à comunicação da notícia do crime, ou

(2) Realizados posteriormente àquela comunicação não respeitem os precisos termos (temporais e substanciais) da delegação de competência55. Limites temporais e materiais que

conformam o manto legitimador de um despacho do Ministério Público, na qualidade de titular da direcção, como fonte do encargo de realização de quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito.

55 § VIII.5 do parecer n.º 5/2010, de 1 de Julho (que, à data do presente parecer, ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, estando, apenas, na «área reservada».

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