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I. Introdução I Objectivos

1. Enquadramento jurídico e considerações gerais

1.1. O Ministério Público – posição Jurídico Constitucional

A Constituição da República (doravante CRP), aprovada pela Assembleia Constituinte em 02 de Abril de 1976, elencou nos artigos 224.º a 226.º as funções do Ministério Público, sublinhando os traços essenciais que ainda hoje o caracterizam. Já então, o Ministério Público na constituição judiciária3 surgia

3 CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital, in “Fundamentos da Constituição”, Coimbra Editora, 1991, pág. 224, referenciado no Parecer C. C da PGR 10/2005.

como um órgão do poder judicial ao qual estavam cometidas as funções de representação do Estado, do exercício da acção penal, da defesa da legalidade democrática e dos demais interesses determinados por lei.

Em 1989, aquando da segunda revisão constitucional é reconhecida uma característica essencial desta magistratura no sistema de Justiça: a autonomia4, dotada de uma vertente externa, face aos demais

órgãos do poder, e de uma vertente interna, respeitante aos seus magistrados, cuja actividade está vinculada e a critérios de legalidade e de objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei5. Por seu turno, a quarta revisão

constitucional, datada de 1997, consagrou as funções cuja actual redação o artigo 219.º da lei fundamental contempla, constatando-se uma evolução de uma definição para uma norma de competência, com a virtualidade de enunciar o tipo complexo de atribuições cometido ao Ministério Público e, nessa medida, os traços da sua identidade. Tanto no plano de actuação como nos fins, a que está pré-ordenado e se dirige, é, portanto, uma identidade intrinsecamente judicial, operando numa relação de necessidade com a realização última das atribuições dos tribunais. Plano em que a indivisibilidade de uma magistratura com corpo único, responsável6, de estrutura hierárquica encimada

pela Procuradoria-geral da República, não dissente a existência de independência individual ao nível da actuação e decisão7 8. Sendo que é na precisa ponderação que vai fazendo o Ministério Público que

deve estar presente a orientação da política criminal, que como Souto de Moura9 evidencia, por ser

política lhe não compete definir, mas por ser criminal lhe compete, à sua medida, executar.

4 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, in Direito Processual Penal, 1974, Coimbra Editora, págs. 362 (MP como órgão autónomo da adminstração da justiça); MESQUITA, Paulo Dá, in Direcção do Inquérito e Garantia Judiciária, 2003, Coimbra Editora, pág. 110 e 319 (sobre a associação do conceito de imparcialidade ao Ministério Público).

5 A Lei n.º 39/78, de 5 de Julho aprovou a Lei Orgânica do Ministério Público, o qual foi definido, no artigo 1.º, como o “órgão do Estado encarregado de, nos termos da presente lei, defender a legalidade democrática, representar o Estado, exercer a acção penal e promover a realização do interesse social". A Lei n.º 60/98 procedeu a uma alteração na designação, passando a chamar-se "Estatuto do Ministério Público". Vide artigo 2.º, n.º 2, do EMP. Essencial neste particular revela-se o dever dos Magistrados do Ministério Público recusarem o cumprimento de directivas, ordens e instruções ilegais, em prevalência do respeito da lei sobre a supra –infra ordenação no plano intra-orgânico, nos termos do artigo 79.º, n.º 5, alínea a), do EMP (que cede face às intervenções previstas na lei processual penal e comandos da responsabilidade da Procuradora Geral da República. É ainda consagrado um direito subjectivo à salvaguarda da consciência jurídica dos Magistrados do Ministério Público relativamente à obrigação de obediência a ordens hierarquicamente legitimadas. Plano em que a indivisibilidade de uma magistratura de corpo único, de estrutura hierárquica encimada pela Procuradoria-geral da República, não dissente a existência de repartições funcionais a somar às territoriais, vide PEREIRA, Rui, in Ministério Público: hierarquia e autonomia”, Ministério Público: Instrumento do Executivo ou órgão do Poder Judicial?, IV Congresso do Ministério Público, Cadernos de Revista do Ministério Público, n.º 6, pág. 73.

6 Trata-se de entendimento consagrado na Lei Fundamental, nos termos do artigo 219.º, no Código Processo Penal, artigo 53.º, n.º 1, e EMP, artigos 1.º e 3.º, e há muito assim perfilhado pela doutrina e jurisprudência. A responsabilidade consiste em responderem, nos termos da lei, pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem” – n.º 2, do artigo 76.º do EMP. “A hierarquia consiste na subordinação dos magistrados aos de grau superior, nos termos da presente lei, e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das directivas, ordens e instruções recebidas, sem prejuízo do disposto nos artigos 79.º e 80.º” – n.º 3 do artigo 76.º do EMP.

7 Vide: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 189/99, DR, II Série, de 17 de Fevereiro de 2000, onde se pode ler: “De facto, o Ministério Público no Processo Penal não é titular de interesses contrapostos aos do arguido. Cumprindo-lhe fazer valer o ius puniendi do Estado há-de agir sempre com imparcialidade e objectividade, colaborando com o tribunal na descoberta da verdade material e na realização do Direito”.

8 MESQUITA, Paulo Dá, “Polícia Judiciária e Ministério Público – Notas para o enquadramento das suas relações e funções no sistema português”, pág. 80.

9 SOUTO DE MOURA, José, “Direito ao Assunto”, ob. cit., pág. 65.

Com respaldo nas influências do direito comparado, o quadro constitucional do Ministério Público português poderá ser sintetizado da seguinte forma: os princípios judiciários, de origem italiana, asseguram o estatuto de magistratura e ainda, a sua autonomia organizacional, institucional e pessoal. Por outro lado, as influências alemãs ditam a separação de funções entre juízes e Ministério Público, em sistema de tipo acusatório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da CRP. Na esteira de António Cluny, o Ministério Público, no exercício da sua função, produz um juízo idêntico ao formulado pelo juiz, motivado pelo mesmo desígnio, por causa da função constitucional deste e coberto por uma certa irrevogabilidade, que tem em vista a protecção do mesmo valor que é atribuído ao caso julgado formal do juiz10. Nesta perspectiva, as três características estruturantes do MP – autonomia, hierarquia e

responsabilidade –, e a sua compatibilização, assumem-se essenciais no cumprimento da vocação do Ministério Público, enquanto entidade que simultaneamente usa a veste de investigador e acusador e de defensor dos direitos fundamentais dos cidadãos.

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