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IV. Hiperligações e referências bibliográficas

1. Ministério Público e acção penal

1.1. O Ministério Público na Constituição da República Portuguesa

A CRP, aprovada pela Assembleia Constituinte em 02 de Abril de 1976, consagrou, no artigo 32.º, n.º 5, a estrutura acusatória1 do processo penal português.

No Capítulo IV, do Título V, respeitante aos Tribunais, dedicou ao MP os artigos 224.º a 226.º. Estes artigos, referentes “às suas funções e estatuto, ao estatuto dos magistrados que o integram e à

Procuradoria-Geral da República, desenharam e afirmaram os traços constitucionais essenciais que

ainda hoje o caracterizam”2.

No que concerne às funções, já se consagrava que ao MP competia representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses determinados por lei. Relativamente ao estatuto, consagrou-se, já na altura, que o MP gozava de estatuto próprio e que os seus agentes eram magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados.

A 2.ª Revisão Constitucional3, que ocorreu em 1989, acrescentou uma característica essencial desta

magistratura: a autonomia relativamente ao poder executivo. De facto, no n.º 2 do artigo 221.º da CRP passou a constar que o MP goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei4.

1 Caracteriza-se pela separação entre a entidade que investiga e acusa e a entidade que julga. 2 C

ARMO, Rui do, “A Autonomia do Ministério Público e o Exercício da Acção Penal”, Revista do CEJ: Dossier Temático

Acusar/Julgar, n.º 1 (2.º Semestre 2004), Lisboa, p. 103. 3 Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho.

4 A 2.ª Revisão Constitucional consagrou ainda, no n.º 2 do artigo 222.º, o Conselho Superior do Ministério Público que inclui membros eleitos pela Assembleia da República e membros de entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público.

Com a 4.ª Revisão Constitucional, operada em 19975 e cuja redacção se mantém até hoje, as “Funções e

estatuto do Ministério Público” foram consagradas no artigo 219.º da CRP, destacando-se que:

“1. Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.

2. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei (…)”.

Sobre a actual redacção constitucional, Rui do Carmo sublinha, citando Cunha Rodrigues, que se

“evoluiu de uma definição para uma norma de competência. Tem agora a virtualidade de enunciar o tipo complexo de atribuições cometido ao Ministério Público e, nessa medida, os traços da sua identidade”6. Atendendo ao objecto deste trabalho, mostra-se pertinente destacar a competência de exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade.

Do transcrito artigo 219.º, n.º s 1 e 2, resulta que esta competência é exercida de harmonia com o princípio da autonomia do MP e “nos termos da lei”, impondo-se, assim, abordar o EMP e o CPP.

1.2. O Estatuto do Ministério Público

Resulta expressamente do artigo 1.º do EMP, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro7, que, além

do mais, o MP exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade.

No artigo 2.º faz-se referência à principal característica do MP: a autonomia relativamente aos demais órgãos do poder central, regional e local, a qual, como vimos, encontra desde logo consagração constitucional8. Esta autonomia caracteriza-se pela “(…) vinculação [do Ministério Público] a critérios de

legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados e agentes dos magistrados do

Ministério Público às Directivas, ordens e instruções previstas nesta lei”9.

Como escreveu Rui do Carmo, “Para além da defesa da legalidade democrática, é quando se analisa o

exercício da acção penal que a importância da autonomia do Ministério Público adquire maior relevo (…) Não basta um juiz independente para que a justiça também o seja; esta não será independente se o

5 Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro. 6 CARMO, Rui do, op. cit., p. 109.

7 Anteriormente, a Lei n.º 39/78, de 5 de Julho aprovou a Lei Orgânica do Ministério Público, o qual foi definido, no artigo 1.º, como o “(…) órgão do Estado encarregado de, nos termos da presente lei, defender a legalidade democrática, representar o Estado, exercer a acção penal e promover a realização do interesse social”. A designação “Lei Orgânica do Ministério Público” manteve-se com a aprovação da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, pois só com a Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto se operou uma mudança na designação da mesma, passando a chamar-se “Estatuto do Ministério Público”.

8 Neste ponto podemos falar em autonomia externa do MP.

9 Trata-se aqui de uma autonomia interna do próprio magistrado do MP.

Ministério Público, o órgão que tem o poder, pelo menos em matéria penal, de pôr em movimento a justiça, não o for (…) Pouco importa a garantia de independência dos juízes se o poder executivo, através

do controlo do Ministério Público, tiver a possibilidade de, na prática, impedir a investigação”10.

No que respeita às competências do MP, elencadas no artigo 3.º do EMP, destacamos as contidas nas alíneas c), h) e n) do n.º 1, ou seja, “Exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade”11,

“Dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades” e “Fiscalizar a actividade processual dos órgãos de polícia criminal”12,13.

Do artigo 3.º, n.º 3, resulta que o MP, no exercício das suas funções, é coadjuvado, além do mais, por funcionários de justiça e por OPC.

Para o exercício da acção penal e direcção da investigação criminal que competem ao MP, mostrou-se relevante a criação, pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, do DCIAP, o qual, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 46.º do EMP, “é um órgão de coordenação e de direcção da investigação e de prevenção

da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade”.

Ao DCIAP compete coordenar a direcção da investigação dos crimes elencados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 47.º do EMP. Contudo, no n.º 3 do mesmo preceito refere-se que ao DCIAP compete dirigir o inquérito e exercer a acção penal relativamente aos crimes elencados no n.º 1, nos casos em que a actividade criminosa ocorre em comarcas pertencentes a diferentes distritos judiciais ou quando, relativamente a crimes de manifesta gravidade, a especial complexidade ou dispersão territorial da actividade criminosa justificarem a direcção concentrada da investigação. Neste último caso, a direcção do inquérito pelo DCIAP é precedida de despacho do Procurador-Geral da República14.

Procedeu-se também à criação de DIAP nas comarcas sede de cada um dos então denominados distritos judiciais (artigo 70.º), consagrando-se ainda a possibilidade de tal criação em comarcas de elevado volume processual (artigo 71.º)15, cuja competência se encontra definida no artigo 73.º. Nos termos do

disposto no artigo 72.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, “Os departamentos de investigação e acção 10 CARMO, Rui do, op. cit., pp. 109-110.

11 Como sublinha Rui do Carmo, “O princípio da legalidade do procedimento criminal tem a sua expressão clara no Código de Processo Penal Português, essencialmente em dois preceitos que modelam o que terá de ser a actividade do MP: o n.º 2 do artigo 262.º e o n.º 1 do artigo 283.º”, in op. cit., p. 115.

12 Conforme salienta Damião da Cunha, “(…) o poder de fiscalização é a tradução, quanto aos órgãos de polícia criminal, daquela tarefa, conatural à função de MP, de vigilância e controlo sobre toda a Administração da Justiça (…) o poder de orientação está limitado a uma determinada fase processual penal, enquanto o poder de fiscalização abrange, para os órgãos de política criminal, todo o processo penal, independentemente do domínio da fase processual”, in “O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal: No novo Código de Processo Penal”, Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1993, p. 152.

13 Antes da alteração efectuada pela Lei n.º 23/92, de 20 de Agosto, ao MP competia também fiscalizar administrativa e disciplinarmente os OPC.

14 É o caso do Despacho n.º 14115/2013, da PGR, publicado no Diário da República n.º 213, 2.ª Série, de 04-11-2013, através do qual se atribuiu competência ao DCIAP para “iniciar, exercer e dirigir a acção penal relativamente a crimes sexuais praticados contra menores com recurso a meios informáticos, ou divulgados através destes, cuja notícia de crime seja adquirida através de comunicações provindas de outros Estados e organizações internacionais (…)”.

15 Cfr. Artigo 152.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto; artigos 67.º, 69.º, 72.º, 76.º, 78.º, 80.º, 83.º, 85.º, 87.º, 89.º, 91.º, 94.º, 98.º e 102.º, do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março e Portaria n.º 162/2014, de 21 de Agosto.

penal podem organizar-se por secções em função da estrutura da criminalidade e constituir-se em unidades de missão ou equipas de investigação, por decisão do procurador-geral distrital”.

Nas palavras da antiga Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, a propósito da criação dos DIAP em 1998, “O êxito, a capacidade, a eficiência e a eficácia com que as instituições cumprem as suas

competências e as finalidades que lhe subjazem estão, em muito, dependentes do modo como se organizam, dos métodos adoptados e dos recursos que lhes são atribuídos (…). A nova organização permitiu ensaiar formas de especialização, aprofundando a capacitação dos magistrados do Ministério Público e potenciou uma maior e melhor articulação com os órgãos de polícia criminal, numa mais rigorosa assunção de uma efectiva direcção da investigação criminal”16.

1.3. O Código de Processo Penal

O CPP foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro17, entrou em vigor no dia 01 de

Janeiro de 1988 e consagrou um processo de estrutura acusatória, integrado por um princípio de investigação, procedendo à delimitação de funções entre o MP, o juiz de instrução criminal e o juiz de julgamento.

No que concerne a este diploma legal, importa ter em consideração, antes de mais, o disposto no artigo 53.º, n.º 1, com a epígrafe “Posição e atribuições do Ministério Público no Processo”, competindo-lhe

“(…) colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade”18, 19.

O n.º 2 do mesmo preceito legal elenca algumas competências do MP no processo penal. Da nossa parte, merece destaque a competência prevista na alínea b), ou seja, “dirigir o inquérito”.

16 Discurso na cerimónia de tomada de posse da Directora do DIAP de Lisboa, em 10 de Fevereiro de 2016, disponível em http://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/discurso_posse_diretora_diap_lisboa_10-2-2016.pdf 17 No preâmbulo deste Decreto-Lei constava o seguinte: “O estatuto dos diferentes sujeitos e intervenientes processuais constitui outro dos domínios onde as alterações são, a par de menos ostensivas, igualmente de tomo (…) A mais precisa definição das competências relativas das diferentes autoridades processuais é, desde logo, ditada por obediência às exigências do princípio do acusatório. Por seu lado, a ampliação dos meios ao seu dispor explica-se pela necessidade de maximizar a eficiência e pelo propósito de salvaguardar o prestígio dos órgãos processuais nas suas relações com a comunidade, em ordem a um mais cabal adimplemento das obrigações de colaboração na realização da justiça penal (…) De recordar que ao Ministério Público é deferida a titularidade e a direcção do inquérito, bem como a competência exclusiva para a promoção processual: daí que lhe seja atribuído, não o estatuto de parte, mas o de uma autêntica magistratura, sujeita ao estrito dever de objectividade”. 18 De acordo com Henriques Gaspar, neste artigo, “Enunciam-se princípios fundamentais da actuação que comandam a intervenção do MP por natureza e por imposição do respectivo estatuto constitucional; a norma não tem um conteúdo de disposição operativa do processo, não acrescenta ou define competências processuais, e seria, no rigor, dispensável no lugar sistemático em que está inserida, embora possa ter a utilidade enfática de reafirmar especificamente na disciplina do processo o enquadramento estatutário e funcional da intervenção do MP”, in “Código de Processo Penal Comentado”, 2.ª Edição Revista, Almedina, 2016, p. 165.

19 Embora neste caso nos debrucemos sobre a fase de inquérito, independentemente da fase processual, a actuação do MP, orientada pelo princípio da legalidade e critérios de estrita objectividade, deve ter como única finalidade a descoberta da verdade material e a realização do direito e da justiça.

Tal competência é concretizada no artigo 263.º, que tem como epígrafe “Direcção do Inquérito”20. Nos termos do n.º 1, repete-se que tal competência cabe ao MP, esclarecendo-se que, no seu exercício, será assistido pelos OPC que actuam sob a sua directa orientação e dependência funcional (artigo 56.º), encontrando-se, por sua vez, as competências destes previstas no artigo 55.º.

O inquérito constitui a fase inicial do processo penal e tem lugar sempre que haja notícia de um crime, ressalvadas as excepções previstas na lei (n.º 2 do artigo 262.º)21. Esta fase “compreende o conjunto de

diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação” (artigo

262.º, n.º 1, do CPP).

Deste modo, se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes22 de se ter verificado

crime e de quem foi o seu agente, o MP promoverá o prosseguimento do processo criminal, deduzindo acusação (artigo 283.º, n.º 1, do CPP). Da mesma forma, determinará o arquivamento do inquérito nos casos em que for “(…) recolhida prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter

praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento” (artigo 277.º, n.º 1, do

CPP), ou “(…) se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de

crime ou de quem foram os agentes” (artigo 277.º, n.º 2, do CPP)23.

Todavia, apesar do inquérito se realizar sob a titularidade e direcção do MP, nos termos do mencionado artigo 263.º, n.º 1, encontra-se prevista, no artigo 270.º, a possibilidade do MP conferir a OPC o encargo de proceder a quaisquer diligências e investigações, embora com as excepções previstas nos n.º s 2 e 3. Constatando-se que a competência de direcção do inquérito pelo MP se encontra definida de forma muito ampla no n.º 1 do artigo 263.º, o mesmo se verificando com a competência processual dos OPC, definida no n.º 1, do artigo 55.º, assumem relevância, como complemento do regime estabelecido no CPP, algumas leis avulsas, destacando-se as leis de política criminal24, a LOIC (Lei n.º 49/2008, de 27 de

Agosto) e as leis orgânicas dos OPC.

20 Sobre a conformidade constitucional da competência do MP para a direcção do inquérito, cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional com os n.ºs 7/87, 23/1990, 517/96, 694/96 e 581/2000, disponíveis em:

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/

21 Enquanto titular da acção penal, ao MP cabe a promoção do processo, o que fará oficiosamente nos crimes públicos (artigo 48.º), mediante apresentação de queixa nos crimes semi-públicos (artigo 49.º) e mediante apresentação de queixa, constituição de assistente e dedução de acusação particular nos crimes particulares (artigo 50.º).

22 Nos termos do n.º 2 do artigo 283.º do CPP, “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

23 De todo o modo, nem sempre a promoção do processo implica dedução de acusação e o arquivamento pode ter lugar em casos em que foram recolhidos indícios suficientes da prática de crime e da sua autoria. Pense-se nas chamadas soluções de consenso: suspensão provisória do processo (artigo 281.º do CPP), processo sumaríssimo (artigos 392.º e seguintes do CPP) e arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 280.º do CPP).

24 Em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, que aprovou a Lei-Quadro da política Criminal. Actualmente encontra-se em vigor a Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto – Lei de Política Criminal – Biénio de 2017/ 2019, tendo sido emitida a Directiva n.º 1/2017, da PGR, com Directivas e instruções genéricas para execução da Lei da Política Criminal para o Biénio 2017/2019 (publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 51, de 13-03-2018).

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