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PARTE IV A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA: MECANISMOS NORMATIVOS PLURAIS E PARTICIPATIVOS DE INTEGRAÇÃO ÉTICA E ECONÔMICA NO

3 ANÁLISE DAS PARTES COMPONENTES DA PRESENTE TESE

3.6 PARTE IV A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA: MECANISMOS NORMATIVOS PLURAIS E PARTICIPATIVOS DE INTEGRAÇÃO ÉTICA E ECONÔMICA NO

CASO CONCRETO

Com a nova legislação hídrica brasileira, estabelece-se uma revolução metodológica na proteção ambiental no Brasil, com a utilização de instrumentos econômicos e com a participação da sociedade, simultaneamente, agrupadas em uma valoração da água de cunho ético (a água como bem público, dotado de valor econômico, com a preferência pelo consumo humano e pela dessedentação de animais, bem como a participação social na definição dos múltiplos usos desta).

A Lei 9.433/97, fruto de longo debate no Congresso Nacional, resgata e concretiza valores constitucionais que representam uma valorização de aspectos ecocêntricos (a água passa a ser vista como um bem com valor íntrinseco – valor ecológico e econômico, deixando de ser res nullius e res derelicta, há a prioridade do uso da água para a dessedentação de animais, simbolicamente colocado ao lado do consumo humano), buscando claramente, uma nova concretização da proteção ao meio ambiente, que busca transcender a mera ética antropocêntrica, caracterizadora da legislação pretérita, que tornava a água propriedade de um único indivíduo, permitindo uso e abuso deste recurso imprescindível para o desenvolvimento sustentado do planeta.

Para Thame (2000, p. 16), secretário de Recursos Hídricos do Estado economicamente mais desenvolvido da Federação Brasileira, há a necessidade de conscientização da sociedade e do Governo da importância da água, verbis:

O sucesso na instituição da cobrança dependerá da consciência ambiental do real valor da água. A conscientização, mobilização e organização das comunidades se constituem nos elementos motivadores para gerar a vontade política, isto é, para que a questão dos recursos hídricos deixe de ser um assunto apenas técnico e de ambientalistas esclarecidos, ganhe o “status” de reivindicação popular prioritária e consiga sensibilizar governantes, a ponto de incluir a matéria em suas agendas políticas. Por isso, espera-se que também no Brasil ocorra a crescente tomada de consciência que se constata em âmbito mundial, e que vem permitindo e impondo um novo enfoque econômico, jurídico, político e administrativo para a questão, numa abordagem que privilegia o planejamento em termos mais amplos: consolida-se o consenso de que é necessário um gerenciamento multinacional, nacional e regional sobre a água e sobre os ecossistemas que reciclam e garantem a qualidade e a quantidade dos estoques de água do planeta.

Um desses elementos, favorável à proteção ambiental no âmbito dos recursos hídricos, é a noção de cidadão planetário, trazido pela noção do contrato natural referido por Serrés14 (1994), existente entre todos os seres humanos e o Planeta Terra, que na verdade

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pode ser denominado Planeta Água, em face da presença do oceano em três quartos do planeta.

A diminuição da intervenção estatal direta (por meio de instrumentos de comando e controle), característica neoliberal do Estado, almeja novos modelos de regulamentação, buscando a realização do bem-comum, tal qual a participação popular e a utilização de

instrumentos econômicos vinculados a modelos bem-sucedidos em outros países, que no

mundo globalizado, tornam-se vizinhos cada vez mais próximos nas conquistas e nas derrotas ambientais.15

Assim, surgem indagações a serem respondidas nesta parte final da tese, com o suporte das construções teóricas desenvolvidas nas partes anteriores, a saber: Como o Estado Brasileiro está buscando, em um mundo globalizado, resguardar os valores éticos e econômicos inseridos no bem público água? A nova lei de recursos hídricos pode ser vista como um paradigma de síntese normativa dos valores éticos e econômicos analisados, nas partes pretéritas deste trabalho? Como o subsistema normativo valoriza o subsistema Político, por meio da participação da sociedade (Comitês de Bacia – “Parlamentos da Bacia”), buscando influenciar, de forma efetiva, o subsistema Econômico a resguardar o subsistema Ecológico e o subsistema Social da água?

A água sempre foi um símbolo de vida e de integração da relação Homem–Natureza. Possui, pois, uma essência simbólica da visão cosmogênica holística biocêntrica de Gaia,16 assim como a de um bem com múltiplas utilizações, as quais ensejam uma ética de

solidariedade comunicativa17 para a resolução dos conflitos de interesses de seu uso.

O solvente universal ainda possui um valor econômico, tendo sido, no período clássico da Economia, inclusive, menosprezado pela sua suposta abundância, em comparação feita por Adam Smith e David Ricardo da água com o diamante e da água com o ar, respectivamente, nas obras “Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações” e “Princípios de Economia Política e Tributação” (Smith, 1999, p. 119-120; Ricardo, 1982, p. 117).18

Os recursos hídricos constituem-se, por outro lado, elementos primordiais para o

desenvolvimento sustentável, mecanismo basilar de superação e síntese dos aspectos éticos e

econômicos do meio ambiente.19

e a possessão pela escuta admirativa, a reciprocidade, a contemplação e o respeito, em que o conhecimento não suporia já a propriedade, nem a acção o domínio, nem estes os seus resultados ou condições estercorárias. Um contrato de armísticio na guerra objectiva, um contrato de simbiose: o simbiota admite o direito do hospedeiro, enquanto o parasita – o nosso actual estatuto – condena à morte aquele que pilha e o habita sem ter consciência de que, a prazo, se condena a si mesmo ao desaparecimento” (SERRES, 1994, p. 65-66).

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“O efeito de aceleração advindo das técnicas avançadas de comunicação e de transporte possui uma importância totalmente diferente para a modificação a longo prazo do horizonte cotidiano de experiências. Já os viajantes que utilizaram em torno de 1830 os primeiros trens relataram as novas formas de percepçâo do espaço e do tempo. No século XX o transporte automobilístico e o aéreo civil novamente aceleraram o transporte das pessoas e dos bens e fizeram com que as distâncias continuassem a se encolher também do ponto de vista subjetivo. A consciência do espaço e do tempo é afetada de um outro modo pelas novas técnicas de transmissão, armazenamento e elaboração de informações” (HABERMAS, 2001, p. 57).

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Cf. Parte I – DIMENSÃO ÉTICA DO MEIO AMBIENTE.

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Cf. Parte I – DIMENSÃO ÉTICA DO MEIO AMBIENTE.

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Assim, também, lembra Villiers (2002, p. 47) “Nos círculos ecológicos e hidrológicos já virou clichê que a água é a um só tempo nosso bem mais precioso e abundante. Muitos anos atrás, Adam Smith salientou que a água, que é vital para a vida, não custa nada, enquanto os diamantes, totalmente inúteis à vida, custam uma fortuna”.

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Cf. Parte III – “O PAPEL NORMATIVO DO ESTADO REGULADOR DE SUPERAÇÃO E SÍNTESE DOS ASPECTOS ÉTICOS E ECONÔMICOS DO MEIO AMBIENTE”.

No âmbito econômico contemporâneo, até pouco tempo, a água era protegida, predominantemente, como fator de produção utilizado no input do processo produtivo e nos

outputs indesejáveis do processo de fabricação.

Entretanto, a água sempre foi, é e será um fator de produção para o desenvolvimento econômico, social e ecológico.

Assim, no primeiro Capítulo desta parte do trabalho (“A água como recurso natural fundamental ontem, hoje e amanhã”), analisa-se a importância da água para os pré-socráticos, a água como símbolo cultural da integração do homem com a Natureza, bem como a visão atual de que a água é um recurso limitado, para, por fim, sugerir que a água, pela sua relevância ecológica e econômica, poderá ser o “diamante” azul do século XXI.

A análise da água, nesta parte, almeja destacar seu relevante valor para o Homem, a Natureza, a Economia, a Ecologia, a Sociedade e a complexa relação sistêmica que os une.

No segundo Capítulo (“A contribuição internacional na gestão dos recursos hídricos e a construção de um direito fundamental à água”), comparam-se as diferentes abordagens internacionais à gestão da água, para demonstrar a existência de denominadores comuns – esferas privadas e públicas da água. Também, visa-se mostrar, por meio das declarações internacionais, a emergência de um direito fundamental de acesso à água.

Nesta análise tópica do direito comparado, destacam-se três modelos, com influência no paradigma brasileiro incorporado na Lei 9.433/97, a saber: o modelo francês (o de maior influência, responsável pela adoção da bacia hidrográfica como elemento básico da gestão de águas), o modelo alemão (que se assemelha à problemática federativa brasileira) e o modelo americano (que enfatiza os mecanismos de mercado e a esfera privada da água, tornando a água uma mercadoria sujeita às leis de mercado).

Aprecia-se, de forma crítica, as vantagens e desvantagens de cada um destes modelos, por meio de uma visão histórica, hidrológica e jurídica.

No terceiro Capítulo (“A política nacional de recursos hídricos (lei federal n. 9.433/97e a cobrança pela utilização da água no Brasil”), procura-se caracterizar os institutos jurídicos previstos nesta legislação inovadora e suas dificuldades de implementação fáticas, com base na análise e interpretação do domínio normativo20 dos dispositivos previstos na legislação referida sob a perspectiva de uma interpretação sistemática que não esqueça dos princípios constitucionais e dos valores a eles subjacentes.

No quarto Capítulo (“A cobrança pela utilização da água na política nacional brasileira de recursos hídricos”), busca-se analisar os institutos jurídicos positivados fundamentais ao trabalho: a natureza jurídica da água, a natureza jurídica da outorga de uso e a natureza jurídica da cobrança.

No quinto Capítulo (“Desafios jurídicos institucionais da gestão integrada e participativa por Bacia em um País Federado”), verificam-se os contornos jurídicos do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGERH) com destaque para as dificuldades de integração das diferentes esferas federativas na necessária gestão ambiental e hídrica por bacia, para a análise pontual de questões jurídicas controversas como a

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“As normas consagradoras de direitos fundamentais protegem determinados <<bens>> ou <<domínios existenciais>> (exemplo: a vida, o domicílio, a religião, a criação artística)> Estes <<âmbitos>> ou <<domínios>> protegidos pelas normas garantidoras de direitos fundamentais são designados de várias formas: <<âmbito de proteção>> (<<Schutzbereich>>), <<domínio normativo>> (<<Normbereich>>) [...] preferimos falar aqui em <<domínio normativo>>, para recortar, precisamente, aquelas <<realidades da vida>> que as normas consagradoras de direitos captam como <<objecto de protecção>>”. (CANOTILHO,

competência dos Municípios e das Regiões Metropolitanas e para a análise concreta dos desafios do Comitê da Bacia do Rio São Francisco.

No sexto e último Capítulo (“Mecanismos normativos de resolução da lide pela água”), destaca-se a multivaloração ética e econômica da legislação, buscando traçar diretrizes para aplicação e resolução dos conflitos existentes entre “proteger o consumo humano e a dessedentação de animais (valores éticos)” com os “outros usos” da água, diretamente vinculados ao desenvolvimento econômico e eivados de preocupações fundamentalmente antropocêntricas, por meio da aplicação de uma ética discursiva, fundada na participação, na subsidiariedade da ação estatal e no respeito às particularidades concretas de uma determinada Bacia Hidrográfica.

PARTE I

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O ser humano e a natureza na História. Meio ambiente sadio: interesse exclusivo do homem. Ética aristotélica e macroética ambiental. Espécies de macroéticas quanto aos atores do consenso: noções básicas da ética antropocêntrica e ecocêntrica. Ética antropocêntrica na visão do cartesianismo e do evolucionismo. Fundamentações teóricas de uma ética ecocêntrica e a personalidade jurídica.

“O homem é a medida de todas as coisas.”

Protágoras

“A natureza trabalha no método de um por todos e todos por um.”

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