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OS RECURSOS NATURAIS COMO VALORES POSITIVOS COM DIFERENTES HIERARQUIAS PARA A ECONOMIA E PARA A ECOLOGIA

1 O VALOR DO MEIO AMBIENTE NA ECOLOGIA E NA ECONOMIA

1.3 OS RECURSOS NATURAIS COMO VALORES POSITIVOS COM DIFERENTES HIERARQUIAS PARA A ECONOMIA E PARA A ECOLOGIA

1.3.1 Os recursos naturais como valor

Para Hessen (1967, p. 46), constitui característica basilar do valor a sua estrutura polar e a sua variabilidade, verbis:

[...] O moralista procura determinar o valor <<bem moral >> e extrair daí normas para a acção prática. Tais normas serão o metro para medir, neste ponto de vista, os actos humanos. Aquilo que lhe interessa é precisamente poder demonstrar que tal valor é positivo, tal outro negativo; e, se for positivo, fixar a sua altura numa escala axiológica com relação a todos os outros, marcando-lhes a sua hierarquia. Este é o ponto de vista decisivo destas ciências que aspiram a elucidar sobre o valor dos seus objectos. Traduzem-se em juízos de valor e por isso se chamam ciências de valores (Wertwissenshafen), em oposição às ciências de seres (Seinswissenschafen).

No mesmo escopo, Ruyer (1969, p. 97-98) relaciona a classificação dos valores com os diferentes ramos do conhecimento. Assim, os ramos do conhecimento constituem-se,

basicamente, em métodos de busca de valor (critérios para estabelecimento de juízos de valor):

[...] La inmensa experiencia para el conjunto de los valores, es el conjunto mismo de las obras e instituciones humanas históricas, y su agrupamiento natural y espontáneo. Al lado de las ciencias y de las instituciones estéticas, de las costumbres, de la filantropía, de los ideales de moralidad, hay aún muchos otros dominios del valor: la religión, el derecho, la economia [...]

Assim, as ciências ecológicas e econômicas valoram os recursos naturais em uma

escala de valores distintos, não obstante os tenham como valores positivos.

Para Reale, M., (1998, p. 191), as principais características dos valores são: bipolaridade, preferibilidade e referibilidade, dentre outras.

Assim, o mestre das Arcadas e autor da teoria tridimensional do direito afirma: Além da bipolaridade, o valor implica sempre uma tomada de posição do homem e, por conseguinte, a existência de um sentido, de uma referibilidade. Tudo aquilo que vale, vale para algo ou vale no sentido de algo e para alguém. Costumamos dizer – e encontramos essa expressão também empregada por Wolfgang Köhler embora em acepção um pouco diversa – que os valores são entidades vetoriais, porque apontam sempre para um sentido, possuem direção para um determinado ponto reconhecível como fim. Exatamente porque os valores possuem sentido é que são determinantes da conduta. A nossa vida não é espiritualmente senão uma vivência perene de valores. Viver é tomar posição perante valores e integrá-los em nosso “mundo”, aperfeiçoando nossa personalidade na medida em que damos valor às coisas, aos outros homens e a nós mesmos (REALE, M.,1998, p. 190-191).

Dessa maneira, as ciências humanas, de acordo com seu escopo, que molda seu referencial valorativo, ponderam determinados objetos com maior ou menor preferibilidade. No entanto, há a possibilidade de um denominador comum entre elas na visão do que seja “valor” e “desvalor”.

Ecologia e economia, tão próximas em suas origens lingüísticas, têm estado distantes em demasia, tanto na sua dimensão acadêmica, quanto nas estruturas administrativas estatais responsáveis pela implementação de políticas públicas, com notórias conseqüências.

1.3.2 Os recursos naturais como valor para a economia

A economia, segundo Fauchex; Nöel (1997), apresenta uma dimensão física que é necessariamente uma transformação da natureza.

Assim, afirma que: “a actividade econômica extrai desta natureza os materiais que utiliza, tal como torna a lançar sobre esta os desperdícios que produz” (FAUCHEX; NÖEL, 1997, p. 15).

Engels (1974, t. 3, p. 52), na Introdução à Dialética da Natureza, afirma que as “forças da natureza” foram postas a serviço do homem e conseqüentemente houve um enorme incremento da produção de bens por meio da industrialização.

Pillet (1993, p. 14) afirma que o homo economicus pode ser um consumidor ou um produtor individual, entretanto ambos atuam de forma “racional” em busca do máximo de utilidade. O agente consumidor procura o máximo de utilidade que obtém dos bens comprados com os meios escassos do mercado. O produtor procura o máximo de lucro, que se obtém da venda dos bens que produziu por meio de recursos escassos.

Quando compradores e vendedores concordam sobre um preço e uma quantidade, esse preço e essa quantidade definem um equilíbrio de mercado. Nas palavras de Pillet (1993, p. 14): “Cada um satisfaz as suas necessidades em compras e em vendas neste mercado; há um equilíbrio da oferta e da procura, e óptimo de produção e de consumo para a sociedade”.

Do ponto de vista econômico, um recurso natural corresponde a uma matéria-prima utilizável como fator de produção no fornecimento de bens e serviços.

Fauchex; Nöel (1997, p. 16) acrescentam que:

Enquanto as consequências da actividade humana, e em particular da actividade económica, não eram susceptíveis de pôr em causa as regulações que governam a reprodução da biosfera, pôde considerar-se a economia e a natureza como dois universos distintos, possuindo cada um a sua lógica e as suas condições de reprodução. Os economistas podiam interessar-se pelas regras que governam a optimização económica e pelas condições da reprodução económica, ignorando sempre o modo como a natureza assegurava espontaneamente a sua reprodução.

Hoje, no entanto, a escassez dos recursos naturais, conforme veremos, ocasiona a preocupação econômica com estes, aumentando a sua pontuação na escala valorativa econômica.

1.3.2.2 O valor e o preço dos recursos naturais

A tomada de consciência da amplitude das relações mútuas entre a economia, os recursos naturais e o meio ambiente, quer dizer, a constituição destas relações como problemas, foi concomitante com o aparecimento do risco de esgotamento dos recursos naturais e com o agravamento dos danos sofridos pelos ecossistemas.167

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Com a escassez e com a finitude do bem ambiental, o mercado (consumidores e fornecedores) passou a valorizá-lo. <buscar autores com esta assertiva>.

Com a escassez dos recursos naturais, a economia encontra-se confrontada com os seguintes problemas, segundo Fauchex; Nöel (1997, p. 18-19):

· a multidimensionalidade. Os problemas deixam de ser isoláveis uns dos outros e comportam todos várias dimensões. Exemplificando, um recurso poluído pode já não estar disponível para o uso que dele se espera. Há interacções entre a esfera econômica, a esfera natural e a esfera sociocultural;

· a irreversibilidade. A extinção de espécies (diminuição da biodiversidade) e a mudança climática não passível de retorno ao seu

status quo;

· a presença de problemas de eqüidade, tanto intrageracionais como intergeracionais. As escolhas feitas em matéria de recursos naturais e de meio ambiente inserem-se necessariamente no tempo e no espaço. Estas escolhas põem igualmente em jogo o bem-estar, tanto dos indivíduos que actualmente existem, como o das gerações futuras. Para a presente geração, a questão da repartição deste bem-estar e dos efeitos ligados à exploração dos recursos naturais e aos problemas de poluição do meio ambiente está posta: basta pensar na importância das desigualdades entre países do Norte e do Sul, por exemplo. Para as gerações futuras, um recurso esgotável explorado actualmente deixará de estar futuramente disponível;

· a incerteza. Incerteza quanto às reservas de recursos esgotáveis, quanto às possibilidades que os progressos técnicos futuros reservam, quanto às conseqüências exactas das poluições globais. A combinação da irreversibilidade e da incerteza leva, por outro lado, a definir critérios gerais de escolha, tal como o princípio da precaução.

Por serem os recursos naturais, atualmente, um valor relevante para a economia, indaga-se qual o conceito de valor para a Economia e a sua relação com a filosofia de Hessen. O valor do meio ambiente para a Economia restringe-se meramente a ser input do processo econômico?

Deve-se, inicialmente, destacar que a palavra valor para a economia possui um campo semântico distinto da conceituação filosófica até agora analisada.

Para Smith (1999, v. 1, p. 117), o termo valor tem dois significados:

Deve observar-se que a palavra VALOR tem dois significados diferentes; uma vez exprime a utilidade de um determinado objecto; outras, o poder de compra de outros objectos que a posse desse representa. O primeiro pode designar-se por <<valor de uso>>; o segundo por <<valor de troca>>. As coisas que têm o maior valor de uso têm, em geral, pouco ou nenhum valor de troca; e, pelo contrário, as que têm o maior valor de troca têm, geralmente, pouco ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil do que a água: mas como ela

praticamente nada pode comprar-se; praticamente nada pode obter-se em troca dela. Pelo contrário, um diamante não tem praticamente qualquer valor de uso; no entanto, pode obter-se

A primeira concepção de Adam Smith (valor de uso) aproxima-se da conceituação de valor de Hessen (1967, p. 47) “a qualidade de uma coisa, que só pode pertencer-lhe em função de um sujeito dotado de uma certa consciência capaz de a registrar”.

Destaca-se a utilidade de um determinado objeto como a essência da valoração, o que se constitui em uma das formas de caracterização de valor, embora não seja a única.

A segunda concepção de Adam Smith (valor de troca) possui, no entanto, conceito semântico bem distinto da ontologia axiológica de Hessen. O valor de troca vincula-se a noção econômica de mercado, o que faz com que o próprio fundador da Economia Liberal afirme que há discrepâncias marcantes entre o valor de uso e o valor de troca (BOARDMAN JR., 1966, p. 45).

Para o valor de troca, associa-se um mecanismo utilitarista: o mercado.

Smith (1999, cap. 5, p. 119-120) dá relevo ao valor de troca e à sua caracterização. Assim, ao tratar do preço real (preço em trabalho) e do preço nominal dos bens (preço em dinheiro), destaca que o trabalho é a verdadeira medida do valor de troca, verbis:

O verdadeiro preço de todas as coisas, aquilo que elas, na realidade, custam ao homem que deseja adquiri-las é o esforço e a fadiga em que é necessário incorrer para as obter. Aquilo que uma coisa realmente vale para o homem que a adquiriu e que deseja desfazer-se dela ou trocá-la por outra coisa, é o esforço e a fadiga que ela lhe pode poupar, impondo-os a outras pessoas.

Embora seja o trabalho o verdadeiro valor de troca (preço real do bem), o preço nominal, normalmente, não é calculado em trabalho, porque o trabalho é difícil de medir e porque é mais freqüente trocarem-se uns bens por outros bens, especialmente por dinheiro, que é, por isso, o termo de referência mais usado para se calcular o valor (SMITH, 1999, p. 121-122).

Outro economista clássico, Ricardo (1982, p. 117), também ressalta a discrepância entre o valor de uso e o valor de troca, afirmando que a utilidade não é medida do valor de troca, ainda que lhe seja absolutamente essencial:

A água e o ar são extremamente úteis; são, de fato, indispensáveis à existência, embora em circunstâncias normais, nada se possa obter em troca deles. O ouro, ao contrário, embora de pouca utilidade em comparação com o ar ou a água, poderá ser trocado por uma grande quantidade de outros bens.

Já Marshall, tratando da utilidade marginal, indaga por que as pessoas procuram mercadorias, e aproxima as noções de valor de troca com o valor de uso, ao destacar que o consumo busca algum tipo de prazer ou satisfação (BOARDMAN JR., 1966, p. 77).

A teoria da utilidade marginal procura explicar esse paradoxo em termos do valor subjetivo que tem para uma pessoa as sucessivas adições de mercadorias já possuídas por alguém (BOARDMAN JR., 1966, p. 77).

Oliveira (1998, p. 81-107), de forma didática, esclarece o significado da teoria da utilidade marginal:

Imaginemos agora que o prazer ou a satisfação percebidos por um consumidor pelo consumo de uma mercadoria possa ser medido, e chamemos essa medida de utilidade dessa mercadoria para esse consumidor. Mesmo que não saibamos nada acerca da medida exata

da utilidade, podemos, empregando um pouco de bom senso, predizer que ela deve ter um comportamento característico.

[...] suponhamos que a mercadoria em questão seja chocolate em barra. Se passarmos a dar uma barra de chocolate por semana a uma criança que até então não consumia nada de chocolate, essa barra de chocolate provavelmente trará uma satisfação muito grande a essa criança, gerando assim uma utilidade relativamente alta. Se, depois disso, passarmos a dar uma segunda barra semanal de chocolate, essa barra será bem recebida pela criança, mas provavelmente não com o mesmo entusiasmo com que foi recebida a primeira barra [...] Se formos aumentando o número de barras de chocolate, chegaremos a um ponto em que uma barra adicional de chocolate representará para a nossa criança um benefício tão pequeno que para ela será quase indiferente receber ou não essa barra adicional. Isso porque o chocolate sendo consumido praticamente até a saciedade, deixou de ser para ela um produto escasso.

A abundância da água em relação ao diamante, por esta teoria da utilidade marginal, justifica a discrepância entre o valor de uso e o valor de troca.

Conforme assinala Boardman Jr. (1966, p. 79), ao analisar Alfred Marshall e a teoria marginalista, com base nesse raciocínio imaginou-se ter sido descoberta a razão do conflito entre valor de uso e valor de troca.

Marshall, A., (1996, p. 185-195), igualmente, pondera que uma pessoa prudente se esforça para distribuir os seus recursos para uso presente e futuro, estando disposta a renunciar a um prazer atual por um igual prazer no futuro.

O valor seria mensurado a partir do conceito de utilidade em um determinado momento sem perder a perspectiva de momentos posteriores, onde uma unidade monetária para um necessitado teria mais utilidade do que uma unidade monetária para um abastado,

verbis:

[...] é preciso notar, porém, que os preços da procura de cada mercadoria, sobre os quais avaliamos a utilidade total e o excedente do consumidor, pressupõem que as outras condições permanecem inalteradas, enquanto o preço sobe até o valor da escassez (Marshall, A., 1996, p. 195).

Destacando o valor-utilidade das compras realizadas por um indivíduo no contexto da teoria marginalista, Pillet (1993, p. 16) afirma:

Um sujeito económico dispõe de um rendimento ou orçamento. Deseja não um bem definido e completo, mas uma dose deste bem (não tem intenção, por exemplo, de adquirir o bem <<transporte>> de uma vez por todas, mas somente uma <<dose>> deste bem, quer dizer, um automóvel ou um bilhete de avião).

Assim, essa evolução das correntes econômicas, sob a perspectiva da discrepância entre valor do ponto de vista filosófico (valor de uso) e o valor dado pelo mercado (valor de troca, preço nominal), destaca que, no âmbito estritamente econômico, a natureza só terá valor se o mercado lhe atribuir valor.

Nesse aspecto, Fauchex; Nöel (1997, p. 44) afirmam:

O mercado surge então, não só como mecanismo de regulação económica, mas também como o mecanismo de regulação social e, de

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