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3 ÉTICA ARISTOTÉLICA E A MACROÉTICA AMBIENTAL

3.1 UM EXEMPLO CLÁSSICO DE PENSAMENTO ÉTICO: O DIÁLOGO DE CRITÃO

Nas primeiras linhas de Ética a Nicômaco, Aristóteles (1992, p. 17-18) introduz com destaque, na definição da ética e de seus fins, as noções de ciência política, de bem, de belo, de justo, assim como a de humano.

Um exemplo prático de pensamento ético, envolvendo os elementos acima mencionados (ética, seus fins, ciência política, bem, belo, justo e humano), pode ser buscado nos Diálogos de Platão, mais especificamente no diálogo de Critão. Nesse diálogo, Platão descreve a situação de seu mestre Sócrates, filósofo grego, julgado e executado pela, então, Cidade-Estado de Atenas, sob a acusação de renegar os deuses e de corromper a juventude.

A riqueza do diálogo ocorrido na prisão de Atenas entre Sócrates (abreviado no diálogo como “SÓC.”) e Critão (abreviado no diálogo como “CR.”), constituem excelente material de análise para a conceituação da ética. Assim, transcrevemos, de forma simplificada, trecho deste esclarecedor diálogo abaixo, verbis:

SÓC. – [...] Mas, afinal, para que vieste tão cedo?

CR. - Para trazer, uma noticia, Sócrates, dolorosa e desoladora - não assim para ti, pelo que vejo - mas dolorosa e desoladora para mim e para todos os teus amigos; acho que a poderia contar como uma das que mais o sejam.

SÓC. - Que vem a ser?- Chegou de Delos o navio a cuja chegada devo morrer?

CR. - Bem, chegar não chegou, mas calculo que deve aportar hoje, pelo que noticiam pessoas vindas de Súnio e que lá o deixaram. As novas dão a entender que vai aportar hoje, e será fatalmente amanhã, Sócrates, que terás de cessar de viver.

SÓC. - Pois bem, Critão, à boa ventura! Se assim apraz aos deuses, assim seja. Todavia, acho que não vai aportar hoje.

CR. - Em que te baseias?

SOC. - Vou dizê-lo. Devo morrer, penso, no dia seguinte ao da chegada do navio.

CR. - Ao menos, assim dizem as autoridades competentes.

SÓC. - Por isso, acho que não vai aportar no dia de hoje, mas no de amanhã. Baseio-me num sonho que acabo de ter esta noite. Talvez mesmo tenha sido oportuno não me haveres despertado.

CR. - Como foi o sonho?

SÓC. - Parecia-me que vinha uma mulher formosa, de lindas

feições, vestida de branco, me chamava e dizia: "Sócrates, depois de

amanhã poderás ter chegado às férteis campinas da Fitia". CR. - Sonho esquisito, Sócrates!

SÓC. - De sentido claro, ao que penso, Critão.

CR. - Por demais, penso eu. Contudo, meu pobre Sócrates, ainda uma vez, dá-me ouvidos e põe-te a salvo; porque, para mim, se vieres a morrer, a desdita não será uma só: à parte a perda de um amigo como não acharei nenhum igual, acresce que muita gente, que não nos

conhece bem, a mim e a ti, pensará que eu, podendo salvar-te, se me dispusesse a gastar dinheiro, não me importei. Ora, existe reputação

mais vergonhosa que a de fazer mais caso do dinheiro que dos amigos? O povo não vai acreditar que tu é que não quiseste sair

daqui, a despeito de o querermos nós mais que tudo.

SÓC. - Mas para nós, meu caro Critão, é tão importante assim a

opinião do povo? A gente melhor, com quem mais importa que nos

preocupemos, cuidará que as coisas se terão passado tal como se tiverem passado.

CR. - Mas bem vês, Sócrates, que não se pode deixar de fazer caso também da opinião do povo. Os fatos mesmos de agora dizem claro que o povo é capaz de fazer, não os mais pequeninos dos males, mas como que os maiores; basta que entre ele se espalhem calúnias contra alguém.

SÓC., - Oxalá, Critão, fôsse o povo capaz de praticar os maiores

males, para ser capaz também dos maiores benefícios! Seria

esplêndido. Não o é, porém, nem destes nem daqueles. Incapaz de dar o siso, bem como de tirá-lo, ele obra ao sabor do acaso.

CR. - Vá lá que assim seja. Mas dize-me uma coisa, Sócrates: estás procurando evitar, não é? que eu e os outros amigos teus, caso saias daqui, venhamos, a ser molestados pelos sicofantas, sob a acusação de te subtrair daqui, e obrigados a abrir mão de todos os nossos haveres, ou pelo menos de grossas quantias, ou a sofrer, além disso, qualquer outra pena? Se é isso que temes, manda o mêdo às urtigas. É justo

que nós, para salvar-te, corramos esse perigo e outros maiores ainda, se for preciso. Vamos, dá-me ouvidos e não procedas de outra

maneira.

SÓC. - Estou evitando isso tudo, Critão, e muitas outras coisas. CR. - Pois não tenhas esse receio. Não é muito o dinheiro que certas pessoas querem receber para levar-te daqui e salvar-te [...]

SÓC. - Querido Critão! Quão precioso o teu ardor, se alguma retidão

o acompanhasse! Não sendo assim, quanto mais insistente, tanto mais

penoso. Temos, pois, de examinar se devemos proceder como

queres ou não. Quanto a mim, não é de agora, sempre fui dêste feitio: não cedo a nenhuma outra de minhas razões, senão à que minhas reflexões demonstram ser a melhor [...] Portanto, reflete: não achas

acertado dizer que a nem todas as opiniões dos homens se deve

acatamento, mas a umas sim e a outras não [...] (PLATÃO, 1978, p.

120-123).

Assim, colocando-nos na situação de Sócrates e contextualizando o diálogo transcrito, devemos supor que enquanto ele estava na prisão aguardando ser injustamente executado, seus amigos lhe propunham oportunidade de escapar, por que eles achavam que essa era a melhor opção. Deveria Sócrates aproveitar tal “oportunidade”?

Essa é a situação de Sócrates. O diálogo dá-nos a resposta a essa questão de forma fundamentada, utilizando elementos da ciência política (povo capaz de praticar os maiores males, para ser capaz também dos maiores benefícios [...] ele obra ao sabor do acaso), do bem (nem tôdas as opiniões dos homens se deve acatamento), do belo (a morte para Sócrates é uma

mulher formosa, de lindas feições, vestida de branco), do justo (se alguma retidão o acompanhasse) e humano (é tão importante assim a opinião do povo).

· Não devemos deixar a nossa decisão ser afetada pelas emoções, mas examinar os elementos das condutas possíveis à luz da razão;

· Não podemos responder algumas questões, simplesmente, nos apoiando na opinião da maioria das pessoas. Elas podem, todas, estarem erradas. Devemos pensar por nós mesmos, com a nossa “consciência”;

· Nunca devemos fazer o que é moralmente incorreto. A única questão que devemos responder é o que é CERTO e o que é ERRADO. Não devemos nos preocupar com o aspecto pragmático (o que irá acontecer) da nossa decisão, nem com o que as pessoas vão pensar do nosso ato, ou como nós nos sentimos com o que irá acontecer.

Assim, a Ética pode ser vista como teoria de cunho prático. O que ela envolve foi ilustrado pelo diálogo de Sócrates e Critão. O termo provém do radical grego ethos, que significa “costume”. Em termos estritos, numa visão simplificada, a filosofia moral (ou ética) propõe os princípios para alcançar a conduta correta.46

Deve-se destacar, entretanto, como faz Novaes (1992, P. 7-8), que as definições que os antigos e modernos dão à noção de ética e felicidade são radicalmente diferentes, verbis:

[...] Os filósofos gregos sempre subordinaram a ética às idéias de felicidade da vida presente e de soberano bem: ainda que os comentadores tenham mostrado uma infinidade de distinções sutis na moral antiga, é certo que o que está sempre em jogo é o desejo do homem de realizar o soberano bem, isto é, a vida feliz; ou melhor, o objetivo supremo da moral é “encontrar uma definição de soberano bem de tal maneira que o sábio se baste a si mesmo, isto é, que dependa dele mesmos para ser feliz, ou que a felicidade esteja ao alcance de todo homem racional”. Victor Brochard anota que o que todos combatem, em particular Epicuro, é a doutrina da felicidade tal como a entendiam Platão e Aristóteles, que “subordinavam o bem de certa maneira às circunstâncias exteriores ou à Fortuna”. Livrar-se do fatalismo, dominar as paixões, eis os postulados dominantes. “Dizer que o homem é livre, quando é um filósofo grego que fala, equivale a reconhecer que a felicidade está ao alcance de cada um”. Hoje, a felicidade não é pensada mais nos termos da moral antiga, mas em termos de eficácia técnica, de consumo. Mais ainda, ela depende cada vez mais da roda da Fortuna, das forças externas que tudo controlam e dominam, o que por si só demonstra que entre as duas concepções existe muito mais que simples diferença: há uma verdadeira ruptura, uma contradição.

Da mesma maneira que Sócrates, a Ética de Aristóteles está fundamentada na identificação da razão como principal faculdade humana e da virtude (no sentido socrático de excelência e conhecimentos práticos) como bem supremo.

Para Aristóteles, a virtude se encontra a meio caminho entre os extremos do excesso e da deficiência. A coragem, por exemplo, é a “áurea mediana” entre os extremos da

46

“Sua aplicabilidade prática, porém, permanece fiel ao sentido original de hábito, uso, costume, direito” (ADEODATO, 1995, p. 200). “O que designa a ética? Não uma moral, a saber, um conjunto de regras próprias de uma cultura, mas uma ´metamoral`, uma doutrina que se situa além da moral, uma teoria raciocinada sobre o bem e o mal, os valores e os juízos morais. Em suma, a ética deconstrói as regras de conduta, desfaz suas estruturas e desmonta sua edificação, para se esforçar em descer até os fundamentos

imprudência e da covardia; a justiça (como virtude aristotélica) consiste no equilíbrio adequado entre abrir mão dos próprios direitos e abusar dos direitos de outrem.

Para Darbo-Peschanski (1992, p. 35), a ética na visão de Aristóteles:

[...] está subordinada à política, ciência prática arquitetônica que tem por fim (télos) o Bem propriamente humano (tò agathòn anthrõpinon). Se este último depende da política, é porque a humanidade do homem prende-se à sua vinculação a uma comunidade (koinõnía) e a cidade (pólis) constitui o fim de toda comunidade. Segue-se que o ser incapaz de fazer parte de uma koinõnía e, com mais forte razão, de uma cidade, ou o ser que não tem nenhuma necessidade de tal inserção porque se basta a si mesmo, classifica-se seja entre os deuses seja entre os animais. A ética, entretanto, não dá mais que um conhecimento aproximado do belo (tà kalá) e do justo (tà díkaia), o qual a política toma sob sua responsabilidade visando o bem e se afasta da ciência de que depende, em particular porque examina indivíduos imersos em comunidades que não são exclusivamente cívicas, como, por exemplo, o povo (éthnos).

Observa-se, pois, subjacente à ética aristotélica uma preocupação com a vida em coletividade, com o indivíduo no âmbito de uma coletividade.

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