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CONSENSO: NOÇÕES BÁSICAS DA ÉTICA ANTROPOCÊNTRICA E ECOCÊNTRICA

5 ÉTICA ANTROPOCÊNTRICA: NA VISÃO DO CARTESIANISMO E DO EVOLUCIONISMO

5.3 LEITURA ANTROPOCÊNTRICA DA TEORIA DA EVOLUÇÃO DE DARWIN

5.3.3 A origem das espécies e o capitalismo

Além do problema da pobreza, uma questão perturbadora atormentou a Inglaterra durante a maior parte do século dezoito: a questão de saber quantos ingleses existiam no país. No ano de 1798, a obra An Essay on the Principle of Population as It Affects the

Future Improvement of Society (“Ensaio sobre o Princípio da População e como Ele Afeta o

Futuro Desenvolvimento da Sociedade”) fez perecer, num piscar de olhos, todas as românticas esperanças de um progresso humano irremediavelmente crescente e harmonioso. Em poucas páginas, o jovem Malthus puxou o tapete debaixo dos pés dos complascentes pensadores da época e ofereceu-lhes, no lugar do progresso, uma perspectiva triste e desalentadora. O que o ensaio dizia a respeito da população era que havia uma tendência na natureza da população de ultrapassar todos os meios possíveis de subsistência. Ao ascender para um nível cada vez mais elevado, a sociedade era apanhada em uma armadilha sem escapatória, motivada pela urgência reprodutiva humana que iria, inevitavelmente, empurrar a humanidade para a perigosa beirada de um precipício. Em vez de ser dirigido para a Utopia, o rebanho humano seria condenado para sempre a ser agitado pelas constantes batalhas travadas entre bocas famintas que se multiplicavam e o eternamente insuficiente estoque de mantimentos da Natureza, “por mais que o armário dela estivesse abastecido” (HEILBRONER, 1996, p. 76).

Não é de admirar que depois de ter lido Malthus, Darwin tenha compreendido um ponto importante: devia haver uma seleção entre a prole para resolver quais deveriam sobreviver e quais pereceriam. Uma vez que os indivíduos de uma mesma espécie variam entre si, os indivíduos com certas características que lhes trazem vantagens para conseguir alimento ou para escapar dos predadores, por exemplo, terão maior probabilidade de sobrevivência.

Como dizia o filósofo evolucionista do século XIX, Herbert Spencer, a natureza garante a sobrevivência do mais apto (DURANT, 1961).68

Spencer (apud FARBER, 1997, p. 294), como Darwin, acreditava que os sistemas éticos evoluíram em face das relações entre os homens. Desse modo, com visão otimista, profetizava que, no futuro, a esfera privada humana coincidiria com a esfera pública, não havendo mais conflitos, verbis:

O último homem será aquele no qual a vontades privada coincide com a pública. Ele será de tal maneira, que, de forma espontânea em plena sintonia com a sua natureza, normalmente, agirá para a unidade do

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A teoria social que aplica os princípios da evolução biológica à sociedade humana foi formulada na década de 1850 pelo filósofo e sociólogo inglês Spencer. Spencer interpretava o progresso humano como questão de competição bem-sucedida que resulta na sobrevivência do mais forte; os mais fortes e superiores sobrevivem, ao passo que os mais fracos perecem ou são dominados pelos fortes, processo que leva ao aperfeiçoamento contínuo das sociedades (DURANT, 1961, p. 267-268).

corpo social, e na verdade só se sentirá plenamente completo consigo mesmo quando os outros agirem da mesma forma.).

As idéias de Darwin fundamentavam-se, em parte, nos dados que coletou na viagem ao redor do mundo no HMS Beagle, de 1831 a 1836, em especial as observações que fez das variações entre espécies semelhantes existentes nas ilhas Galápagos. Em 1837, já formulara a conclusão, que denominou "descendência com modificação", de que as espécies mudam, ou "evoluem", ao longo do tempo, com o surgimento de novas características que, lentamente, vão modificando as formas ancestrais até que seus descendentes se tornem claramente diferentes. À pergunta “Como surgem as novas características?”. Darwin ofereceu, de início, a explicação de Lamarck de que as características individuais adquiridas podem ser hereditárias, mas logo a desprezou e voltou-se para a teoria de que as novas características surgem aleatoriamente dentro das populações e que essas novidades são o combustível propulsor das forças evolucionistas.69

Para entender a contribuição da teoria da evolução de Darwin para o antropocentrismo e a exploração indiscriminada dos recursos naturais, deve-se compreender que o seu modelo adequava-se, como uma luva, ao Capitalismo, na medida em que foram impostos à natureza os mesmos princípios e processos do sistema sócio-econômico que se queria firmar.

A teoria de Darwin foi apresentada à época da transição da economia agrária para a economia industrial no país precursor da Revolução Industrial – a Inglaterra.

O setor rural não estava preparado para alimentar a população das cidades, de forma que Malthus descreveu essa dificuldade, ressaltando o crescimento aritmético das colheitas e o crescimento geométrico da população.

Assim, a escassez faria parte da natureza, e a luta pela sobrevivência extinguiria os mais fracos. Se assim não fosse, não haveria incentivo natural para que o homem saísse da preguiça e se esforçasse para construir uma civilização. Malthus transformou as necessidades do Capitalismo em expressão matemática, justificando o liberalismo, pois era preciso que o Estado deixasse o processo econômico correr livre para que os fracos desaparecessem e permanecessem somente os fortes, que possibilitariam o desenvolvimento social.

Darwin baseou-se em Malthus para criar a teoria da seleção natural: mutações ao acaso ocorriam nos indivíduos e apenas os mais aptos seriam capazes de vencer a luta contra a escassez, gerando, assim, mais prole e impondo seus genes à espécie. Os sobreviventes seriam aqueles mais eficientes, o que justificava, por meio de leis naturais, o liberalismo.

Assim, a luta egoísta (a falta de “solidariedade” que caracterizará os direitos de segunda e terceira geração, conforme já exposto no presente trabalho) de cada um ajudaria, no

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A teoria do biólogo francês Lamarck (1744-1829) da evolução biológica, está atualmente desacreditada. Tal teoria afirmava que a reação dos organismos às pressões ambientais resulta em alterações morfológicas, e que essas características adquiridas podem ser herdadas. Segundo Lamarck, os seres vivos se adaptam e evoluem, numa luta constante rumo a uma complexidade cada vez maior. Nessa luta, ocorrem modificações anatômicas em organismos isolados em conseqüência do uso intenso (ou desuso) de determinado órgão, membro, ou outra parte do corpo em reação às exigências do meio ambiente – desenvolvimento que Lamarck acreditava ocorrer por vontade própria. Exemplo clássico é a explicação de que o pescoço da girafa se alongou porque ela se esticava cada vez mais para comer as folhas das árvores. De modo oposto, quando uma parte do corpo sofre doença prolongada, ela diminui, o que explicaria os vestígios de asas de aves que não voam como o pingüim. Esses aprimoramentos e essa alterações passam, então, para os filhotes, capacitando-os, por sua vez, a se adaptarem com mais eficiência às exigências do habitat. Lamarck chamou seu princípio das

fim, no crescimento de todos: o progresso, fundamento da nova sociedade industrial, estava cientificamente justificado.

Não haveria mais uma predestinação. Apesar de o indivíduo ter seu comportamento determinado por seus genes, ele dependia, também, do meio para sobreviver e, portanto, de seu trabalho árduo. O progresso seria o resultado da seleção natural. A burguesia, mais uma vez, tinha sustentação teórica para a realização do desiderato de exploração da natureza.

Outro princípio básico da Revolução Industrial, justificado biologicamente por Darwin, foi a divisão do trabalho. Smith (1999) já havia proposto a divisão do trabalho como forma de dar eficiência à economia, influenciando Darwin a encontrar a transposição da teoria econômica para a teoria biológica.70

Portanto, a diferenciação entre as partes - sua variabilidade - era base para o progresso. Estava justificada, com isso, a necessidade de haver ricos e pobres, retirando a culpa dos burgueses pelas condições humilhantes que impunham à maioria, contrariando também qualquer tentativa de assistencialismo que perpetuasse os mais fracos, colocando toda a espécie em risco.

O mercantilismo da época, também, encontrou a sua justificativa.

Os aparentes conflitos não deveriam ser levados a sério, pois submeteriam-se à inexorável harmonia intrínseca proporcionada pelas leis naturais da economia e da biologia. Qualquer tentativa de quebrar esses ritmos seria contrária à natureza, devendo, portanto, ser reprimida. As mutações ocorriam ao acaso, sendo o progresso conseqüência mecânica da evolução. O capitalismo estava, portanto, de acordo com a natureza biológica das coisas.

O mundo estava reduzido à máquina, feita de peças autônomas e regidas por leis naturais. Plantas e animais estavam livres de qualquer barreira ética à sua exploração.

A ética darwiniana corrobora, portanto, a exploração indiscriminada da Natureza, ao favorecer a Revolução Industrial, prevendo como naturais os seus efeitos colaterais, justificando, pois, biologicamente, a ética antropocêntrica.

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Para Smith (v. 1, 1999, p. 79), a divisão de trabalho é a grande causa do aumento da sua capacidade produtiva, nesse sentido significativa a passagem em que o autor liberal refere-se a uma fábrica de alfinetes e a sua divisão de tarefas: “Um homem puxa o arame, outro endireita-o, um terceiro corta-o, um quarto aguça-o, um quinto afia-lhe o topo para receber a cabeça”.

6 FUNDAMENTAÇÕES TEÓRICAS DE UMA ÉTICA ECOCÊNTRICA E A

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