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1 AS DIMENSÕES (GERAÇÕES) DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O FENÔMENO ECONÔMICO

1.1 DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Primeiramente, cumpre esclarecer dúvidas que surgirão em decorrência das diversas terminologias utilizadas na doutrina a respeito do que sejam “direitos humanos”. Entendem-se por direitos humanos os direitos da pessoa humana, enquanto indivíduo e cidadão, que são inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis, com eficácia erga omnes, e que têm origem nos denominados direitos naturais, podendo identificarem-se como direitos transindividuais, i.e., coletivos e difusos. São inerentes à pessoa e devem ser respeitados e implementados pelo Estado.

Assim, os direitos humanos identificam-se com os direitos fundamentais, com os direitos individuais, direitos civis, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos da liberdade e direitos de solidariedade e fraternidade, dependendo do país ou do jusfilósofo que tenha enfrentado o tema94. É certo que há diferenças que podem levar a alguma distinção entre um termo e outro, mas, em sentido amplo, a expressão direitos

humanos pode ser tomada como gênero das diversas "espécies" mencionadas, sem

prejuízo da compreensão do tema.

Os direitos humanos e a respectiva luta vêm registrados na história, com nítida raiz no mundo clássico. Para alguns teóricos, provêm do cristianismo, que valorizou a dignidade da pessoa humana. Para outros, surgiram na Idade Moderna. Neste trabalho, buscar-se-á enfatizar os direitos humanos, em diferentes épocas, correlacionando-os com o fenômeno econômico. Adotar-se-á a Idade Moderna como marco desses direitos fundamentais.95

Há tempo para tudo.96 Cada vez que se olhar a História97, observa-se-á que os

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Cf. TORRES, R., (1995. p. 8-13).

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Sem desmerecer a importância de tal marco, já que, - sem dúvida, o século XVIII e as Revoluções americana e francesa culminaram com as declarações de direito no sentido moderno, indicamos a necessidade de retroceder um pouco mais na história da humanidade para indagar sobre o tratamento dado aos direitos do homem na Grécia antiga, em Roma, no cristianismo e na Idade Média, o que é feito por Andrade (1987, p. 12-30).

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Eclesiastes, 3: 1-7: “ 1) Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. 2) Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; 3) Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar; 4) Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; 5) Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; 6) Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar fora; 7) Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; 8) Tempo de amar, e tempo de aborrecer; tempo de guerra, e tempo de paz.”

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A lógica dialética é um processo em três etapas geralmente denominadas tese, antítese e síntese. Nessa tríade, apresenta-se uma proposição, que é refutada por seu oposto e, por fim, transformada, mediante a interação das duas, em um híbrido novo e superior. Para Hegel (1995, p. 100-110), esse era o processo fundamental das mudanças históricas. Ele identificava "momentos dialéticos", ou etapas, da história, nos quais os conceitos e as instituições existentes geram conflitos internos que acabam por ser superados na criação de um novo

direitos fundamentais possuem forte dimensão temporal.98

Na antigüidade clássica, não se aventou a idéia da existência de direitos do homem. A sociedade grega, além de escravocrata, fundava-se em moral que Andrade (1987, p. 12) identifica como coletiva e alargada.

Segundo Coulanges (1987, p. 211), a noção de cidadão restringia-se à liberdade de participação em assuntos públicos e na vida política, vinculada esta à religião da cidade:

Se quisermos definir o cidadão dos tempos antigos pelo seu atributo mais essencial, devemos dizer ser cidadão todo homem que segue a religião da cidade [...]

A participação no culto trazia consigo a posse dos direitos [...]

O estrangeiro, pelo contrário, não participando na religião, não tinha direito algum.

Ao contrário do noticiado na “Cidade Antiga”, a época contemporânea prima pelo trato dos direitos fundamentais, sem embargo de muitas vezes serem postergados a um segundo plano.

Entretanto, os direitos fundamentais não se apresentam nem todos de uma vez nem de uma vez por todas (BOBBIO, 1992, p. 32; BONAVIDES, 1996, p. 517).

Conforme assinala Sarlet (2001, p. 48), desde que ocorreu a positivação dos direitos humanos nas Constituições, estes passaram por diversas transformações, tanto no que se refere ao conteúdo, quanto no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetivação.

Assim, os direitos fundamentais estão marcados por autêntico devir, não obstante se vinculem a núcleo unificador de proteção da dignidade da pessoa humana.

A classificação dos direitos fundamentais, no âmbito da doutrina nacional, retrata a noção de existência das novas facetas da dignidade da pessoa humana, que preocupa renomados autores, na busca de uma classificação dos direitos fundamentais.

Assim, Magalhães (1992, p. 20-21) classifica os direitos fundamentais em: direitos individuais, sociais, econômicos e políticos.

Com essa classificação, o autor enseja a reflexão sobre faces do multifário campo de incidência dos direitos fundamentais. Encampa, nessa classificação, três gerações de direitos fundamentais: a primeira, com os direitos individuais; a segunda, com os direitos sociais; a terceira, com os direitos econômicos, com especial relevo para a questão ambiental. “Classificamos entre direitos econômicos [...] direito ambiental e direitos do consumidor” (BONAVIDES, 1996, p. 516).

No contexto doutrinário relativo à classificação dos direitos fundamentais, destaca-se a teoria dos quatro status de Jellinek. Essa teoria, para Alexy (1993, p. 261), constitui-se em

"senhor e escravo". Nesse caso, a "tese", a posição de domínio do senhor, é contestada por sua antítese, a condição subordinada do escravo. A relação é de conflito e só pode ser resolvida por uma síntese das duas situações: o reconhecimento da dependência (o escravo depende do senhor para se alimentar e se abrigar, o senhor precisa do escravo para trabalhar).

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“Falar em dimensão temporal da cidadania significa estabelecer laços históricos para o aparecimento e a afirmação dos direitos em que se consubstancia” (TORRES, R., 1999, p. 262-264).

“el ejemplo más grandioso de una teorización analítica en el ámbito de los derechos

fundamentales”.

Ademais, conforme anota Miranda (1991, p 85), a classificação de Jellinek corresponde aproximadamente ao processo histórico de afirmação da pessoa humana e de

seus direitos.

Ressaltando o registro histórico na própria conceituação dos direitos humanos, Perez Luño (1990, p. 48) ensina que os direitos humanos são:

Un conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la liberdad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional.

No mesmo diapasão, Bobbio (1992, p. 5) defende que os direitos fundamentais são direitos históricos, ao afirmar que:

Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

Comparato (1999, p. 35), da mesma maneira, ressalta o aspecto histórico dos direitos humanos, ao lembrar que:

A consciência ética coletiva, como foi várias vezes assinalado aqui, amplia-se e aprofunda-se com o evolver da História. A exigência de condições sociais aptas a propiciar a realização de todas as virtualidades do ser humano é, assim, intensificada no tempo e traduz- se, necessariamente, pela formulação de novos direitos humanos. Segundo Jellinek, pelo fato de ser membro do Estado, o indivíduo trava, ao longo do tempo, com este, pluralidade de relações denominadas “status”, razão pela qual a teoria de Jellinek é, também, chamada “Teoria dos Quatro Status”.

A primeira relação em que se encontra o indivíduo é a de subordinação ao Estado. Esta é a esfera dos deveres individuais e corresponde ao status passivo.

A segunda relação, o status negativus, corresponde à esfera de liberdade na qual os interesses essencialmente individuais encontram sua satisfação. É, pois, esfera de liberdade individual, cujas ações são livres, porque não estão ordenadas ou proibidas, vale dizer: tanto sua omissão como sua realização estão permitidas (ALEXY, 1993, p.251).

A terceira relação resulta do fato de que a atividade estatal é realizada no interesse dos cidadãos, status positivus. E, para o cumprimento de suas tarefas, o Estado tem obrigação de exercer determinadas tarefas. No dizer de Bonavides (1996, p. 518), “dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado [...] Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”.

A quarta e última relação decorre da circunstância de que a atividade estatal só se torna possível por meio da ação dos cidadãos.

Assim, com base na exposição de Jellinek, os direitos fundamentais classificam-se em direitos de defesa, direitos a prestações e direitos de participação, correspondendo, respectivamente, aos status negativo, positivo e ativo.

Sob esse enfoque, mencionam-se a classificação de Jellinek e a classificação das dimensões ou gerações de direitos fundamentais, o que ressalta uma certa congruência no agrupamento dos direitos fundamentais ao longo do processo histórico.99

Outro autor que tratou mais recentemente das dimensões temporais da cidadania e dos direitos fundamentais foi o economista inglês Marshall, T., (1967, p. 75), que defende vinculação histórica racional e linear dos direitos civis do século XVIII (direitos de primeira geração, direitos de liberdade), em um primeiro momento; aos direitos políticos do século XIX, em um segundo momento; aos direitos sociais (direitos de segunda geração) no século XX, em um terceiro momento.

Os direitos fundamentais têm a característica de ir se ampliando à medida que avança o processo histórico. Os direitos fundamentais ganham outros contornos e significados, como assevera Coelho (1992, p. 187):

Assim é que, a cada declaração, novos direitos foram sendo reconhecidos ou proclamados, tal como aconteceu nos demais sistemas jurídicos, o que de resto, nada mais representa do que a progressiva e irreversível ampliação de um núcleo fundamental originário, inicialmente constituído apenas pelos direitos civis e políticos - os chamados direitos de primeira geração - e logo sucessivamente aplicado, rumo a novas e intermináveis gerações de direitos humanos [...]

Far-se-á análise sucinta de cada uma das dimensões (gerações) dos direitos fundamentais, com ênfase nos direitos fundamentais de terceira geração, em especial no direito a um meio ambiente saudável, objeto de estudo neste trabalho.

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