• Nenhum resultado encontrado

Como Deus usa o ministério da sua Palavra para criar e fortalecer o seu corpo

Jeffrey Arthurs

Entre as inúmeras atividades de um pastor, a preparação de um sermão é classificada como aquela que ocupa mais tempo. Levantamentos indicam uma media de dez a quinze horas por semana, e essa média não inclui as horas de preparaçao informal que ocorrem por meio de leitura auxiliar, da observação da cultura e da interação com membros da congregação. Preparar sermões é uma grande parte de nossa vida. Por que nós fazemos isso? Por que somos pagos para

pregar? Por que nossa congregação espera um bom sermão toda semana? Por que gostamos disso?

Essas razões têm algum mérito — o mérito do dever cumprido, pessoas satis- feitas e o prazer do estudo — mas eles não são bons o suficiente. Uma razão melhor, aquela que eu suspeito que anima a maioria de nós, é a convicção de que a pregação é indispensável à vida da igreja. Por meio da pregação, Deus forma a igreja e a faz crescer.

Antes de explicar essa afirmação, tenho uma advertência: estou usando o termo

pregação no sentido completo do conceito bíblico. A Bíblia usa trinta e três palavras

para descrever as riquezas da pregação — anunciar, espalhar as boas novas, testemu- nhar, ensinar, debater, exortar e assim por diante. Minha aplicação do termo inclui o sentido estereotipado de "sermão do púlpito no domingo', mas não é limitado ao

discurso público (a pregação pode ocorrer com uma platéia de uma pessoa), a forma

de monólogo (a pregação pode ocorrer no diálogo, veja At 17.2,3) ou lugar ? tempo (a pregação pode ocorrer em casa, no escritório ou na praça, assim como na igreja). A descrição que a Bíblia dá de pregação é mais bem compreendida como um termo genérico como comunicação bíblica ou falar em nome de Deus. A expressão de John Stott entre dois mundos resume esse ministério.

Por meio da pregação Deus chama a igreja à existência

Renascemos por meio "da palavra de Deus, viva e permanente [...] Essa é a palavra que lhes foi anunciada" (lPe 1.23,25). A fé vem por ouvir a Palavra de Deus, e ouvir requer que alguém pregue (Rm 10.14,15); a pregação é o meio pela qual Deus forma sua igreja. Por meio da pregação, Deus concede fé, arrependi- mento e nova vida.

A descrição que a Bíblia faz da pregação como um poder imenso nasce de uma teologia forte da Palavra de Deus. Por meio de palavras, Deus criou os céus e a terra. Ele falou, e aconteceu. Por meio de palavras, ele amaldiçoa e abençoa. Ele fala, e acontece. Suas palavras não são meramente vibrações da atmosfera causando vibrações agradáveis em nosso ouvido interno; nem são simplesmente traços e pontos, rabiscos e riscos de tinta em um papel. Antes, elas são forças criativas que encarnam e produzem sua vontade. Suas palavras quebram corações de pedra (Jr 23.29), purificam do pecado (Ef 5.26), atravessam a consciência (Hb 4.12), nu- trem bebês (lPe 2.2), produzem frutos (Mc 4.20), iluminam nosso caminho (SI

119.105) e nos mostram quem verdadeiramente somos (Tg 1.22-25). A pregação bíblica libera o poder espiritual dinâmico da Palavra para nos iluminar e persuadir a ficarmos longe dos prazeres do mundo. Por meio da pregação, ele nos torna seu corpo, sua igreja.

O livro de Atos demonstra como Deus forma a igreja por meio da pregação. No dia do Pentecostes, "Pedro levantou-se com os Onze e, em alta voz, dirigiu-se à multidão" e cerca de três mil foram acrescentados à recém-formada igreja em

Jerusalém (2.l4ss.). "Os que haviam sido dispersos pregavam a palavra por onde quer que fossem", e a igreja na Samaria foi formada (8.4ss.). "Os que tinham sido dispersos por causa da perseguição [...] chegaram até a Fenicia, Chipre e Antio- quia, anunciando a mensagem", e a igreja na Síria foi formada (11.19ss.). "Quase toda a cidade se reuniu para ouvir a palavra do Senhor [...] e creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna" (13.44,48). "Segundo o seu costume, Paulo foi à sinagoga e por três sábados discutiu com eles com base nas Escrituras, explicando e provando que o Cristo deveria sofrer e ressuscitar dentre os mortos", e a igreja na Macedônia foi formada (17.2ss.). "Então Paulo levantou-se na reu- nião do Areópago" para proclamar o Deus desconhecido, e a igreja na Grécia foi formada (17.22ss.).

Tenho um amigo que está vendo a igreja se formar no Camboja entre o povo

tampuan. Ele está vendo isso acontecer enquanto a história de Deus é ensinada

sistematicamente com um estudo chamado "Da Criação à Cruz". Meu amigo é um incansável supervisor, administrador, tradutor, professor e conselheiro nessa igreja, de modo que ele está bem consciente de que Deus age por meio da atividade huma- na, mas ele também diz que tem a extraordinária experiência de simplesmente ver a igreja "acontecer" ao redor dele com vida própria. A semente cai em vários solos e brota e, em alguns casos, dá frutos. Para usar uma imagem diferente, por meio da pregação, Deus forma sua noiva, a igreja. Ele também usa a pregação para tornar a noiva bela.

Por meio da pregação Deus faz a igreja crescer

A obra da salvação começa quando a Palavra é pregada, e a obra da salvação

continua à medida que a Palavra é pregada. "Nós o proclamamos, advertindo e

ensinando a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo. Para isso eu me esforço, lutando conforme a sua força" (Cl 1.28,29). O autor dessa declaração, Paulo, aconselhou seu filho na fé, Timóteo, a adotar uma "estratégia de crescimento" similar: "Dedique-se à leitura pública da Escritura, à exortação e ao ensino" (lTm 4.13).

Porque Deus santifica por meio de sua Palavra (Jo 17.17), a pregação que explica e aplica essa Palavra santifica os ouvintes. E por isso que os pastores pre- cisam ser mestres (Ef 4.11,12; lTm 3.2; Tt 1.9). Eles precisam repreender, corri- gir e exortar — com toda a paciência e doutrina (2Tm 4.2) enquanto refutam falsas doutrinas, explicam a doutrina correta e exortam o rebanho a seguir a voz do Pastor.

A igreja primitiva nem sempre agia corretamente, mas eles acertaram esse aspecto. Por exemplo, a Didaquê, um manual da ética da igreja que data do começo do século II, refere-se a um conjunto de ministérios de ensino: bispos, diáconos, mestres itinerantes, apóstolos e profetas. A igreja primitiva entendeu a convicção dos apóstolos de que, por meio da pregação, Deus santifica sua igreja.

A ênfase na pregação continuou no século II, da maneira como é descrita na

Primeira Apologia de Justino Mártir, que descreve o "louvor semanal dos cristãos":

No dia chamado domingo, todos que vivem em cidades ou no interior se reúnem em um lugar, e as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profe- tas são lidos, tanto quanto o tempo permitir; depois, quando o leitor termi- na, o presidente verbalmente instrui e exorta à imitação dessas coisas boas. No final do século II, Tertuliano escreveu na sua Apologia-.

Nós nos reunimos para a leitura dos escritos sagrados. [...] Com as sagra- das palavras, nutrimos a nossa fé, animamos a nossa esperança e fortalece- mos a nossa confiança [...] e confirmamos os bons hábitos. No mesmo lugar, são feitas também exortações, e são ministradas repreensões e sagra- das censuras.

No século IV, Crisóstomo expressou suas convicções sobre a pregação em um sermão a respeito de Efésios 6.13. Ele disse que o corpo de Cristo, assim como o corpo humano, é suscetível à doença. Medicina, dieta, mudança de clima e sono ajudam a restaurar o corpo físico, mas elas podem curar o corpo de Cristo?

Um único meio e uma forma de cura nos foi dada [...] e esse meio é ensinar a Palavra. Esse é o melhor instrumento, essa é a melhor dieta e é o melhor clima; isso serve no lugar da medicina, isso serve no lugar da cauterização e incisão; onde quer que seja necessário cauterizar e amputar, esse método precisa ser usado; e, sem ele, nada servirá.

Pela Palavra de Deus, nascemos de novo, e a igreja é formada. Pela Palavra de Deus, essa igreja cresce para ser como a Cabeça. Por meio da pregação, Deus solta o furacão de sua Palavra.

Implicações

Quatro implicações surgem dessa teologia bíblica da pregação.

Primeiro, a "análise da platéia" é crucial (Que termo frio! Ele pertence à Madison

Avenue, não à igreja, mas você sabe o que quero dizer — precisamos pensar na nossa platéia e chegar a conhecê-la). Se os pregadores devem explicar e aplicar a Palavra, eles precisam saber o quanto os ouvintes entendem a Palavra, concordam com ela e a praticam. Os ouvintes são ímpios endurecidos, céticos sinceros, cristãos nominais, pecadores despertos, apóstatas escarnecedores, novos convertidos extremamente zelo- sos, discípulos maduros ou uns sabe-tudo indisciplinados? Eles estão progredindo na fé, duvidando da realidade do mundo sobrenatural ou procurando respostas? Quer por meios formais, quer informais, os pregadores precisam entrar na mente e no coração dos ouvintes. Quando fazemos isso, descobrimos que expressamos tantas idéias com tão pouca aplicação prática. Acredito que foi Spurgeon quem disse: "Jesus nos disse para pastorearmos as suas ovelhas, não suas girafas".

Quando era pastor há alguns anos, eu analisei a minha congregação com um questionário escrito. Eu perguntei a eles que instruções precisavam pessoalmente Eu esperava algumas das respostas, mas algumas me surpreenderam: como dis- cernir a direção do Espírito Santo, como ser um discípulo completamente devoto como perseverar na fé nas provações e uma fome por entendimento básico do Antigo Testamento. Essas respostas me ajudaram a entender que pastagens abrir.

Mesmo que você não faça análise formal, "a compreensão pela empatia" (a expressão de Fred Craddock em Preaching [Pregando], p. 97) ajudará você a ali- mentar as ovelhas. Pegue uma folha de papel em branco e escreva no topo: "Como e ser...". Embaixo, escreva uma faceta da experiência humana: como é encarar uma cirurgia, morar sozinho, ficar rico de repente, ser rejeitado por um grêmio estu- dantil, ir para o exército, ficar incapacitado a ler ou estar com quarenta anos de idade? A partir desse exercício, você verá formas para aplicar e ilustrar a Palavra.

Uma segunda implicação nasce da primeira: a melhor pregação éfeita por pas- tores. Essas pessoas são as mais bem equipadas para fazer "análise de platéia". Pre-

gadores itinerantes — acho que sou um deles, já que meu ministério primário é ensinar em um seminário — podem e precisam fazer análise de platéia, mas nada pode substituir viver, trabalhar, brincar, sofrer com a "platéia". Como Ian Pitt- Watson diz: "A pregação divorciada do interesse pastoral é cega. Ela não sabe nem a respeito do que está falando e nem para quem está falando". {Preaching. A Kind

ofFolly [Pregação: um tipo de loucura], p. 58). Presbíteros são guardiões das almas,

significando que eles "observam" as almas (como quando assistimos TV), "cuidam" das almas (como quando observamos o fogo) e "guardam" as almas (como quando vigiamos a noite toda). Ao observar o rebanho, pastores sabem quando afligir os que estão confortáveis e confortar os aflitos.

Uma terceira implicação é corolário das duas primeiras: há intersecção entre a pregação e o aconselhamento. Os pregadores precisam ouvir antes de falar. Ouvir

dúvidas, dores e enigmas é indispensável à análise e pastoreio da platéia. Ao ouvir, nos entramos em contato com as experiências, valores e profundidade do conheci- mento e caráter moral do nosso povo. Isso vai mostrar sua condição espiritual e, como Richard Baxter explicou em O pastor aprovado, [PES], podemos ter uma surpresa: alguns membros de nossas igrejas não são convertidos. O ministério pessoal nos mostra coisas assim. Assim, o aconselhamento nos ajuda a nos associar com Deus na formação e crescimento da igreja.

Em minha igreja anterior, os presbíteros começaram a comparar anotações de nossas várias reuniões de aconselhamento e descobriram que estávamos nos de- frontando com uma epidemia de problemas matrimoniais. Cerca de 25% dos membros da igreja estavam em algum estágio de separação ou divórcio! Começa- mos imediatamente a chamar a atenção para essas questões publicamente, assim como em particular. E claro que o pregador nunca deve revelar informações particu- lares no púlpito, mas a sala do conselheiro deve ajudar na escolha dos textos e

temas do pulpito. Idealmente, o pregador/conselheiro prega publicamente como uma medicina preventiva — quando a igreja não está no meio de uma crise.

Uma quarta implicação é que há uma intersecção entre pregação e liderança. A

imagem da edificação sugere como o conselheiro/guardião das almas/pregador pode liderar: A construção está apoiada sobre uma fundação fraca? Talvez o ensino doutrinário essencial seja necessário. Vândalos arrombaram a construção? Então, as crenças roubadas precisam ser repostas e o sistema de segurança ativado. A cons- trução está inacabada? Talvez precisemos chamar empreiteiros, como evangelistas. Há previsão de tempestades? Certifique-se de que as venezianas estão fechadas con- tra as maquinações do diabo e que há luz e água em estoque para enfrentar provações. Os pregadores olham para o todo e usam o ministério de ensino para liderar. Um componente importante dessa liderança é preparar outros para realizar a obra do ministério (Ef 4.11,12). Pregadores ensinam, facilitam, equipam e modelam. Dessa forma, a pregação é uma forma de mentoreamento. Deus criou a igreja de forma que as ovelhas naturalmente sigam os pastores. Sim, eu sei, algumas ovelhas mordem os pastores, mas a maioria das ovelhas, intuitivamente, sente sua ne- cessidade de condução e proteção. Elas, de forma instintiva, levantam, procuram e seguem os líderes. O resultado é que aquela igreja, aos poucos, adota os valores, a visão e até mesmo a personalidade do pastor.

O pregador é um pastor, conselheiro, líder e mentor, não "alguém sem autori- dade". A Bíblia descreve o pregador como uma testemunha (At 2.20.24) — alguém que tanto declara o testemunho apostólico como revela sua experiência com Deus; um pai (ICo 4.13-16) — alguém que disciplina de forma amável, que é digno de ser imitado e que é usado por Deus para gerar vida; uma mãe (Cl 4.19) — alguém que passa por dores para ver seus filhos nascidos e criados; e um despenseiro (ICo 4.1,2) — alguém que distribui comida e bens materiais para a família em nome do Mestre.

Por meio da loucura da pregação, Deus libera o poder de sua Palavra para formar e fazer crescer a sua amada igreja. Assim, a pregação é indispensável à obra de Deus.

Capítulo 12

M I N H A T E O R I A D A P R E G A Ç Ã O

Três idéias formam, a minha abordagem à pregação