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Eu havia agido de forma suficientemente inocente. O verão estava se aproxi- mando, e eu precisava de idéias frescas para sermões. Assim, preparei uma inserção para o boletim pedindo a sugestão de textos ou temas.

O primeiro chiou como um rastilho em fogo de artifício do Dia da Inde- pendência: "Por que você nunca prega sobre o patriotismo? Você precisa pregar sobre o que nossa bandeira significa!".

Eu me senti dividido: não queria rejeitar de imediato o pedido de Fred nem ofender seu orgulho nacional (ele havia servido seu país de forma honrosa na Segun- da Guerra Mundial), mas eu não acredito que a verdade, a justiça e "o modo

estado-unidense de ser" sejam trinos e unos. Sempre me considerei um cidadão leal e sou grato pelas liberdades de que desfruto; porém, para mim, as lealdades nacionais precisam se curvar perante o senhorio de Cristo. Assim, expliquei ao Fred que me sentiria mais confortável pregando o que o Novo Testamento ensina com respeito às obrigações dos cristãos em relação à sua nação. Ele entendeu minha posição, mesmo que sua expectativa por uma celebração patriótica não fosse satisfeita.

O encontro com Fred teve conclusão feliz, e tanto o nosso relacionamento quanto a minha compreensão de integridade ficaram intactos. Mas esse pedido me fez pensar na questão mais ampla da influência dos valores culturais no púl- pito cristão. Comecei a indagar sobre influências mais sutis e não percebidas do "modo estado-unidense de ser" sobre aqueles de nós que são chamados para pregar o evangelho.

O livro de Charles Larson Persuasión: Reflection and Responsibility [Persuasão:

reflexão e responsabilidade] proveu as ferramentas de que eu precisava para refletir

sobre essa questão. Percebi que luto com alguns mitos culturais que são tão esta- do-unidenses quanto o basquete, os cachorros-quentes, a torta de maçã e o Chevro- let. Ao chamá-los de mitos, não quero dizer que são necessariamente falsos — ou verdadeiros. Em vez disso, quero dizer que assumiram papel tão importante na forma em que nossa cultura interpreta a realidade que, às vezes, não percebemos que não são nada além de axiomas. Crescemos ouvindo-os, respirando-os e pen- sando neles. Embora não tenham nenhuma base sólida na Bíblia, percebo que com freqüência se infiltram na minha pregação.

Mito1: A possibilidade do sucesso

Esse é talvez o mito estado-unidense mais reconhecido. Ele incentivou nosso país desde a época dos colonizadores mais antigos. Esse mito foi popularizado, no século XIX, por Horatio Alger que usou essa maneira de pensar como a base para vários romances que falavam a respeito de um jovem que, por meio do trabalho duro, sinceridade, honestidade e fé no futuro, poderia ser bem-sucedido. Às vezes, ele conseguia grandes coisas e tinha uma grande empresa, conseguia uma esposa bonita, desfrutava de uma vida boa e até mesmo fazia o bem para os outros. Essa mitologia de vencer com os esforços próprios está embutida hoje em dia no que passou a ser conhecido como o "sonho americano". O pensamento positivo e o pensamento de possibilidades florescem tão ricamente no solo estado-unidense como o milho em Iowa. E, até certo ponto, o atrativo de pregadores positivos é devido ao fato de que somos singularmente preparados por nossa cultura para receber essas mensagens. Isso não significa sugerir que não existe base bíblica para pregar uma mensagem positiva — inúmeros versículos comunicam esperança, possibilidades, novidades e encorajamento.

Os perigos de canonizar Horatio Alger, entretanto, também são perceptíveis. Freqüentemente, o sucesso significa apenas uma coisa para as pessoas — saúde e

riqueza. Os ouvintes ouvem esse evangelho de sucesso material mesmo quando o pregador os está encorajando a novas possibilidades na dimensão espiritual.

Entretanto, existe, acredito eu, um perigo mais discreto em usar esse tema — uma acusação subliminar de fracasso. Lembro-me de um sermão que nosso pastor pregou quando eu era adolescente. Depois do almoço naquele domingo, por acaso ouvi minha mãe resmungando enquanto lavava os pratos.

"O que aconteceu?", perguntei.

"Eu não penso que o Senhor está me chamando para deixar minha família para ser um heroína missionária na África", disse ela, desabafando sua frustração. "É improvável que eu faça uma fortuna no futuro próximo ou distante. Mas quan- do ouço um sermão que descreve todas essas pessoas heróicas e bem-sucedidas, sinto-me um completo fracasso. De que maneira eu poderia fazer alguma coisa importante para Deus?".

A possibilidade de sucesso havia se tornado a impossibilidade da relevância para minha mãe. Os heróis estavam muito distantes, os objetivos muito altos. Ela precisava de imagens de mães e donas de casa que faziam progressos pelo reino nas cozinhas onde viviam.

A lição daquele episódio com minha mãe me acompanha desde então, e toda vez que recruto Horatio Alger para o serviço do evangelho (o que eu faço tão freqüentemente quanto qualquer outro pregador vigoroso), tento imaginar minha mãe na congregação. Ela e o restante da congregação precisam ser encorajados a novas possibilidades, mas não conduzidas ao desânimo pelas impossibilidades.

Mito 2: A sabedoria do homem rústico

Um dos mitos mais duradouros de nossa cultura é a sabedoria do homem rús- tico. Não importa o quão sofisticada ou divergente a oposição seja, a sabedoria sim- ples do homem ou da mulher rústicos sempre ganha. Personagens da mata como Daniel Boone ou Paul Bunyan, que vencem seus adversários em esperteza e que superam grandes obstáculos com senso comum simples, mas inteligente, preenchem nosso folclore. Abraham Lincoln cavalgou nessa imagem dos palácios da justiça do interior de Illinois até a Casa Branca em Washington, D. C. O poder dessa imagem continua até mesmo hoje. Ronald Reagan desenvolveu sua reputação como "grande comunicador" não apenas por causa de sua experiência como ator, mas por causa de sua estranha habilidade de falar a linguagem das pessoas comuns.

O outro lado dessa fé na sabedoria popular e confiança em instintos iniciais é uma tendência de desconfiar do instruído ou intelectual. As disciplinas da erudição são freqüentemente vistas meramente como instrumentos de obscurecimento (tradução: muito aprendizado de livros atrapalha o pensamento claro).

Aqueles de nós que acreditam no evangelho simples freqüentemente encontram em si um desejo que nos acompanha de tornar as sutilezas da Bíblia simplistas e de codificar todas as complexidades da existência moderna. Na igreja em que cresci, em

uma cidade pequena do sul de Ohio, isso era a dieta regular de todos os domingos. Ouvíamos o ABC do evangelho. Ouvíamos os quatro princípios para um casamento bem-sucedido. Mapeávamos o final próximo da história do mundo em um grande quadro. Éramos ensinados a desconfiar de psiquiatras, psicólogos, sociólogos, antropólogos e quaisquer outros "ólogos" e "atras" que pudéssemos encontrar.

Várias crises de convicção depois, descobri que nem tudo na vida é simples, fácil ou claro. E quando as respostas claras que me deram não foram compatíveis com as complexidades de minha própria vida e das vidas de quem eu fui chamado para servir, senti-me um pouquinho traído. Comecei a entender por que tantas pessoas abandonaram a fé quando a vida fica difícil.

Felizmente, não fiz isso. Nem perdi minha consideração pela sabedoria do homem comum com a qual fui criado. Senso comum e intuição freqüentemente são muito úteis. Mas eu descobri que Deus também usa o estudo diligente, a investigação sólida e o raciocínio instruído.

Assim como é tarefa nossa explicar a dificuldade, às vezes nossa tarefa é retra- tar a vida como algo complexo. Nem toda a sabedoria nasce da simplicidade do homem comum. Quando a congregação é conduzida a buscar sabedoria dos instruí- dos assim como das pessoas comuns, quando a mensagem bíblica é proclamada em toda sua plenitude misteriosa, nossos membros estão mais bem equipados para encarar o mundo como ele realmente é.

Mito 3: A presença da conspiração

Outra premissa cultural muito difundida é a presença da conspiração: uma crença de que por trás da maioria dos principais problemas políticos, econômicos ou sociais está um grupo poderoso que conspirou para criá-los. A histórica america- na está repleta de suspeitas de conspirações maçônicas, conspirações populistas e conspirações bancárias internacionais. Em minha própria vida, ouvi teorias de conspiração conectando John Kennedy e o Vaticano. A validade de qualquer uma dessas teorias não é meu ponto aqui. Estou apenas ilustrando nossa tendência de espalhar esse tipo de explicações de algumas tendências e eventos.

Normalmente, essas explicações atraem pessoas ou grupos que se sentem ameaçados. Teorias conspiratórias inevitavelmente envolvem os mal-afamados "eles". Normalmente, "eles" têm rótulos — direitistas, esquerdistas, humanistas ou per- sonagens da mídia. Rótulos tendem a confirmar suspeitas sinistras e nos motivar pelos nossos medos. "Eles" freqüentemente encontram o seu caminho para se in- filtrar na nossa pregação, mas apenas uma vez encontrei um "deles". Ele é membro de nossa congregação, um professor de saúde na escola de ensino médio local.

Antes de eu chegar à igreja, Mike era atacado de vários púlpitos locais como um "daqueles" que ensinavam educação sexual "sem valores". Descobri que Mike, um cristão comprometido e sensível, estava tentando andar sobre a corda bamba entre seus valores cristãos e a realidade da educação pública. Ao trabalhar com

aqueles alunos da oitava série, ele era cuidadoso para enfatizar a igreja e o lar como influências-chave na tomada de decisões. Mas porque ele era "um deles", diversos pastores locais o acusaram do pulpito, e Mike foi importunado com telefonemas, cartas e visitas de pais irados.

Agora, sempre que eu ouço teorias conspiratórias, não posso deixar de pensar em um Mike desiludido, atormentado e bombardeado por irmãos e irmãs de profissão de fé que estavam querendo acreditar mais em uma conspiração do que nas boas intenções de um irmão para os seus filhos.

Somos chamados para proclamar Cristo, mas por necessidade fazemos isso no contexto de nossas pressuposições culturais. Já que as premissas culturais são parte do modo que pensamos, elas podem ser instrumentos de persuasão poderosos. Nos- so trabalho é empregá-las sem nos esquecer do discernimento e da imparcialidade — sem fazer concessões.

Não é simplesmente uma questão de pregar a verdade, a justiça ou o modo estado-unidense de ser. Mas, em vez disso, é uma questão de pregar de um modo estado-unidense sem fazer injustiça ao Caminho da Verdade.

Capítulo 41

P R E G A N D O A M O R A L I D A D E E M U M A É P O C A A M O R A L

Como você pode soprar o apito se as pessoas