• Nenhum resultado encontrado

"Não faz sentido", disse meu amigo pastor. Estávamos nos prolongando no almoço e discutindo sobre a conferência bíblica que eu estava conduzindo em sua igreja. Eu havia acabado de comentar que a igreja estava tendo uma forte influên- cia nos estudantes e no corpo docente da universidade próxima.

"O que não faz sentido?", perguntei.

"Onde você e eu estamos servindo", respondeu ele. "Você vai precisar explicar".

"Olhe, eu realmente sou um pregador do interior com um mínimo de treina- mento acadêmico, ainda assim estou ministrando a uma multidão de universitários.

Você escreve comentários e lê mais livros em um mês do que eu em um ano, ainda assim sua congregação é primariamente operária e sem profissionais liberais. Isso não

faz sentido".

O assunto, a seguir, mudou, mas eu refleti sobe sua observação muitas vezes nos anos desde então. Concluí que foi uma boa coisa Deus não ter me posto nesse "Comitê de Distribuição dos Pastores", porque eu realmente teria estragado as coisas.

Eu nunca teria mandado um rústico Amós para a corte opulenta do rei; eu teria me dado uma calma igreja do interior em algum lugar. E eu nunca teria comissio- nado Saulo de Tarso, aquele "hebreu de hebreus" (ARC), para ser um missionário

aos gentios; eu o deixaria encarregado do evangelismo de judeus em Jerusalém. Tudo isso me leva ao ponto desse artigo: Se Deus chamou você para pregar, então quem você é, o que você é e onde você está são aspectos que também pre- cisam fazer parte do plano de Deus. Você não prega apesar disso, mas por causa disso.

Por que é, então, que muitos pregadores não gostam de pregar? Por que al- guns se ocupam com questões secundárias se deveriam estar estudando e meditan- do? Por que outros rastejam do púlpito depois de pronunciar o sermão, dominados por um sentimento de fracasso e culpa?

A diferença que uma testemunha faz

Sem tomar o tempo para fazer uma pesquisa, eu acho que posso sugerir uma resposta: Eles estão pregando apesar de si mesmos em vez de pregarem por causa de si mesmos. Eles ou se excluem de sua pregação ou lutam consigo mesmos durante sua preparação e proclamação; isso os deixa sem energia ou entusiasmo para a tarefa. Em vez de agradecerem a Deus o que têm, reclamam sobre o que não têm; e isso não os deixa em condições de anunciar a Palavra de Deus.

Uma pesquisa feita pela revista Christianity Today/GaLlup mostrou que os minis- tros acreditam que pregar é a prioridade número um de seu ministério, mas tam- bém é a coisa de que eles se sentem menos capazes de fazer bem. O que causa essa atitude insegura com respeito à pregação?

Em primeiro lugar, nós esquecemos o que a pregação realmente é. Phillips Brooks disse isso da melhor maneira: "A pregação é a comunicação da verdade divina por meio da personalidade humana. A verdade divina nunca muda; a personalidade humana muda constantemente — e é isso que torna a mensagem nova e única".

Não existem dois pregadores que possam pregar a mesma mensagem, porque não há dois pregadores iguais. De fato, não existe um pregador que possa pregar a mesma mensagem duas vezes se ele está vivendo e crescendo de alguma forma. A personalidade humana é uma parte vital do ministério de pregação.

Recentemente, realizei um estudo intensivo sobre todos os verbos gregos usa- dos no Novo Testamento para descrever a comunicação do Palavra de Deus. As três palavras mais importantes são: evangelizomai, "contar as boas novas"; kerysso, "procla- mar como um arauto"; e martyreo, "dar testemunho". Os três são importantes no ministério do púlpito. Estamos contando as boas novas com a autoridade de um arauto real, mas a mensagem é uma parte de nossa vida. Diferentemente do arau- to, que apenas gritou o que lhe foi dito, estamos compartilhando o que é pessoal e real para nós. O mensageiro é uma parte da mensagem porque o mensageiro é uma testemunha.

Deus prepara a pessoa que prepara a mensagem. Martinho Lutero disse que a oração, a meditação e a tentação faziam um pregador. Pregação e meditação lhe darão um sermão, mas apenas a tentação — a experiência diária da vida — pode transformar esse sermão em uma mensagem. É a diferença entre a receita e a refeição.

Eu tive uma experiência em uma conferência denominacional que fez com que eu entendesse essa verdade. Durante a sessão em que eu falaria, um trio muito competente de senhoras cantou. Era uma canção de ritmo alegre e acelerado, cuja mensagem não se ajustou bem ao meu tema; mas é claro que elas não tinham nenhuma forma de saber exatamente sobre o que eu pregaria. Fiquei feliz que minha mensagem não seguiu imediatamente seu número porque eu não senti que a congregação estava preparada.

Exatamente antes de eu falar, um pastor rolou a cadeira de rodas em que estava até o centro da plataforma e deu um breve testemunho sobre seu ministério. Então ele cantou, com um acompanhamento muito simples: "Ninguém nunca se impor- tou comigo como Jesus". O efeito foi irresistível. O homem não estava cantando uma música; ele estava ministrando uma palavra de Deus. Mas ele tinha pago o preço para ministrar. No sofrimento, ele se tornou uma parte da mensagem.

As experiências pelas quais nós, pregadores, passamos não são acidentes; elas são designações. Elas não interrompem nossos estudos; elas são uma parte essen- cial de nossos estudos. Nossa personalidade, nosso aparelhamento físico e mesmo nossos defeitos físicos são parte do tipo de ministério que Deus quer que tenha- mos. Ele quer que sejamos tanto testemunhas como arautos.

O apóstolo sabia disso: "... pois não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos" (At 4.20). Isso era parte da comissão de Paulo: "Você será testemunha dele a todos os homens, daquilo que viu e ouviu..."(At 22.15). Em vez de condenar ou minimizar o que somos, precisamos usar o que somos para dar testemunho de Cris- to. E isso que torna a mensagem a nossa mensagem e não o eco de outro alguém.

O mito do "Grande Sermão"

E fácil imitar hoje em dia. Não temos apenas livros de sermões, mas temos ministérios de rádio e televisão e fitas cassete e CDs aos milhares. Um homem

segue o modelo de Spurgeon, outro, o de A. W. Tozer; e ambas as congregações sofrem.

Alexander Whyte de Edimburgo tinha um assistente que assumiu a responsa- bilidade pelo segundo culto no lugar do pastor mais velho. "Whyte era um prega- dor cirúrgico que lidava cruelmente com os pecados dos homens e, então, fielmente proclamava a graça salvadora de Cristo. Mas o seu assistente era um homem de temperamento diferente que tentava deslocar a mensagem do evangelho para fora da sala de cirurgia para que chegasse ao salão de banquetes.

Durante um período de seu ministério, entretanto, o assistente tentou usar a abordagem de Whyte, sem o sucesso deste. O experimento terminou quando Whyte lhe disse: "Pregue sua própria mensagem". Esse conselho é necessário nos dias de hoje.

Toda profissão tem riscos ocupacionais, e, no ministério, isso é a paixão de pregar "grandes sermões". Fant e Pinson, em 20 Centuries ofGreat Preaching [20

séculos de grande pregação], chegaram à surpreendente conclusão de que "a grande

pregação é a pregação relevante". Por "relevante" eles querem dizer a pregação que vai ao encontro das necessidades das pessoas em seu tempo, a pregação que mostra que o pregador se importa e quer ajudar.

Se isso é verdade, então existem milhares de "grandes sermões" pregados to- dos os domingos, pregados por aqueles cujos nomes nunca serão impressos nos livros de homilética, mas estão escritos nos corações do seu povo. Ouça novamente o que diz Phillips Brooks:

A noção de um grande sermão, que persegue constantemente o pregador ou mesmo ocasionalmente, é fatal. Ela dificulta [...] a liberdade da ex- pressão. Muitas palavras verdadeiras e úteis de que seu povo precisa, e que você deve lhe anunciar, acabam por parecer aquém da dignidade de seu grande discurso [...] Nunca tolere nenhuma idéia da dignidade de um sermão que o impeça de dizer qualquer coisa que você deva dizer, ou que seu povo precise ouvir.

Pregando a Cristo, não a mim mesmo

Deixe-me acrescentar outra razão que gera sentimentos inseguros a respeito da nossa pregação. Em nosso desejo de sermos servos humildes de Deus, temos a tendência de suprimir as nossas personalidades com receio de pregarmos a nós mesmos e não a Cristo. É bom atender à advertência de Paulo em 2Coríntios 4.5: "Mas não pregamos a nos mesmos, mas a Jesus Cristo, o Senhor, e a nós como escravos de vocês, por causa de Jesus". Mas não devemos interpretar isso incorreta- mente e, com isso, tentar o impossível. A personalidade de Paulo e até mesmo um pouco de sua experiência pessoal estão impressos na base e textura de suas cartas; ainda assim, Jesus Cristo é glorificado do começo ao fim.

Durante os últimos vinte anos, tenho mergulhado no estudo da vida dos pregadores famosos do passado. A maioria deles ministrou na Era Vitoriana na Grã-Bretanha, um tempo em que os púlpitos estavam repletos de estrelas. Se existe uma coisa que eu aprendi desses homens, foi isto: Deus tem seus próprios modos de treinar e preparar seus servos, mas ele quer que todos sejam eles mes- mos. Deus colocou diversidade no universo e ele colocou diversidade na igreja.

Se sua personalidade não brilha por meio de sua pregação, você é apenas um robô. Você poderia ser substituído por um toca-fitas ou CDs e talvez ninguém saberia a diferença.

Não confunda a arte com a ciência da pregação. Homilética é a ciência da pregação e tem leis e princípios básicos que cada pregador deve estudar e praticar. Uma vez que você aprendeu a obedecer a esses princípios, então pode adaptá-los, modificá-los e moldá-los à sua própria personalidade.

No meu ministério de conferências, eu freqüentemente divido a plataforma com oradores talentosos cuja pregação me leva a dizer a mim mesmo: Sem chance!

Eu nunca vou aprender a pregar assim! Então o Senhor tem de me lembrar que ele

nunca me chamou "para pregar assim". Ele me chamou para pregar da maneira que eu prego!

A ciência da pregação é uma coisa; mas a arte da pregação — o estilo, a elocução e a abordagem e todos aqueles ingredientes quase indefiníveis que com- põem a personalidade de alguém — é outra muito diferente. Um pregador usa o humor e acerta o alvo, outro tenta isso e acerta em si mesmo.

A essência do que estou dizendo é isto: Você precisa conhecer-se a si mesmo, aceitar-se a si mesmo, ser você mesmo e desenvolver-se a si mesmo — seu melhor eu — se você quer que a pregação seja a mais eficiente possível.

Nunca imite outro pregador, mas aprenda com ele tudo o que você puder. Nunca reclame a respeito de si mesmo ou de suas circunstâncias, mas descubra por que Deus fez as coisas dessa forma e use o que ele deu a você de uma maneira positiva. O que você pensa que são obstáculos podem se mostrar como opor- tunidades. Permaneça o tempo suficiente em uma igreja para descobrir quem você é, que tipo de ministério Deus lhe deu e como ele planeja treinar você para os ministérios que ainda virão. Afinal de contas, ele está sempre nos preparando para o que ele já preparou para nós — se nós o deixarmos.

Aceitando o que nós não somos

Aprendi muito cedo em meu ministério que eu não era um evangelista. Embora eu tenha visto pessoas virem a Cristo por meio do meu ministério, eu sempre senti que era um fracasso em relação ao evangelismo.

Um dos poucos benefícios de ficar mais velho é uma perspectiva melhor. Agora estou aprendendo que meus ministérios de ensino e composição literária permitiram a outros conduzir pessoas a Cristo, de forma que meu trabalho não foi em vão. Mas eu tive meus momentos de desânimo e o sentimento do fracasso.

Deus dá os dons espirituais que ele quer que tenhamos; ele nos coloca em lugares em que quer que sirvamos; e ele dá as bênçãos que quer que desfrutemos.

Eu estou convencido disso, mas essa convicção não é uma desculpa para a preguiça ou para a pobreza no ministério. Saber que sou o homem de Deus no lugar de ministério que Deus designou para mim me encorajou a estudar com mais empe- nho e dar o melhor de mim. Quando as colheitas eram escassas, a certeza de que

Deus me colocou ali me ajudou a continuar. Quando as batalhas se enfureciam e as Tempestades rugiam, meu refugio seguro era: "Deus me colocou aqui e permanecerei

aqui até que ele me diga para ir embora". Muitas vezes, lembrei-me do conselho de V. Raymond Edman: "Sempre é cedo demais para desistir".

Minha experiência mostra que o pregador jovem em sua primeira igreja e o pregador de meia idade (talvez em sua terceira ou quarta igreja) são os mais sus- cetíveis ao desânimo. Isso não é difícil de entender.

O jovem seminarista marcha bravamente até sua primeira igreja com elevados ideais, apenas para defrontar-se com a força esmagadora da realidade e a fornalha da desaprovação. Ele empunha suas bandeiras bravamente por mais ou menos um mo, depois as abaixa silenciosamente e faz planos para se mudar. O ministro de meia idade viu seus ideais sendo atacados muitas vezes, mas agora ele percebe que o tempo é curto e que talvez não chegue a ser um dos trinta homens de elite de Davi.

Deus ajuda o pregador que abandona seus ideais! Mas, ao mesmo tempo, Deus se compadeça do pregador que é tão idealista que fracassa em ser realista. O realista é o idealista que passou pelo fogo e foi depurado. O cético é o idealista que passou pelo fogo e ficou queimado. Há uma diferença.

A auto-avaliação é uma coisa difícil e perigosa. Às vezes, estamos tão próximos do nosso ministério que não o enxergamos. Certa vez, um dos meus estudantes me perguntou: "Por que eu não consigo ver nenhum crescimento espiritual em minha vida? Todo mundo me diz que consegue vê-lo!". Eu o lembrei de que no Pente- costes nenhum homem podia ver a chama em cima de sua cabeça, mas todos ali podiam ver o que estava queimando sobre a cabeça de seu irmão.

Uma palavra do pregador escocês George Morrison me ajudou a flutuar e não afogar em muitas tempestades: "Os homens que dão o melhor de si sempre fazem mais, embora sejam perseguidos pelo sentimento do fracasso. Seja bom e verda- deiro, seja paciente; seja destemido. Deixe que Deus avalie sua utilidade. Ele garantirá que você não viva em vão".

Seja realista quando avaliar o seu trabalho. Evite comparações. Eu leio o sufi- ciente em publicações religiosas e ouço o suficiente de conversas para saber que tais comparações são o esporte de salão preferido dos pregadores, mas eu tento não levá-los muito a sério. "Quando eles se medem e se comparam consigo mesmos, agem sem entendimento" (2Co 10.12).

Embora estejamos em conflito com aqueles que pregam um falso evangelho, não estamos competindo com qualquer um que pregar o verdadeiro evangelho. Estamos apenas competindo com nós mesmos. Pela graça de Deus, devemos ser pregadores e pastores melhores hoje do que éramos há um ano.

Se quisermos ser pastores e pregadores melhores, devemos ser pessoas melhores; e isso significa disciplina e trabalho duro. Os "gigantes" com quem eu vivi esses muitos anos foram todos trabalhadores esforçados. Campbell Morgan estava em sua sala de estudos às seis da manhã. Seu sucessor, John Henry Jowett, também acordava cedo e já mergulhava nos livros. "Entre na sua sala de estudos em uma hora fixa", Jowett disse em suas preleções aos estudantes de teologia de Yale em 1911-1912, "e faça isso tão cedo quanto a hora em que os trabalhadores da sua igreja vão à sua loja ou escritório". Spurgeon trabalhava tão duro que teve de tirar férias no inverno para recuperar suas forças.

Obviamente, não ganhamos nada colocando em risco a nossa saúde, mas perdemos muito ao ficarmos mal-acostumados, e esse é o grande perigo.

O dom é suficiente

Se Deus chamou você, então ele lhe deu o que você precisa para realizar o trabalho. Você pode não ter o que outros têm nem ter tudo que você gostaria de ter, mas tem o que Deus quer que você tenha. Aceite o seu dom, seja fiel em usá- lo e, no tempo devido, Deus dará mais a você.

Dê tempo a si mesmo para descobrir e desenvolver seus dons. Não aceite nada como uma desvantagem. Transfira isso para Deus e deixe que ele transforme isso em uma ferramenta útil. Afinal de contas, é isso que ele fez com o espinho na carne de Paulo.

A pregação não é o que nós fazemos; é o que nós somos. Quando Deus quer formar um pregador, ele precisa formar a pessoa, porque o trabalho que realizamos não pode estar isolado da vida que vivemos. Deus prepara o trabalho para a pessoa, e prepara a pessoa para o trabalho; e, se nós lhe permitirmos, ele os aj untará na sua providência.

Deus nos conhece melhor do que nos conhecemos a nós mesmos. Ele nunca nos colocaria em um ministério em que não pudesse nos formar e usar.

Capítulo 17

O R E I P O R M I N H A P R E G A Ç Ã O