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Eu estava prestes a dobrar a minha carcaça de dois metros e pouco para entrar no nosso Plymouth casca de ovo 1952, para dirigir uma pequena igreja no centro

decaído de Paterson, Nova Jersey. Eu seria ordenado para o ministério cristão, uma passagem para a qual eu estava me sentindo inseguro e despreparado.

Antes de entrar no carro, virei-me para o meu amigo e antigo professor do seminário George Stob, que estava ao meu lado, e perguntei-lhe: "George, você tem alguma última palavra para dizer antes que eu dê esse salto"?. George deu sua resposta sem pestanejar, como se ela, por muito tempo, já estivesse armada na sua mente, e disse a única coisa que ele pensava que eu ainda precisava saber: "Lem- bre-se que quando estiver pregando", disse ele, "estará pregando para pessoas co- muns".

Muito obrigado, pensei. Por esse tipo de sabedoria que você conseguiu ser professor de seminário? Como se eu não soubesse! De qualquer forma, espremi esse chavão na minha sacola já repleta de informações utilizáveis que eu havia coletado de professores de seminário e fui àquele culto para ser ordenado ministro do evangelho.

Como se verificou, porém, em meus anos iniciais de inocência arrogante, eu, na verdade, não sabia muito a respeito de pessoas comuns. Não as conhecia, não na profundidade do meu ser, não ali no cerne em que as questões das atitudes autênti- cas de um pregador são decididas. Eu estava embriagado com noções acadêmicas. Estava sintonizado com minha teologia. Estava sintonizado com a arte da pre- gação. Mas não estava sintonizado com a característica comum de pessoas que escutavam a minha pregação idealista.

Ser comum é ser muito fraco para lutar com as coisas terríveis que são muito pesadas para a mera humanidade. Pessoas comuns não são heróis — elas não são covardes, apenas não-heróis, pessoas limitadas, angustiadas com o mal-estar de tudo que é demais.

Nós, pessoas comuns, não podemos encaixar nossa vida em caixas pré-forma- das de isopor. Não podemos conduzir a vida tão bem quanto gostaríamos, ao menos não em nossos lugares secretos. Não conseguimos amarrar todos os nós. Não conseguimos empacotar a vida como gostaríamos de fazê-lo. Para nós, a so- brevivência é freqüentemente a maior história de sucesso que nos atrevemos a esperar. Pessoas comuns vivem à margem, apenas um passo atrás da linha que nos separa daqueles que desmoronam. Pessoas comuns são aquelas que clamam por um sinal, qualquer sinal, de que ainda possa estar tudo certo mesmo quando tudo parece terrivelmente errado.

O que George estava tentando me dizer era que muitas pessoas que procurari- am a ajuda de Deus por meio de mim seriam comuns neste sentido: elas não estariam vivendo no auge do sucesso, mas à margem do fracasso; não no pico do triunfo, mas no precipício da derrota. Ele não quis dizer que todo mundo que viria até mim seria um fracasso. O que ele quis dizer é que muitos deles se sentiri- am como um fracasso algum momento em sua vida.

Elas vieram à minha igreja no domingo, pessoas comuns de fato vieram, mas eu não as reconheci no começo. Agora eu sei que elas têm a seguinte aparência:

• Um homem e uma mulher, sentados retos como uma tábua, sorrindo sob comando diante de cada orientação de piedade engraçada, odeiam-se um ao outro por deixarem o romance no seu casamento ruir e cair em uma rotina cansativa em que existe tédio sem gosto, porém sempre bem- ordenado.

• Uma viúva, surrando seus améns para cada promessa de providência divi- na, está morrendo de medo porque a besta indestrutível da inflação está devorando suas economias.

• Um pai, o modelo congregacional de firmeza paternal, está se irritando na suspeita de seu próprio fracasso paternal porque ele não consegue suportar, muito menos entender, as palhaçadas ruidosas de seu filho um pouco desequilibrado.

• Uma mulher jovem e atraente no banco da frente está completamente paralisada, pois está certa de que tem câncer de mama.

• Um homem de meia idade que, com sua nova Mercedes, é uma história óbvia de sucesso cristão, está se perguntando quando algum dia terá a coragem de dizer a seu patrão que fique com aquele emprego nojento. • Uma esposa submissa de um dos presbíteros está amedrontada porque

está sendo impelida a enfrentar corajosamente o seu alcoolismo secreto. São pessoas comuns, todas elas, e há muitas mais nos lugares de onde elas vieram. O que todas elas têm em comum é um sentimento de que tudo está errado na área da vida que mais importa para elas. O que precisam desesperada- mente é de um milagre da fé para saber que no centro da sua vida está tudo bem, e, ainda assim, isso é o que as pessoas comuns freqüentemente mantêm atrás de uma porta trancada.

Mantendo a graça atrás de uma porta trancada

Por quê? Por que é tão difícil para as boas novas entrarem em nossos sentimen- tos, de onde podem transbordar e vir à superfície? Por que precisamos de uma dádiva da graça?

^ Não penso que precisamos de uma dádiva da graça porque a verdade é muito difícil de ser entendida. É um mistério, é claro, nenhuma dúvida a respeito disso. Mas o mistério de Cristo não é um código que apenas a elite pode desenredar. Certa vez alguém perguntou ao grande Karl Barth — se a lenda é verdadeira — a que tudo se resumiria, todos aqueles livros grossos seus de teologia. Barth, talvez

brincando, e mesmo assim sério, disse: "Tudo se resume a isto: 'Cristo me ama, e isso eu sei' ". O mistério se resume a algo tão simples. Profundo, surpreendente, mas simples. Deus o ama e quer seu bem para sempre.

Por que pessoas comuns trancam suas portas para esse vigoroso conforto, essa doce realidade? Temos uma galáxia de desculpas. Exporei duas razões para manter minha porta fechada. Veja se elas correspondem às suas.

Primeiro, não queremos nos sentir reconciliados com Deus porque vamos complicar nossa vida se nos reconciliarmos com ele. Algo sempre muda quando acreditamos que, apesar de tudo, tudo corre bem em nossa vida e tememos a mudança. Por exemplo, não queremos aceitar o perdão porque, se nos sentirmos perdoados, precisaremos deixar aquela raiva profunda que nós armazenamos contra algumas pessoas vis que nos fizeram mal. Não queremos nos sentir amados porque, se aceitarmos o amor, teremos de abrir nossa vida para alguém que queremos manter à distância. Não queremos a alegria de descobrir que está tudo bem na vida porque, se fizermos isso, poderemos precisar entregar o prazer de nos apegar àquilo e não estamos dispostos a fazer esse sacrifício. Não queremos viver na esperança de que Deus fará da terra um lugar esplêndido de justiça e amor porque, se tivermos a esperança de uma nova criação, poderemos nos sentir pressionados a ajudar a preparar o caminho ao fazer do mundo um lugar um pouco melhor do que é agora. Kierkegaard estava certo: "Nós escolhemos fechar as portas do nosso coração porque queremos viver nos calabouços tristes da nossa vida".

Segundo, pessoas comuns mantêm as portas do seu coração fechadas porque estão muito cansadas para abri-las. Não é apenas como se pessoas comuns fossem profundamente más para deixar a luz da graça entrar em seu coração. Às vezes, elas estão simplesmente exaustas. A autocomiseração esgota nossa energia. Podemos nos machucar tanto que não temos estímulo espiritual em nós. Sentimo-nos pre- sos em um vácuo, puxados para um buraco vazio onde nada pode nos fazer sentir que tudo está bem. Se não podemos localizar a energia para aceitar a graça para nós mesmos, certamente não podemos senti-la por outros — não porque somos maus, mas porque estamos exaustos.

Pessoas comuns estão cansadas

Quando minha esposa, eu e nossos três filhos pequenos nos mudamos de Mi- chigan para a Califórnia, nos primeiros dias "conseguimos" colocar os três filhos em escolas diferentes. Comecei a ensinar um curso no Seminário Teológico Fuller que nunca havia ensinado antes, ensinando-o a 125 estudantes às 8 horas da manhã, quatro manhãs por semana. Até aqui tudo bem. Depois de uma semana, descobrimos por meio dos hematologistas que o nosso filho mais novo, que tinha acabado de fazer cinco anos, tinha a doença de Gaucher, uma doença congênita rara com um prognóstico indeterminado. Uma semana depois, duas semanas de- pois da nossa chegada no cinturão do sol, descobrimos que a minha esposa, Dóris,

tinha câncer de mama e precisava fazer uma mastectomia. Essas foram as duas primeiras semanas de nossa nova vida no paraíso da Califórnia do Sul.

Lembro-me de chegar em casa do hospital uma noite depois de visitar Dóris, muito cansado para preparar a aula da manhã seguinte. Joguei-me na cama e abri um exemplar da revista Life, ainda chegando toda sexta-feira naqueles dias. Virei as páginas preguiçosamente até chegar a uma parte que retratava a guerra civil da Nigéria. Fotos de crianças de Biafra morrendo de fome, pele e ossos, barrigas sa- lientes vazias, joelhos como bolas duras e palitos de dente no lugar das pernas saindo delas. Toda a mídia nesse tempo estava atirando essas fotos à nossa consciência quase à prova de choque. Fechei a revista e a joguei no chão. Não conseguia olhar aquilo: "Sinto muito, crianças famintas e moribundas, estou tão cansado; hoje preciso da minha piedade para mim mesmo; não tenho energia para abrir o meu coração para a compaixão por vocês".

Acredito que teria sido necessário um milagre para que eu conseguisse abrir o coração para sentir o amor de um Cristo reconciliador por aquelas crianças de Biafra aquela noite. E foi necessário outro milagre para sentir, e sentir profunda, verdadeira e alegremente que estava tudo certo comigo mesmo quando tudo, tudo parecia errado. Eu estava muito cansado para sentir isso pelas minhas próprias forças.

Pessoas comuns se sentem muito cansadas muitas vezes. Elas vêm à igreja e escutam palavras a respeito de uma graça que fez com que ficasse tudo bem na vida em seu centro, mas não conseguem encontrar reserva extra de poder para abrir seu coração para a realidade de Jesus Cristo e o fato da sua graça. Deus precisa abrir a porta.

A surpresa é que Deus, de fato, concede-nos essa dádiva. Às vezes. E às vezes o aceitamos.

Pregando a graça a pessoas comuns

Às vezes, Deus vem calmamente para dizer a pessoas comuns que ele está ao redor delas, acima delas, debaixo delas, nelas e à frente delas e que, com essa proteção forte de amor, tudo ficará bem com elas.

As vezes, as pessoas estão em um acesso de raiva que sufoca seu coração, abafa sua alegria e suprime todo relacionamento íntimo. Então, Deus aparece para que- brar a corrente da raiva e liberar uma pessoa comum para uma nova tentativa de amor.

Às vezes, as pessoas vivem em um pavor silencioso de sua própria morte. Então, Deus aparece para lhes dar uma razão para estarem extremamente con- tentes por estarem vivas mesmo que seja apenas hoje.

As vezes, as pessoas têm alguma lembrança depressiva de alguma coisa de- testável que fizeram e não podem esquecer nem se perdoar por ter feito isso. En- tão, Deus aparece para abrir seu coração para receber os dons de outras pessoas comuns e, assim, perdoam-se a si mesmas.

Às vezes, pessoas comuns se enrolam como múmias com o pano de saco de seu próprio ódio por si mesmas, e Deus aparece para abrir seus olhos para o mi- lagre extraordinário de seu grande valor.

Todas as pessoas comuns têm uma inclinação a pensar que as coisas possuem uma forma insuportável em volta delas. E com freqüência isso é verdade. A vida pode ser miserável, horrível, totalmente insuportável, o próprio inferno. Mas o segredo da graça é que tudo pode estar certo no centro, mesmo quando tudo esta errado nas margens. Pois no centro, onde a vida está aberta ao Deus Salvador e Criador, nós somos sustentados, conduzidos, amados, cuidados e inseparavelmente amarrados ao futuro que ele tem para cada filho que declara como seu

Levou muito tempo para que eu soubesse o quanto eu precisava das palavras de Geor-e Stob a respeito de pessoas comuns. Eu deveria ter sabido disso bem antes Afinal, eu era uma delas. Bem, isso não importa agora. A coisa importante agora é que uma dádiva extraordinária está disponível a pessoas comuns. E a dadi- va de uma porta aberta, a porta com dobradiças enferrujadas de corações furiosos, machucados e cansados, uma porta aberta para a graça que nos conduz de volta a verdade, a verdade de que, no cerne do relacionamento das pessoas comuns com Deus, tudo está certo e sempre estará. A pregação que ministra a pessoas comuns, àquelas fracassadas e sobrecarregadas como você e eu, libera a graça de Deus.

Capítulo 33

POR QUE PREGADORES SÉRIOS USAM HUMOR

Discernimento para momentos alegres com