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Conceitos jurídicos indeterminados

3 – REPERCUSSÃO GERAL

3.3. Conceitos jurídicos indeterminados

A EC nº 45 delegou à legislação infraconstitucional a missão de definir o que se entenderia por “repercussão geral das questões constitucionais”, o que foi observado pela Lei nº 11.418, inserindo o §1º ao artigo 543-A do CPC: “para efeito de repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. Dispositivo este posteriormente quase que inteiramente copiado no parágrafo único do artigo 322 do RISTF.

De início, percebe-se que o legislador conceituou a repercussão geral por meio do binômio relevância e transcendência. Isto é, precisam ser relevantes do ponto de vista

198 José Cretella Junior, Teoria do ato político. 199 Bruno Dantas, Repercussão geral, p. 240.

econômico, social ou jurídico; e também transcender aos limites subjetivos das partes envolvidas no recurso extraordinário. Apesar da expressão repercussão geral remeter à ideia de transcendência, é preciso também que haja relevância200.

No entanto, além da previsão do artigo 543-A do CPC, permite-se ainda que o Supremo Tribunal Federal reconheça a repercussão geral quando houver “multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia”, na forma do artigo 543-B, que não menciona a necessidade de se demonstrar relevância do tema versado no recurso.

A respeito desse conceito do artigo 543-A, §1º, do CPC, a doutrina tem chamado de

repercussão geral qualitativa, por levar em conta a importância do tema objeto do recurso extraordinário, do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico. Em contraposição, o artigo 543-B delimitaria a denominada repercussão geral quantitativa, permitindo o reconhecimento da repercussão geral quando houver vários recursos sobre o mesmo tema, envolvendo pessoas “em idêntica ou semelhante situação jurídica ou fática”201.

Mas o legislador se valeu de conceitos vagos, deixando ao intérprete, no caso, ao STF, a tarefa de definir com precisão o seu significado, razão pela qual inúmeros questionamentos surgiram desde a edição da Lei nº 11.418/2006.

A respeito dessa técnica, cabe tecer alguns comentários.

O homem vive em sociedade, sendo que a expressão de seus pensamentos e ideias se faz pela linguagem – o que ocorre quando profere algumas palavras –, de modo que não existe o Direito sem linguagem. E como as normas têm por destinatários as pessoas, é preciso que o Direito se valha da linguagem comum, ordinária, para autorizar, dirigir, orientar e proibir condutas.

No entanto, a linguagem é uma ferramenta rica e complexa, podendo ser utilizada para diversos propósitos e por meio de variadas formas, verificando-se, inclusive, a existência de muitos conflitos em razão de incorretas comunicações. Mas no que toca ao tema ora abordado, cabe apontar que os conceitos, que podem ser definidos como

significado do termo, muitas vezes são imbuídos de certa vaguidade ou indeterminação.

200 Neste sentido, Guilherme José Braz de Oliveira, Repercussão geral, p. 170; e Carolina Bramblia Bega, Repercussão geral, p. 65.

Com efeito, em regra, os conceitos necessitam de várias palavras para sua correta delimitação, de forma que é possível ao legislador se valer de palavras com significados mais abstratos que outras, de modo a atingir um número maior de pessoas e situações.

Assim, a estrutura do conceito é formada por um núcleo, que constitui seu significado primário, e um halo, composto por expressões de linguagem que se referem ao núcleo e delimitam o âmbito do conceito, podendo ampliar os seus limites. Analisando essa estrutura, percebe-se, então, que há uma zona de certeza, o núcleo, e um zona de dúvida, o halo. Exemplificando, podem ser mencionadas as expressões “valor histórico”, “paz noturna” e também “repercussão geral”.

De acordo com Eros Roberto Grau202, a indeterminação não se refere aos conceitos propriamente, mas às expressões utilizadas. Por isso, seria mais correto mencionar termos

indeterminados de conceitos, e não conceitos indeterminados, pois são as expressões que são universais e não as ideias que contém203. Para o autor, se o conceito é indeterminado, então não há sequer conceito.

Porém, corretamente, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que, na realidade, a imprecisão, fluidez e indeterminação residem no próprio conceito, e não da expressão terminológica. Para assim concluir, afirma que mesmo os conceitos vagos, fluidos ou imprecisos, têm algum conteúdo mínimo indiscutível204. Trata-se do que chama de zona de certeza positiva.

Além disso, também é possível identificar uma zona de certeza negativa, em que a inaplicabilidade da palavra que designa o conceito é indiscutível. E justamente no intervalo entre ambas é que surgem as dúvidas. Neste passo, Aline Maria Dias Bastos, verificando essa estrutura dos conceitos jurídicos indeterminados, conclui que:

a zona de certeza é o domínio das afirmações evidentes, configurada por dados prévios, seguros. O halo é a zona que rodeia o núcleo ou, dito com maior precisão, uma zona onde não existe uma certeza prévia e cuja determinação exige o desenrolar da ideia

202 Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto, p. 202. 203 Aline Maria Dias Bastos, Conceitos jurídicos indeterminados, p. 22.

204 “A imprecisão, fluidez, indeterminação, a que se tem aludido residem no próprio conceito e não na

palavra que os rotula. Há quem haja, supreendentemente, afirmado que a imprecisão é da palavra e não do conceito, pretendendo que este é sempre certo, determinado. Pelo contrário, as palavras que os recobrem designam com absoluta precisão algo que é, em si mesmo, um objeto mentado cujos confins são imprecisos. Se a palavra fosse imprecisa – e não o conceito – bastaria substituí-la por outra ou cunhar uma nova para que desaparecesse a fluidez do que se quis comunicar” (Discricionariedade e controle jurisdicional, p. 20-21).

do conceito, visto que sua aplicação requer a análise das características de cada caso, na busca de um sentido valorativo205.

O conceito, por ser formado por duas zonas (de certeza e de dúvida), também possui dois limites, sendo que nas áreas de certeza positiva e de certeza negativa, a atuação será sempre vinculada, mais estreita.

Por isso, a utilização de conceitos indeterminados corresponde a uma técnica relevante nas mãos do legislador, que pode eleger expressões mais ou menos precisas, concedendo mais ou menos liberdade ao intérprete, a depender da matéria que pretende regular. No que tange ao direito constitucional, por exemplo, a utilização de expressões mais abertas permite que o mesmo texto seja aplicado em contextos sociais distintos, havendo flexibilidade da norma frente às mudanças sociais ao longo do tempo.

Neste contexto, relativamente à definição do que seria a repercussão geral – e apesar da dificuldade inicial de compreensão do exato sentido e alcance de tal norma – a solução encontrada pelo legislador merece elogios, pois permite ao intérprete adequar a aplicação do dispositivo conforme um contexto social e político sempre atual. Diferentemente, a eventual definição da repercussão geral por meio de conceitos fechados inequivocamente acarretaria na desatualização da norma em futuro próximo.

Juntamente com Rodolfo de Camargo Mancuso206, concordamos com Eduardo de Avelar Lamy ao afirmar que

a presença de conceitos vagos em textos legais se justifica em razão do aumento da complexidade social havido nos últimos séculos, que impossibilitou aos códigos cumprirem, sozinhos e detalhadamente, a missão de regular todas as ricas e diversificadas hipóteses geradores de lide. Nesse desiderato, passaram a ser inseridos conceitos vagos nas legislações exatamente para que, por meio destes, as demais fontes do direito pudessem, de forma operativamente eficaz, complementar o texto legal e possibilitar interpretar-se o sentido do conceito vago de forma adequada a cada caso concreto207.

Realmente, como observado por José Carlos Baptista Puoli, não é apenas a plurissignificação das palavras justifica a existência dos conceitos indeterminados no Direito atual. Adicionalmente,

o incremento da atividade econômica e o desenvolvimento do capitalismo baseado na expansão e crescimento dos mercados

205 Aline Maria Dias Bastos, Conceitos jurídicos indeterminados, p. 26. 206 Recurso extraordinário e recurso especial, p. 187-188.

passaram a gerar, num grau muito maior do que ocorria até então, situações da vida que ainda não haviam sido previamente reguladas pelo legislador208.

A técnica legislativa utilizada certamente permitirá ao STF admitir no futuro, sem maiores problemas técnicos, a repercussão geral de temas que no passado não possuíam a relevância suficiente para tanto, como decorrência das inevitáveis modificações da sociedade e de seus valores ao longo do tempo.

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