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Critérios negativos: hipóteses em que o STF vem negando o reconhecimento de repercussão geral

3 – REPERCUSSÃO GERAL

3.7. Critérios negativos: hipóteses em que o STF vem negando o reconhecimento de repercussão geral

Ademais, como diversos temas já tiveram a repercussão geral negada pelo Supremo Tribunal Federal, é possível apontar que, em síntese, não se tem admitido tal pressuposto de admissibilidade: a recursos sobre legislação estadual relativa a servidores públicos, ainda que, em tese, alegue-se violação à Constituição da República; diante de questões nas quais há violação reflexa de dispositivos constitucionais, correspondendo, na visão da Corte, a controvérsias a respeito de legislação infraconstitucional; e quando há precedentes do STF sobre o assunto, no sentido oposto ao da tese exposta pelo recorrente.

Exemplificativamente, o Supremo reconheceu a inexistência de repercussão geral quanto aos seguintes temas:

(i) equiparação remuneratória de procuradores de autarquia e procuradores do Estado de São Paulo; direito, ou não, de servidor ao pagamento de diferenças salariais e de gratificações decorrentes do exercício de função em cargo diverso daquele para o qual foi admitido; possibilidade de extensão, ou não, do Adicional de Local de Exercício (ALE), pago aos militares do Estado de São Paulo, aos servidores inativos; extensão, em relação a inativos e pensionistas, da Gratificação de Atividade Policial Militar; direito de equiparação dos valores recebidos a título de ALE entre todos os

policiais civis e militares da ativa de São Paulo, em face do princípio da isonomia; possibilidade de incorporação definitiva da gratificação de função à remuneração dos empregados públicos;

(ii) se lei municipal instituidora de plano de carreira do servidores municipais é autoaplicável;

(iii) legalidade da cobrança de assinatura básica mensal do serviço de telefonia; legalidade da cobrança dos pulsos excedentes à franquia mensal, pelas concessionárias prestadoras de serviço de telefonia fixa, sem a respectiva discriminação;

(iv) dever do Estado de pagar indenização por danos morais decorrentes da emissão do mesmo número de CPF para mais uma pessoa; responsabilidade civil do Estado a gerar direito de indenização, em razão de período trabalhado além daquele considerado razoável;

(v) a proporcionalidade e razoabilidade do valor fixado a título de indenização por danos morais, à luz do artigo 5º, incisos XXXV, LIX e LV, da Constituição; cabimento de indenização por danos morais decorrentes de inscrição indevida em cadastro de inadimplentes; responsabilidade civil de instituição financeira por danos decorrentes de indevida utilização de cartão de crédito; direito à indenização por danos morais causados por alegada ofensa à imagem, em virtude de divulgação de nota veiculada nos meios de comunicação;

(vi) possibilidade de a Defensoria Pública perceber honorários advocatícios; (vii) valoração das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código

Penal; aplicação do princípio da insignificância ao crime de posse de substância entorpecente;

(viii) legalidade de denegação do benefício da justiça gratuita, não obstante a existência de declaração do interessado;

(ix) competência para processar e julgar ações movida contra os três entes políticos do governo, visando à obrigação de fornecimento de medicamentos, quando o valor da causa é inferior ao limite de sessenta salários mínimos;

(x) natureza jurídica de verbas rescisórias, se salarial ou indenizatória, para fins de incidência de imposto de renda; natureza jurídica dos juros, a fim de se decidir se verbas recebidas a esse título se sujeitam, ou não, ao imposto de

renda; possibilidade de incidência do imposto de renda sobre os rendimentos percebidos por servidor público a título de abono de permanência;

(xi) possibilidade de fixação ou não da multa prevista nos artigos 14, inciso V, 600 e 601 do CPC, por descumprimento de ordem judicial de pagamento de precatório no prazo legal; possibilidade de concessão de efeito suspensivo a embargos do devedor em execução fiscal; possibilidade de aplicação de multa por litigância de má-fé, nos casos de interposição de recursos com manifesto propósito protelatório; violação do contraditório e da ampla defesa nos casos em que o juiz indefere pedido de produção antecipada de prova no âmbito de processo judicial; possibilidade de ser declarada a inexigibilidade de título judicial, o qual entendeu ilegal a cobrança de valor correspondente à assinatura básica em conta telefônica e determinou a restituição destes valores, em face do artigo 475-L, §1º, do CPC;

(xii) possibilidade de se destinar parte do valor das astreintes a fundo estadual de defesa do consumidor, a fim de se evitar enriquecimento indevido;

(xiii) ser devido, ou não, pagamento de adicional de insalubridade a empregados que trabalham em prédio vertical que contém, em um de seus andares, combustível armazenado; possibilidade do auxílio-acidente ser inferior ao salário mínimo;

(xiv) possibilidade de se computar, para efeito de aposentadoria, tempo de serviço exercido em condições especiais, após 28 de maio de 1998; e

(xv) violação de coisa julgada em decorrência de preclusão referente à juntada de acordo, celebrado antes da propositura da ação de conhecimento, mas levado aos autos somente na fase dos embargos à execução.

Uma vez que já foram analisados os pressupostos para reconhecimento da repercussão geral, bem como diversos precedentes da Corte, de antemão se percebem graves incoerências do STF ao negar a repercussão geral em diversos dos temas acima apontados. A sensação é de que o instituto realmente poderia estar permitindo à Corte decidir de forma discricionária, deixando de lado os requisitos técnicos para eventualmente atender ao interesse público secundário e se valer do instituto para meramente obstar o acesso de centenas, e as vezes milhares, de recursos sobre determinadas questões.

No RE 570.690, de relatoria do saudoso Ministro Menezes de Direito, a parca fundamentação da decisão a respeito da repercussão geral sobre a controvérsia apresentada naqueles autos (dever do Estado de pagar indenização por danos morais decorrentes da emissão do mesmo número de CPF para mais uma pessoa) limitou-se a mencionar que “não extrapola os limites da causa ora julgada o fato de as instâncias ordinárias reconhecerem a reponsabilidade da União pelos danos morais infligidos à autora”. Contudo, tal afirmação é demasiadamente singela, não havendo sequer informações estatísticas sobre o referido problema. Tanto que, em manifestação divergente, o Ministro Marco Aurélio ressaltou justamente o oposto: “a generalização de inscrição no cadastro de pessoas físicas por si só demonstra a relevância da questão ali controvertida”, de forma que votou pelo reconhecimento da repercussão geral.

Em outra situação, quando do julgamento do RE 562.581, versando sobre equiparação remuneratória de procuradores de autarquia e procuradores do Estado de São Paulo, a relatora Ministra Carmen Lucia justificou sua manifestação negativa afirmando que a matéria discutida era “restrita à categoria dos procuradores autárquicos paulistas, o que não se mostra suficiente a caracterizar a necessária transcendência para o reconhecimento da repercussão geral”. Mais, uma vez, diante da inegável transcendência da questão constitucional, o Ministro Marco Aurélio apresentou manifestação divergente, considerando, ainda, a necessidade de se firmar decisão em sede de repercussão geral, visto que os efeitos deste precedente possuem importante função de racionalização da atividade de todo o Poder Judiciário.

Ademais, reiteradamente os precedentes trazem como justificativa, para fins de se declarar a inexistência de repercussão geral, a inexistência de questão constitucional, isto é, considerando que eventual ofensa à Constituição se deu apenas de forma indireta ou reflexa:

se não há controvérsia constitucional a ser dirimida no recurso extraordinário ou se o exame da questão constitucional não prescinde da prévia análise de normas infraconstitucionais, é patente a ausência de repercussão geral, uma vez que essa, induvidosamente, pressupõe a existência de matéria constitucional passível de análise por esta Corte297.

297 STF, RE 583.747-RG, Rel. Ministro Menezes Direito, dje 29.4.2009. No mesmo sentido: RE 584.608-RG,

Rel. Ministra Ellen Gracie, dje 12.3.2009, RE 593.388-RG, Rel. Ministro Menezes Direito, dje 12.2.2009, RE 592.211-RG, Rel. Ministro Menezes Direito, dje 20.11.2008.

Apesar do equívoco do raciocínio, visto que se trata de pressupostos distintos de admissibilidade, as decisões da Corte neste sentido buscam justamente a incidência dos efeitos erga omnes das decisões proferidas em sede de repercussão geral, obstando que novos recursos sejam encaminhados ou até mesmo distribuídos naquele Tribunal.

Outra linha de decisões do STF, que merece severas críticas, refere-se à utilização da repercussão geral para decidir a respeito de temas constitucionais quando o recurso julgado, na realidade, busca o revolvimento da matéria fático-probatória, que historicamente não é apreciada pela Corte, nos termos de sua Súmula 279. É que, nestes casos, os Ministros se valem do instituto para obstar a decisão de teses futuras, mas, na realidade, sequer há controvérsia constitucional sobre o tema. Melhor explicando, no futuro, caso realmente surja uma questão constitucional sobre aqueles determinados dispositivos constitucionais, o Supremo acabará por não se manifestar e, assim, impor a observância da Constituição, por conta destes falsos precedentes.

No julgamento do ARE 739.382, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, ficou decidido que não há repercussão geral a respeito do “direito à indenização por danos morais causados por alegada ofensa à imagem, em virtude de divulgação de nota veiculada nos meios de comunicação”, pois este é o enunciado que se firmou como “tema 657” de repercussão geral. Diante do precedente, com efeitos erga omnes, se determinado tribunal de justiça firmar entendimento de que não há dano moral nestes casos, será incabível o manejo do recurso extraordinário, tendo em vista toda a sistemática da repercussão geral.

Todavia, ao se analisar a referida decisão do STF, nota-se que sequer havia tal questão jurídica sendo debatida nos autos do ARE 739.382. O que se buscava, na realidade, era a rediscussão do montante indenizatório, o que, realmente, demanda reanalise do conjunto fático-probatório.

Deste modo, entendemos que a utilização do instituto da repercussão geral nestas situações demonstra certa irresponsabilidade do Supremo Tribunal Federal, pois, repita-se, no futuro poderá haver afastamento da jurisdição constitucional perante gravíssimas violações a nossa Carta Magna.

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