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2 – ANTECEDENTES DA REPERCUSSÃO GERAL

2.1. No direito estrangeiro

2.1.1. Estados Unidos (writ of certiorari)

2.1.2.3. O certiorari argentino

Para que o recurso extraordinário seja conhecido, além de guardar relação direta e imediata com o resultado da causa, desde 1990 – quando foi introduzido o certiorari no direito argentino – a questão federal também deve ser, a juízo da Corte Suprema,

suficiente, substancial e transcendente.

Assim como todos os demais países da América Latina – e talvez de praticamente todo o Ocidente –, o Judiciário argentino sofre com a enorme quantidade de processos pendentes de julgamento. E com o objetivo de enfrentar o grande número de recursos extraordinários interpostos, o artigo 280 do Código Procesal Civil y Comercial de la

143 “La possibilidade de descalificar uma sentencia judicial por razón de arbitrariedad reconoce fundamento em la garantia constitucional de la defensa em juicio” (Lino Enrique Palacio, El recurso extraordinario

federal, p. 228).

144 Genaro Rubén Carrió e Alejandro D. Carrió, El recurso extraordinario por sentencia arbitraria en la jurisprudência de la Corte Suprema.

145145 Verifica-se a autocontradição quando a decisão declara aplicável uma disposição normativa e em

seguida omite sua aplicação ao caso concreto, ou então quando afirma que um fato é relevante e depois não o considera no julgamento, ou quando omite, no dispositivo, questões necessariamente decorrentes da sua fundamentação.

Nación foi alterado pela Lei nº 23.774, em abril de 1990, autorizando-se, a partir de então, que a Suprema Corte negue seguimento a recursos extraordinários, discricionariamente147, “por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas resultaren

insustanciales o carentes de trascendencia”.

Como se percebe, a influência do direito norte-americano mais uma vez se faz presente, mencionando a doutrina argentina que a referida Lei positivou uma espécie de

writ of certiorari, o “certiorari argentino”. Aliás, Lino Enrique Palacio menciona que o

writ of certiorari norte-americano foi invocado textualmente nos debates parlamentares que precederam à aprovação da Lei nº 23.774.

Todavia, aponta o aludido autor que muitas são as diferenças entre o writ of

certiorari norte-americano e o filtro introduzido pela Lei argentina nº 23.774. Em primeiro lugar, o certiorari se refere a um procedimento de avocação de questões a serem julgadas pela Suprema Corte norte-americana, cujo quórum de aprovação corresponde a quatro votos, dentre os nove juízes. O procedimento introduzido na Lei Processual argentina corresponde a uma hipótese de indeferimento do recurso, a ser decidida pela maioria dos ministros da Corte Suprema.

Ademais, o certiorari se inicia por meio de petição diretamente apresentada à Suprema Corte, sendo que o recurso extraordinário federal argentino é interposto perante o tribunal da causa. E a legislação norte-americana não se refere a termos como “ofensa relevante”, “questão insubstancial” ou “transcendência”.

No que tange à primeira hipótese de inadmissibilidade do recurso, a falta de

agravio suficiente se refere a situações em que a decisão recorrida carece da questão federal, elemento básico para a admissibilidade do recurso extraordinário. Todavia, parte da doutrina critica a ambiguidade do termo utilizado pelo legislador argentino, notadamente porque ou as questões federais existem, ou não, em determinado caso concreto, não sendo suscetível de mensuração quantitativa. De acordo com tais críticos, a expressão genericamente construída seria facilitadora do trabalho da Corte, que vem combatendo a sobrecarga” e processos mediante simples referência à fórmula, sem que haja a necessidade de maiores esclarecimentos148.

147 A lei se vale da expressão según su sana discreción.

148 Segundo Lino Enrique Palacio, “se trata, em rigor, de um linguaje desprovisto de mayor significación jurídica” (El recurso extraordinario federal, p. 208).

A questão federal insubstancial se relaciona com a existência de jurisprudência reiterada e dominante da Corte Suprema a respeito do tema debatido, em sentido diverso daquele pretendido pelo recorrente, de modo que inclusive inexistiria, a rigor, qualquer controvérsia acerca da questão federal submetida à Corte149. De acordo com precedentes da Corte Suprema, as questões federais se tornam insubstanciais quando, além da jurisprudência reiterada indicar a improcedência das razões do recorrente, este último não aduzir novos fundamentos que possam levar à modificação do posicionamento sobre o tema150.

Quanto ao terceiro pressuposto negativo, a transcendência, tem sido relacionada com a ideia de gravedad institucional desenvolvida pela Corte a partir dos anos 60. Como explicado acima, essa teoria decorre da necessidade da Corte Suprema argentina em conhecer recursos extraordinários, ainda que ausentes alguns pressupostos ou requisitos de admissibilidade, quando as questões debatidas excederem o mero interesse individual das partes e se projetarem sobre a comunidade.

No entanto, Lino Enrique Palacio afirma se tratar de um conceito mais amplo que o de gravedad institucional, abarcando assuntos que exibem significativa importância jurídica ou econômica151. No que é corroborado por Augusto Morello, ao defender que todas as hipóteses de gravidade institucional possuem transcendência, mas que o inverso nem sempre é verdadeiro152.

A Corte Suprema argentina vem admitindo casos relacionados com a preservação de direitos e garantias constitucionais, tais como violações ao direito de propriedade, à liberdade de imprensa ou a ampla defesa em juízo, e alguns temas referentes à organização, à divisão e ao funcionamento dos poderes.

Detalhadamente, Néstor Sagües153 aponta que as seguintes questões já tiveram sua transcendência reconhecida pela Corte Suprema:

(i) todas as causas que envolvam a declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica;

149 Eduardo Oteiza, El certiorari o el uso de la discrecionalidad, p. 75. 150 “Fallos”, 303-907.

151 El recurso extraordinario federal, p. 212.

152 “Existen otras cuestiones federales igualmente trascendentes que sin revestir el carácter de gravedad institucional, podrán o deberán ser admitidas para el tratamiento de la apelación federal” (La nuova etapa

del recurso extraordinario, p. 163).

(ii) princípio da separação de poderes, defesa do sistema de assistência e seguridade social, autonomia das províncias, organização e funcionamento dos poderes que integram o governo federal, os quais se referem a instituições básicas da nação;

(iii) proteção de todos os princípios, declarações, direitos e garantias inseridos na Carta Constitucional;

(iv) perturbação na prestação de serviços públicos;

(v) exorbitância, ilegalidade ou iniquidade na cobrança de tributos; (vi) jurisprudência contraditória; e

(vii) violação do Estado a suas obrigações internacionais.

Além disso, de acordo com a doutrina majoritária e com a jurisprudência da Corte Suprema argentina, se a ausência da transcendência autoriza a inadmissibilidade do recurso, a presença deste elemento pode justificar a excepcional admissibilidade de recursos extraordinários que, a princípio, seriam inadmissíveis, considerando-se os demais requisitos formais de admissibilidade. Trata-se do chamado certiorari positivo, em contraposição ao certiorari negativo154.

Neste contexto, Mirta Beatriz Valdez e Nelson Omar Monza anotam que essa excepcional admissibilidade de recursos, a princípio inadmissíveis, encontra-se estreitamente relacionada com a teoria da gravedad institucional, a qual permite superar eventuais óbices processuais ao conhecimento das questões de mérito.

Outro ponto a se destacar do direito argentino se refere à desnecessidade de fundamentação da decisão que rechaçar o recurso extraordinário com fundamento no artigo 280 no CPN, uma das poucas semelhanças com o procedimento do writ of certiorari norte- americano.

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