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As funções do recurso extraordinário após a reforma do Judiciário: autonomia da função paradigmática

A EC nº 45/2004, conhecida como reforma do Judiciário, introduziu diversas alterações na Constituição, incluindo a alteração de competências, exigência prévia de atividade jurídica para ingresso na magistratura e a criação do Conselho Nacional de Justiça. Ademais, como novas tentativas de solução da morosidade do Poder Judiciário,

decorrente do excessivo número de ações e recursos, foram introduzidos os institutos da súmula vinculante e da repercussão geral, além da previsão expressa da garantia constitucional de duração razoável do processo.

A possibilidade de edição de súmulas vinculantes está prevista no artigo 103-A da Constituição, dizendo que

o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Neste passo, a possibilidade de se editarem súmulas vinculantes e o novo pressuposto da repercussão geral alteraram significativamente o desenho do controle de constitucionalidade difuso no direito brasileiro, trazendo modificações significativas nas funções do recurso extraordinário, previsto no artigo 103, inciso III, da Constituição.

De início, é possível notar a flagrante valorização dos precedentes da Corte. Antes da Reforma do Judiciário, apenas as decisões proferidas em ações diretas de controle de constitucionalidade gozavam de efeitos erga omnes e vinculantes, de forma que caberia ao Supremo decidir a questão uma única vez para que a decisão fosse respeitada em todo o território nacional59.

Com a possibilidade de edição de súmulas vinculantes e o regime da repercussão geral, as decisões do STF proferidas em sede de controle de constitucionalidade difuso também passaram a ter efeitos erga omnes e vinculantes, isto é, não mais limitados aos processos onde deliberadas. Assim, as decisões proferidas no julgamento de recursos extraordinários não mais precisarão ser repetidas em novos julgamentos, pois passam a ser obrigatórias para os demais órgãos jurisdicionais.

59 É o que prevê ao artigo 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/1999: “a declaração de constitucionalidade ou

de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.” E com a EC 45/2004, tais efeitos passaram a ser previstos pelo próprio texto constitucional, conforme a atual redação do §2º do artigo 102: “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

Em razão disso, a função paradigmática ganhou força evidente, pois as decisões do STF no controle difuso passaram a ter nova força, inclusive vinculante, e não mais exclusivamente persuasiva60.

Para alguns autores, também as funções nomofilática e uniformizadora foram ressaltadas. A função nomofilática se reforça porque, em razão da repercussão geral, apenas as questões entendidas como relevantes serão julgadas pelo STF, de modo que cada vez mais esse Tribunal assume um papel voltado mais à proteção da ordem jurídica do que à proteção do interesse particular dos litigantes. Em relação à função uniformizadora, “porquanto sua existência é presumida sempre que a decisão recorrida for contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal”61.

E se a função nomofilática se mostra evidenciada pelas reformas introduzidas pela EC nº 45/2004, por outro lado a função dikelógica do recurso extraordinário ficou diminuída, visto que a exigência de demonstração da repercussão geral das questões constitucionais, como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário, restringiu – e muito – o acesso individual à Corte. Além disso, a possibilidade de efeitos vinculantes aos precedentes do STF também acabou por dificultar que os jurisdicionados consigam, em cada um de seus processos individuais, rediscutir questões que se entendam já decididas pelo Supremo, ainda que mediante a introdução de argumentos e teses não debatidas no julgamento que originou a súmula ou precedente.

De todo modo, concorda-se apenas parcialmente com tais conclusões, divergindo-se em relação à função uniformizadora, pois se entende que esta função, sob um outro ângulo, também restou enfraquecida.

Como visto, a função uniformizadora do STF guarda relação com a necessidade de manutenção da unidade da Constituição da República de 1988, assim como a proteger os princípios constitucionais da igualdade e segurança jurídica. Tendo em vista que qualquer magistrado no Brasil pode interpretar e aplicar dispositivos constitucionais – e também incidentalmente declarar a inconstitucionalidade de eventual norma infraconstitucional – mostra-se necessária a existência de um órgão jurisdicional de cúpula,

60 “O adequado desempenho da função paradigmática por um tribunal de cúpula, a nosso ver, pressupõe um

requisito essencial: suas decisões devem gozar do respeito da sociedade, dos membros do próprio Poder Judiciário e dos demais órgãos da Administração Pública” (Bruno Dantas, Repercussão geral, p. 83).

61 Bruno Dantas, Repercussão geral, p. 83. No mesmo sentido, Clara Moreira Azzoni: “parece-nos que as

funções paradigmática e uniformizadora das decisões do Supremo Tribunal Federal ganharam muita força a partir da adoção, em nosso sistema, da repercussão geral” (Recurso especial, p. 27).

com competência para uniformizar os entendimentos divergentes a respeito da correta e única interpretação possível das normas constitucionais.

Ora, tal função é imprescindível para a real unidade da Constituição, pois, do contrário, cada Tribunal, cada Estado ou região do país, terá a sua própria Carta Magna, uma vez que as decisões de seus Tribunais não estarão sujeitas ao crivo de um órgão central, cujas decisões se imponham em todo território nacional.

Desta forma, na realidade, o instituto da repercussão geral, ao permitir que o STF negue jurisdição uniformizadora às questões constitucionais entendidas como

irrelevantes, acaba por consequentemente enfraquecer essa função.

A partir de agora, diversas serão as controvérsias que, a despeito de terem sido tratadas no texto constitucional, estarão excluídas da apreciação do Supremo Tribunal Federal e, diante disso, poderão ser divergentemente solucionadas pelos diversos Tribunais

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