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A aceleração dos fluxos na sociedade em midiatização acentua o papel dos fãs na disseminação dos sentidos de uma narrativa. A identificação do fandom com os jovens ocorre na medida em que são estes que atuam com maior desenvoltura junto às TICs recentes, mas essa associação não poderá ser au- tomática. Há de fato um rejuvenescimento nos atores que publi- cam suas criações amadoras na rede, mas será necessário ob- servar a recepção criativa em processos mais longos e variados. Os indícios aqui apontam para a perpetuação de espaços que obtêm subsídios além do capital colaborativo dos fãs. Embora as interações dos atores em si não funcionem com o intuito de lucro, os vínculos expostos até agora consideraram a venda pa- ralela de artigos de Harry Potter (no Facebook), programas para “doação” de dinheiro (Potterish) e cedência de espaços privados para encontros (Herdeiros de Sonserina).

No Facebook não se formaria estritamente um espaço de fãs. Ainda que tenha sido escolhido para compor este estudo por não ser um domínio específico dessa classe, ele difere por consistir mais num repositório de mensagens para dissemina- ção e comentários do que num ambiente participativo de posta- gens criadas pelos aficionados.

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A consagração promovida pelos fãs é homóloga àquela que Flichy relata sobre os amadores, no entanto empreendimen- tos como a Wikipédia representariam melhor sua expressão por considerarem processos criativos que não obedecem às narrati- vas da indústria. De fato, fãs não são profissionais, mas são arte- sãos que moldam objetos da cultura popular segundo vontades recreativas e interacionais, o que exige tempo de dedicação. É possível, portanto, que esse aprendizado promovido no fandom atraia atenção do mercado não só em projetos publicitários, mas também como mão de obra capacitada a trabalhar, em virtude de sua criatividade e conhecimento.

Assim, em relação à experiência cultural contemporâ- nea é necessário um esquema explicativo que contemple todos os aspectos realçados: indústrias de conteúdo, observadores, fãs, estruturas de interação e promotores das interações.

Seria proveitoso que em pesquisas futuras se dê conti- nuidade a uma agenda de trabalho com a categoria fã primando pelas práticas que executa ao longo do tempo, desde os primór- dios modernos, onde se molda em suporte a Star Trek. Entretanto, esses atos estão em processo formativo, sobretudo no que diz res- peito às novas mídias. É curioso notar preliminarmente que, ape- sar da proclamada revolução dos meios digitais, os consumidores continuam a se basear nas mídias tradicionais. A ausência de su- cessos narrativos que se baseiem exclusivamente na rede digital à primeira vista seria considerada indicativo do grau de integra- ção entre as plataformas comunicativas (recentes e consolidadas), mas talvez represente a ausência de estratégias midiáticas nesses ambientes. Como candidatos em potencial para preencher essa la- cuna se encontram as indústrias de conteúdo em parceria com as tecnológicas e, menos provavelmente, os criadores autônomos.

A pergunta que nos guiou até agora, se as práticas dos fãs na rede mundial de computadores configuram continuação ou ruptura com os procedimentos do século passado, só apre- senta considerações inacabadas. Mas arriscamos observar que há mais similaridades do que divergências entre o processo ava- liado por Jenkins em 1992 e a situação dos fãs de Harry Potter. A principal alteração seria o alcance e a forma de difusão das cria- ções amadoras, que igualmente prestam reverência à indústria da cultura sem ameaçar as macronarrativas.

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Ao mesmo tempo, as perspectivas de Miège e Flichy brevemente estudadas aqui se tensionam no tocante à ascensão do amador, do usuário comum, e à democratização das compe- tências. Enquanto para o primeiro elas dependeriam também de condições imateriais, como questões políticas e culturais, o se- gundo parece destacar o fenômeno global de digitalização como suficiente para atribuir esse estatuto ao saber-fazer. Tomada em toda a sua extensão, a proposição tende a interpretar como ho- mogêneo um fenômeno poroso. A crescente democratização das experiências não é apenas resultado do condicionamento biva- lente entre tecnologia e apropriação social dela, mas remonta a estruturas distintas conforme os países analisados; tem sua razão em condições culturais, econômicas e políticas que não devem ser aplainadas por esse conceito global.

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Da utopia à realização de projetos: