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4 Os amadores e a cidadania

4.5 Petições online

A informação não é apenas coletada: ela pode ser lida e comentada de modo crítico. Aqui, o amador toma distância da autoridade dos representantes políticos. Essa atividade pode in- centivar críticas ferozes. Denunciar os discursos políticos domi- nantes constitui, de fato, a segunda atividade política do amador. Os alvos são numerosos: o lobby nuclear, os empresários que deixaram operários trabalhar com amianto, a Europa neoliberal, etc.

A petição online é igualmente uma ação clássica; a In- ternet permite, assim, articular os coletivos e, como observa Fa-

bien Granjon, “pôr em visibilidade a multidão”37.

Por fim, a democracia reticular pode assumir duas for- mas. Em alguns casos, ela é um estímulo que obriga os eleitos a considerarem o cidadão fora do período eleitoral; força os jor- nalistas a se interessarem por outros eventos, menos eviden- tes ou menos visíveis. Nesse sentido, ela é um contrapoder. Em outras situações hoje mais restritas, o cidadão comum, amador conectado em suas redes informatizadas, adquire um poder real: ele escreve blogs que se tornam meios de referência, as- sume importância em campanhas eleitorais que se afastam de caminhos que já se esgotaram. As práticas amadoras possibili- tam uma produção de informações e de opiniões importantes. De aparência modesta, elas se tornaram indispensáveis à vida social e política.

5 Conclusão

Então, aparentemente o amadorismo contemporâneo, sob a pretensa diversidade das práticas e dos modos de ação (do fazer e do dizer), remete à articulação de três grandes evoluções de nossa sociedade.

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Primeiramente, o amadorismo se inscreve no movi- mento de individualização contemporânea. Ele reflete a vontade do indivíduo de construir sua identidade, de favorecer seu desen- volvimento pessoal, de aprimorar-se em atividades de seu inte- resse, de agir em busca de seu prazer. O indivíduo pode encon- trar aí as satisfações que nem sempre as atividades profissionais contemplam. Sua busca identitária o faz expressar seus talentos, extravasar sua singularidade diante de outros. A elaboração de sua identidade digital lhe permite tanto se distinguir quanto ser reconhecido e estabelecer ligações. Mas o amador não é absolu- tamente indiferente às gratificações simbólicas (por exemplo, o orgulho e a fama) que pode obter de sua atividade.

Graças à Internet, o amador pode facilmente recorrer aos recursos cognitivos de que necessita para exercer suas ati- vidades. Ele pode também se voltar sobre si e confrontar outros modos de dizer e de fazer. O internauta dispõe, como qualquer trabalhador intelectual, de um comentário diversificado sobre sua atividade tão logo ela é submetida online. Ele recebe encora- jamento, críticas, correções, sobretudo se sua atividade se insere num trabalho coletivo. Se sua produção corresponde a uma pla- taforma de blogs ou um site de compartilhamento, ele dispõe de uma variedade de dados sobre os “visitantes” que se interessam pela sua produção.

A ascensão ao poder dos amadores se inscreve também num movimento de difusão e extensão dos saberes e das compe-

tências. O amador se distingue do indivíduo comum pelo impor-

tante esforço de aprendizado e de formação que faz. A expertise que acumula é essencial na sua ligação a uma prática qualquer. Os novos saberes que ele adquire envolvem múltiplos domínios da cultura, das ciências e das técnicas. Seus conhecimentos não se limitam aos campos legítimos, mas acionam setores e áreas excluídas das instituições escolares: cultura popular, saberes práticos, bricolagem técnica.

O amador tem acesso a esses saberes através de novas formas de aprendizagem que raramente têm lugar na escola ou na formação continuada, mas que correspondem acima de tudo a um autoaprendizado: inscrevem-se num quadro de estruturas as- sociativas ou, mais recentemente, na sequência das novas tecno- logias digitais, principalmente a Internet. Na web, o amador pode

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coletar várias informações, mas especialmente pode encontrar conselhos, requisitar ajudar, debater com semelhantes, ser ava- liado, aprender pela prática. Esses mecanismos de autodidatismo são mais relevantes que o avanço na formação escolar desde meio século. No entanto, esses saberes, que se desenvolveram numa lógica da paixão, são fragmentados. O amador contemporâneo dispõe, por outro lado, de ferramentas informatizadas bastante próximas daquelas dos profissionais. No seu PC executam-se ló- gicas de tratamento de texto, de criação musical ou de edição de imagem que lhe permitem realizar um trabalho de boa qualidade. Desse modo, sua produção pode ser incorporada em plataformas onde se encontra lado a lado com a dos profissionais.

Enfim, a sociedade dos amadores é uma sociedade mais

democrática. É uma sociedade na qual se considera que cada in-

divíduo possui alguma competência e que esses elementos po- dem ser associados através dos dispositivos cooperativos. Por outro lado, os indivíduos não recorrem cegamente aos profis- sionais-especialistas, que são os críticos, os engenheiros e os acadêmicos. Nas áreas nas quais construiu suas competências, o amador pode excepcionalmente substituir o especialista, mas a ele importa sobretudo formar sua opinião e defendê-la. Ele pode acessar uma infinidade de informações que antes eram desco- nhecidas: graças a elas, torna-se capaz de elaborar um discurso crítico, de avaliar a posição do profissional-especialista em re- lação à sua experiência ou a suas próprias práticas. Ele adquire, assim, os meios e a confiança que lhe permitem se posicionar com relação ao profissional, interrogá-lo, observá-lo e mesmo contestá-lo ao sustentar um argumento baseado em suas opi- niões. O amador faz o profissional-especialista descer de seu pedestal, impede que este monopolize os debates públicos. O amador utiliza seu talento ou competência como um instrumen- to de poder. Finalmente, ele contribui para a democratização de algumas práticas, como o discurso crítico que o acompanha. O amador exige que os criadores e produtores atentem a seu pú- blico, que os acadêmicos considerem outros cenários, que os professores integrem melhor o ponto de vista do aluno, que os médicos tratem de modo distinto os seus pacientes.

Apesar de suas imperfeições, a sociedade dos amado- res é uma sociedade na qual um grande número de indivíduos

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pode de diversas maneiras cultivar suas paixões, aumentar seus conhecimentos e abrir novos caminhos à democracia. O amador não é, então, um intruso nem um substituto do especialista; ele é o ator que motiva nossa sociedade a considerar mais democrá- tica e respeitosamente cada um.

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