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A partir dos materiais, coletamos indícios e buscamos inferências. O primeiro passo neste sentido de construção é a construção de figuras (BARTHES, 1981), ou daquilo que um determinado acontecimento nos evoca, em seus fragmentos. Através de um exercício reflexivo exaustivo, aproximamo-nos de várias figuras já conhecidas na cultura, algumas presentes in- clusive na literatura sobre essa interface (comunicação, meios midiáticos e saúde). A pesquisa bibliográfica nos permitiu iden- tificar um núcleo que compõe as narrativas diversas enquanto ambiente, que pode também ser nominado como phaneron, por onde transitam os indivíduos conectados em duplo vínculo – com os meios e com a busca da cura. Este núcleo é idêntico ao hexágono apresentado por Blanché (2012, p. 147):

Figura 1 - Reprodução, redesenhada, de diagrama de Blanché

Faltam, como destaca Blanché para o francês, os termos gregos “aphobia” e “aphilia”. Mas esses sentidos estão nas narra- tivas observadas: o indivíduo desfiliado a uma crença de cura; o afóbico, sendo aquele que não teme a morte ou a doença, que a trata, muitas vezes, com uma leveza incompreensível. Portanto, as figuras conhecidas devem, muitas vezes, ser complementadas com outras, desconhecidas, inventadas, para a compreensão de processos subterrâneos que transitam nas interações observa- das. Quatro das figuras são conhecidas:

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1. Pathos (path) “é uma palavra grega que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passivida- de, sofrimento, assujeitamento, sentimento e liga- ção afetiva [...] o conceito está ligado a padecer, pois o que é passivo de um acontecimento, padece deste mesmo” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Pathos). 2. Apatia “é a falta de emoção, motivação ou entu-

siasmo. É um termo psicológico para um estado de indiferença, no qual um indivíduo não responde aos estímulos da vida emocional, social ou física. A apatia clínica é considerada depressão no nível mais moderado e diagnosticado como transtorno dissociativo de identidade no nível extremo. O as- pecto físico da apatia se associa ao desgaste físico, enfraquecimento dos músculos e a falta de ener- gia chamada letargia, que tem muitas causas pato- lógicas também” (https://pt.wikipedia.org/wiki/ Apatia).

3. “Phobia (do grego φόβος, ‘medo’), em linguagem comum, é o temor ou aversão exagerada ante si- tuações, objetos, animais, lugares ou pessoas” (ht- tps://pt.wikipedia.org/wiki/Phobia).

4. Aphobia – Não se declarar com medo perante uma situação.

5. “Philia (em grego antigo φιλία / philía) é a palavra grega para exprimir amizade ou camaradagem. Designava originalmente hospitalidade, dito de outra forma, não propriamente uma relação senti- mental, mas sim de pertencimento a um grupo so-

cial” (https://fr.wikipedia.org/wiki/Philia)3.

6. Aphilia – A declaração de não pertença.

3 No original: “Philia (en grec ancien φιλία / philía) est le mot grec pour expri- mer l’amitié ou la camaraderie. Il désignait à l’origine l’hospitalité1, autrement dit proprement non une relation sentimentale mais l’appartenance à un groupe social”.

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Essas figuras passam, então, a ser acionadas descritiva- mente. Ou seja, retorna-se aos materiais indiciados, agora a par- tir das inferências. No processo, novas figuras são descobertas, inclusive como desdobramentos daquelas que compõem o hexá- gono da figura 1, conforme ilustramos abaixo, em torno de duas tríades: – pathos, philia e phobia; – apathia, aphilia e aphobia.

1. Pathos:

a. “Foi triste. É triste. Em outras palavras: É HORRÍVEL!!!”

b. “Depressão também tem seus dias de pico... Tem dias que simplesmente não dá. Mas obrigada por tentar” – sobre a depressão em relação à doença. c. “Praia? Nem pensar. E olha que tentei. Sem chan-

ce. O mar não ficava azul. O céu era cinza. Mesmo em dias de sol... Não conseguia.”

d. “Saí mais por baixo e deprimido que entrei.” e. “Todos olhavam como sem esperanças de vida,

pois tinha perdido muito sangue e estava bem pálido.”

f. “Não me lembro de ter sofrido tanto em outra oca- sião da minha vida. Chorei muito, fiquei desnor- teada, parecia anestesiada.”

g. “Eu senti um calafrio percorrer o meu corpo. Chorei muito porque ia perder os meus cabelos.” h. “Vi aterrorizado o meu tempo de vida.”

i. “Eu disse que não. Então fui eu mesma cortando, por partes, e por fim algumas lágrimas rolaram. Eu estava me sentindo muito feia. Depois fiquei olhando para todo aquele cabelo no chão. Parecia que a minha beleza estava lá caída no chão.” j. “Nada conteve o avanço da doença. Um ano e meio

de sofrimento que, nos últimos meses de vida, só foram atenuados com medicação à base de morfina.”

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2. Philia:

a. “Você agora tem uma cicatriz gigante no peito... (ou nos dois, ou na barriga...). E sabe o que isso quer dizer? NADA! Quanta mulher não anda ope- rando e ficando com cicatriz enorme por motivos estéticos. A nossa foi sobrevivência, baby...:)” – co- nexão com a doença.

b. “Orei e pedi orientação.”

c. “Foi com esse espírito que eu me internei, agarra- da a um terço que só me foi tirado das mãos quan- do já estava anestesiada no centro cirúrgico.” d. “Na recepção pedi a Deus que me desse um sinal e

me mostrasse se aquele urologista era realmente quem resolveria meu problema.”

e. “Reze, ore, em conformidade com o que acredita, direcione energias positivas.”

f. “Porque se Deus quiser eu não tenho mais câncer. Se Deus quiser, deu tudo certo.”

g. “Naquele momento eu rezava muito, todos reza- vam muito pedindo que me fosse dada uma nova chance.”

h. “E na nossa vida em geral precisamos de mais CARMA!”

i. “Eu estou lendo um livro que se chama ‘A Bíblia da Meditação’ que ensina várias técnicas de medita- ção e relaxamento.”

j. “Sentia muita culpa por pensar assim porque eu sabia que Deus só queria o melhor para mim.” k. “Foi nesse primeiro choro que eu decidi que pre-

cisava voltar a ter acompanhamento psicológico e nutricional, pois eu estava perdendo muito peso.” l. “Estou cheia de energia, quase explodindo de ale-

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m. “Tenho muita confiança nos meus médicos e no meu tratamento.”

n. “A FÉ é o alimento da alma. É o caminho até ao PAI. Sempre tive muita e nesses cinco meses que lutei contra o câncer, tinha a certeza que alcança- ria a cura, pois não estava sozinho, eu nunca esti- ve sozinho.”

o. “Encontrei próximo dali a igreja de Nossa Senhora das Mercês, onde pude. por diversas ocasiões, fa- zer minhas orações.”

3. Phobia:

a. “Medo de morrer ainda aparece.”

b. ”Não é bom estar voando muito alto, pois pode ser que a queda seja muito, muito grande. E dolorida.”

c. “Minha mama tá sangrando. O que é isso? Só pode ser câncer. Eu vou morrer. Eu só tenho 25 anos. Não quero morrer.”

4. Apathia

a. “Praia? Nem pensar. E olha que tentei. Sem chan- ce. O mar não ficava azul. O céu era cinza. Mesmo em dias de sol... Não conseguia.”

b. “Se transformasse em uma desesperança, uma desilusão.”

5. Aphilia:

a. “Quase todo mundo dá aquele sumiço dos blogs quando acaba o período mais crítico da doença... É triste, é ruim, eu mesma tinha raiva disso” – desfiliação do duplo vínculo.

b. “O MAIOR erro de minha vida foi deixar-me levar por pessoas que eu acreditava que eram doutores naquilo a que se propunham.”

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c. “Ora, neste momento, você precisa de ‘colo’, de um pouco mais de atenção, o que do famoso Dr. você não recebe. Ao contrário do que ele recentemente declarou à revista Veja, ele não dá um tratamento humano aos pacientes.”

d. “Mas eu realmente não quero que ninguém tenha piedade de mim e outras coisas. Alguém pode me ajudar? Não, então eu vou carregar essa cruz sozinho.”

e. “Questionei muito Deus.”

f. “Outra coisa que não ajudava em nada era a vonta- de das outras pessoas de me ajudar. Por acaso eu pedi?”

g. “Várias vezes, eu hesitava em sair de casa e prefe- ria me isolar e me ‘proteger’ dos pensamentos e olhares alheios.”

6. Aphobia:

a. “E para de querer fazer os exames de tudo quanto é coisa porque quer descobrir logo se tem metás- tase... Na boa, se tiver, você vai tratar. Para de so- frer de véspera!”

b. “Refeito do susto inicial, pensei que aquilo com certeza estava errado.”

c. “Eu me sentia diferente, como se todos olhas- sem para a minha mama. Isso com o tempo foi passando.”

d. “Aí eu entro em pânico e ele, na maior paciência do mundo, continua falando até eu entender o que ele quer dizer.”

e. “Já combinei com a minha Rô que vou almoçar com ela, que insiste que eu preciso de comida caseira. Sei lá se isso faz sentido, mas eu não vou dispensar.”

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