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4 Os amadores e a cidadania

4.4 O ativismo eletrônico

Um quarto dos internautas franceses declarou ter assi- nado uma petição online; 17% enviou aos contatos informações políticas de diversos modos; 11% comentou sobre atualidades

31 AMOSSY, Ruth. Discours polémique et oralité dans les blogs et les commentaires des internautes. In: Les médias et le politique: Actes du colloque “Le français parlé dans les médias”. Lausanne, 2009.

32 SERFATY, Viviane. L’Internet en politique: Des États-Unis à l’Europe. Stras- bourg: Presses universitaires de Strasbourg, 2002, p. 411.

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políticas em um site ou blog; 5% participou em um fórum de

discussão política33.

A Internet assume, assim, um papel na atividade polí- tica. Mais profundamente, ela se inscreve numa transformação da ação política dos cidadãos. Com efeito, a crise da democracia representativa, muitas vezes evocada, é acompanhada de um de- clínio das grandes organizações políticas. Observa-se, segundo a

expressão de Jacques Ion, “o fim dos militantes”34. Não que a ação

política dos indivíduos tenha cessado, mas ela toma outra for- ma. Não é mais tão regular quanto antes, estruturada por gran- des organizações partidárias. As redes políticas que, nos anos 1950 ou 1960, substituíram as grandes organizações verticais são hoje mobilizadas pela iniciativa de indivíduos que defendem uma causa precisa, de modo intenso e por um período de tem- po limitado. Tem-se, assim, a transição de um “engajamento por filiação”, no interior de uma determinada organização, para um

“engajamento alforriado”35. O nós minúsculo que unifica indiví-

duos singulares, motivados pela dimensão pessoal de sua ação, foi substituído pelo Nós que reúne atores anônimos e lhes impõe um modo de visibilidade particular (aquele da classe operária, por exemplo). A fala individual é substituída pela fala coletiva expressa pelos porta-vozes devidamente nomeados.

Jacques Ion observa ainda uma outra modalidade de “engajamento alforriado”: o fato da ação política ou cidadã não necessitar mais da presença simultânea dos militantes. A Anis- tia Internacional constitui um bom exemplo de organização que funciona sem a presença física, ao utilizar ao máximo o correio e o e-mail. Nessas novas organizações, os membros não possuem necessariamente uma identidade coletiva e podem ser recruta- dos antes de tudo por suas competências individuais específicas (conhecimento técnico, jurídico, experiência midiática, etc.). Há meio século, a identidade política poderia estruturar a identida-

33 JOUGLA, Pierre. Les usages politiques d’Internet. In: TNS Sofres. L’État de l’opi- nion. Paris Seuil, 2010. Note-se que os resultados franceses são bastante pró- ximos dos resultados estadunidenses (SMITH, Aaron. Civic Engagement Online: Politics as Usual. Pew Internet & American Life Project, Sept. 2009).

34 ION, Jacques. La Fin des militants. Paris, Éditions de l’Atelier, 1997.

35 ION, Jacques (org.). L’Engagement au pluriel. Saint-Étienne: Publications de l’université de Saint-Étienne, 2001.

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de individual, mas hoje o engajamento é limitado à própria ação. O indivíduo investe na luta uma de suas próprias facetas. Con- trariamente ao militante tradicional, ele não é mais ligado a uma única organização; pode se engajar numa pluralidade de causas às quais se associa em função de seus interesses pessoais e sua identidade; pode se articular assim em diferentes redes. Encon- tramos aí um fenômeno que já observamos em outras atividades amadoras, que são simultaneamente intensas e limitadas.

Podemos acreditar que esses engajamentos plurais e cidadãos em ações atomizadas acarretem uma supervalorização da dimensão local; parece haver, ao contrário, uma pedagogia da reflexão local, que estimula os atores a “extrapolar os pro- blemas” ao passar do específico ao geral. Essas novas formas de engajamento político, mais distantes e limitadas, independentes das instituições, apoiam-se nas redes construídas pelos próprios atores. Por envolverem diretamente o cidadão, elas encontram na Internet uma ferramenta eficaz que permite se coordenar, se- guir a temporalidade de um movimento social e uma militância em rede. O ativismo eletrônico é bem adaptado a essas novas formas de engajamento. Ele permite monitorar a ação dos po- deres públicos e das empresas (por exemplo, na área de riscos à saúde e ao meio ambiente), denunciar suas ações, fornecer um sentido aos fenômenos sociais e, finalmente, expressar uma opi- nião minoritária diante de outros cidadãos.

Essa nova ação política se inscreve na “contrademocra- cia” estudada por Pierre Rosanvallon, que percebeu na Internet

“um espaço generalizado de cuidado e avaliação do mundo”36.

Em relação à ação política dos amadores, a contrademocracia toma, no entanto, formas um pouco diferentes. Ao lado dos dois exemplos de cuidado e denúncia, pode-se ver surgir outros: o da construção de sentido e da convicção.

Esses modos de engajamento amador permitem passar de um espaço êxtimo, onde cada um expressa simplesmente sua opinião, a um espaço público onde se manifestam e se coadunam opiniões coletivas. A primeira tarefa é uma atividade de monito- ramento, de coleta de informações. Essa coleta pode compreen-

36 ROSANVALLON, Pierre. La Contre-démocratie: La politique à l’âge de la dé- fiance. Paris: Seuil, 2006, p. 75.

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der tanto a evolução das leis e da regulamentação quanto situ- ações de sofrimento social (demissões, despejos, problemas de saúde, etc.).