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A cultura dos video games, ou o fato de uma pessoa se identificar enquanto gamer, pode ser vista de forma similar ao modo como ocorrem as identificações dos consumidores com outros produtos de entretenimento, como o cinema e seus ci- néfilos, e talvez até se apresente mais intensa em alguns casos. Um autor que colabora para este entendimento da vivência com jogos em grupo é Huizinga (2010) quando afirma que “as comu- nidades de jogadores geralmente tendem a tornarem-se perma- nentes, mesmo depois de acabado o jogo” (HUIZINGA, 2010, p. 15), reforçando a ideia de identificação dos indivíduos enquanto comunidade mesmo fora do evento de “estar jogando”. Assim, jogadores seguem vivendo a cultura dos video games em trocas comunicacionais ocorrentes em várias instâncias de suas vidas. Ser gamer também poderia ser um dos muitos distintivos que compõem a identidade de um indivíduo.

Foram apresentadas anteriormente algumas informa- ções que podem indicar que a forma como as mulheres se rela- cionam com games, dentro de toda sua pluralidade de identida- des e características, pode ser distinta da forma como a maioria dos homens têm relação com jogos digitais. A hipótese de que a quantidade de mulheres gamers vem crescendo pode ter vários motivos, inclusive nos remeter à ideia de identidade múltipla e fragmentada de Hall: “O sujeito, previamente vivido e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-re- solvidas” (HALL, 2001, p. 12).

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Ainda considerando a identidade cultural pós-moderna de Hall, entende-se que a forma das mulheres se relacionarem com os games pode se dar de forma idêntica à de homens, ainda mais se se levar em conta o quanto a cultura gamer parece estar se tornando comum; no entanto, fala-se aqui sobre as diferenças nas relações. Considera-se também o conceito de “identidade relacional” mencionado por Kathryn Woodward (2000) e ain- da Bourdieu (2011) quando alega que o feminino também pode ser o não masculino, ao mesmo tempo que denuncia as formas de pensar sedimentadas por dicotomias e oposições. Apesar de criticar essa forma de pensar, Bourdieu (2011) não nega que tal forma exista incrustrada no senso comum e que pode ter sido construída culturalmente, colocando o homem em um ponto e a mulher no ponto oposto. Segue-se levando em conta o discurso de Bourdieu, assumindo que comportamentos e identidades po- dem, sim, ser mediados por questões de gênero.

Embora haja diferenças entre as formas como homens e mulheres se relacionam com os jogos, entende-se o público fe- minino, assim como o masculino, como plurais e com identida- des múltiplas.

[...] as identidades estão em permanente constru- ção, metamorfoseando-se constantemente, atra- vessadas tanto pelos discursos públicos quanto pelas práticas e experiências dos sujeitos, entra- nhados numa determinada conjuntura histórica. (ESCOSTEGUY; SIFUENTES, 2011, p. 5).

Uma vez assumindo que o gênero e/ou o sexo de um indivíduo teria relação com a construção de sua identidade e a maneira em que o consumo cultural é estabelecido, faz-se neces- sário colocar algumas perspectivas sobre conceitos que são usa- dos como suporte neste texto. Antes de entrar em alguma obser- vação quanto ao que autores dizem sobre este assunto, aceitam- -se a pluralidade, o hibridismo, a instabilidade e contradições no que diz respeito à forma como os sujeitos constroem suas iden- tidades por meio de ação, discurso, representação e sentimento sobre si mesmos. O mesmo se pode dizer sobre os diversos con- ceitos de gênero, tratando-os assim mesmo no plural.

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É preciso enfatizar também a dissociação de sexo e gênero, por vezes tratados erroneamente como sinônimos, fato este que apenas contribui para um entendimento dicotômico de gêneros entre feminino e masculino, homem e mulher, macho e fêmea. São vários os autores que colaboram para esta com- preensão que renega o essencialismo, tais como Judith Butler (1990), Gayle Rubin (2013), Simone de Beauvoir (1967), Pierre Bourdieu (2011) e Joan Scott (1989), entre outros.

Se o conceito de gênero parece ser tão plural, have- ria como conceitualizarmos o feminino ou a mulher? Enquanto Judith Butler pensa em gênero como a interseção entre clas- se, raça, consumo, representação, corpo, etc., Linda Nicholson prefere a perspectiva da “coexistência desses vários fatores” (ALMEIDA, 2002, p. 91):

Quero sugerir que pensemos no sentido de “mu- lher” do mesmo jeito que Wittgenstein sugeriu pen- sarmos o sentido de “jogo”, como palavra cujo sen- tido não é encontrado através da elucidação de uma característica específica, mas através da elaboração de uma complexa rede de características. Essa su- gestão certamente leva em conta o fato de que deve haver algumas características — como a posse de uma vagina e uma idade mínima — que exercem um papel dominante dentro dessa rede por longos pe- ríodos de tempo (NICHOLSON, 2000, p. 27).

Vários textos, incluindo o de Nicholson (2000), ainda falam sobre os movimentos baseados em crenças religiosas que teriam insistido em manter firme a ideia dicotômica de mascu- lino e feminino. Assim como Gayle Rubin, Linda Nicholson tam- bém se apoia nas palavras de Marx e outros pensadores, quando assume a “grande importância da sociedade na constituição do caráter” (NICHOLSON, 2000, p. 14).

Após este breve passeio por alguns pensamentos acer- ca de gênero, até mesmo de uma linha em direção à possibilida- de de construção de uma “identidade feminina”, pode-se pensar que, mesmo com toda a trajetória e os esforços dos pesquisa- dores de gênero e do feminismo, ainda há muito o que se tra- tar, ainda mais considerando o ritmo acelerado e a instabilidade

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constante nas mutações culturais e sociais. A tentativa de definir uma “identidade feminina” com base apenas em características físicas não é suficiente, assim como não se pode afirmar que, para um indivíduo ser uma mulher, basta apenas possuir uma vagina, parir e amamentar ou então “comportar-se de acordo”. A “categoria mulher” (PISCITELLI, 2001) pode ser pensada não somente em como o indivíduo se sente, seu discurso e entendi- mentos sobre si mesmo, sua posição na família e como a socie- dade (a patriarcal, no caso) o enxerga em um “jogo” de quem eu sou, por que eu sou, quem me diz o que tenho que ser e como sou visto pelos outros em diferentes instâncias da minha vida.