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CAPÍTULO 4: A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: FUNDAMENTOS

4.1 Bases Históricas da Ciência da Informação

4.1.3 Construção do Objeto de Estudo

Parte da dificuldade de definição do campo do conhecimento da Ciência da Informação se deve à complexidade e às indefinições que cercam o seu objeto de estudo. E, nesse sentido, é preciso considerar que o campo é definido a partir de um conjunto de elementos diretamente relacionados aos problemas construídos em torno do objeto. Apesar de a informação ser identificada como o objeto, existem alguns pesquisadores que buscam localizá-lo na recuperação da informação como um todo ou em parte desse processo.

De modo geral, a construção do objeto de estudo do campo da Ciência da Informação se encontra no domínio amplo do conceito de informação. Cada pesquisador ou perspectiva

adotada procura defini-lo com base no conjunto de referenciais que considera adequado tendo como referência a abrangência do domínio epistemológico a que se referiu acima. Nesse sentido, autores como Wersig e Neveling (1975), Buckland (1991), González de Gómez, (1990, 2002a), Pinheiro (2002) e Zins (2007c), entre outros, vêm procurando estabelecer uma correlação entre a definição do objeto de estudo informação e a delimitação do campo de conhecimento da Ciência da Informação, em diversos contextos.

Wersig e Neveling (1975) identificam seis abordagens do conceito de informação: abordagem estrutural ou orientada para a matéria, abordagem do conhecimento, abordagem da mensagem, abordagem do significado, abordagem do efeito ou orientada para o receptor, e abordagem do processo. Cada uma delas estabelece relação com outros conceitos, tais como conhecimento, efeito, mensagem, significado e receptor, que trazem consigo um amplo arcaboço teórico-metodológico que as sustentam. Além disso, pelo menos, quatro dessas abordagens apresentam diversas variantes. Considerando que o objeto de estudo é produto de uma delimitação teórico-metodológica, basta observar aqui que essas abordagens e variantes decorrem da multiplicidade de conceitos, métodos, leis e teorias que as fundamentam.

Nesse mesmo horizonte da multiplicidade de definições do objeto da informação, Buckland (1991) identifica três significados gerais para o conceito de informação: informação-como-processo, informação-como-conhecimento e informação-como-coisa. No primeiro, a informação é compreendida como o ato-de-informar, ou seja, está diretamente vinculada ao processo de comunicação de algum fato ou ocorrência. Na base desse conceito, encontra-se a noção de mudança de estrutura de Brookes (1980), pois, na medida em que o sujeito-é-informado, há alteração na sua estrutura de conhecimento. Sua atenção, porém, é voltada para o processo informacional ou, de forma mais adequada, comunicacional.

O segundo conceito apresentado por Buckland (1991) se atém à substância do ato-de- informar, que implica focar naquilo que é transmitido, tais como fato particular, assunto, evento ou notícia. Com efeito, essa concepção compreende a informação como elemento intangível e, portanto, impossibilitada ao acesso, à medição e ao tratamento físico-material. Para ser comunicada, necessita ser expressa, descrita ou representada em alguma forma física, como um texto, um som, um sinal, entre outras.

Nesse processo de exteriorização da informação-como-conhecimento, implica necessariamente a noção de informação-como-coisa, que é atribuída a objetos-informativos, tais como documentos. Além da qualidade tangível, que decorre, principalmente, de seu estado físico e de sua mensurabilidade, esse tipo de informação se caracteriza pela condição

de informatividade. Isso implica dizer que nem todos os objetos são considerados como informativos (BUCKLAND, 1991).

Segundo Buckland (1991), embora o conhecimento possa ser representado no cérebro como algo fisicamente tangível, na sua abordagem, é importante diferenciá-lo de conhecimento armazenável artificialmente, uma vez que o ponto de vista é lançado justamente na função que têm os sistemas de informação de selecionar, tratar, organizar e disponibilizar informação.

A abordagem de informação-como-coisa de Buckland (1991) está vinculada à possibilidade de seleconá-la, armazená-la e recuperá-la em sistemas artificiais de informação. Essa é uma proposta de delimitação que pode resolver algumas questões, mas traz outros problemas. As noções de documento e de objeto-informativo evidenciam esses entraves. No momento em que a informatividade de um objeto se instala no domínio subjetivo, há o retorno das questões excluídas do que é denominado de informação-como-processo e de informação- como-conhecimento. Esses três pontos de vista são constitutivos de um mesmo objeto. Diante disso, Capurro (2003) aponta a necessidade de uma teoria unificada da informação, que evidencie a tessitura complexa da linguagem comum e da teorização científica.

Quando o usuário é situado no sistema de recuperação de informação, pensa-se muito na relação homem-máquina (SARACEVIC, 1992, 1995, 1996, 1997) e negligenciam-se os aspectos semânticos por não se apresentarem como mais significativos. A coisa ou objeto em si é parte da materialidade física da informação e que se manifesta de forma mais tangível. A informação-como-coisa é, contudo, colada na informação-como-processo, uma vez que a decisão sobre a informatividade daquela se opera no processo informacional. Nesse sentido, considera-se a materialidade da coisa em si como estrutura significante que está necessariamente vinculada à ação do usuário sobre ela. De outra forma, é essa dinâmica entre a estrutura e o processo informacional que constitui a informação, a informação-como- conhecimento. Isso implica que “a informação está associada não só aos seus produtos, mas também ao modo de funcionamento de sua produção (processo e produto). De fato, qualquer tentativa de sistematização da área pressupõe uma definição da ‘informação’ considerada pertinente” (KOBASHI; SMIT; TÁLAMO, 2001, p. 5, grifo das autoras).

Kobashi e Tálamo (2003, p. 10) fazem um importante movimento ao procurar especificar o objeto material e o objeto de estudo, esclarecendo que “[...] a informação documentada é objeto material da Ciência da Informação, enquanto que os processos de sua estruturação para o fluxo e a recepção são seu objeto formal”. Por outro lado, não se pode perder de vista o alargamento dessa delimitação apontada pelas autoras ao destacar que:

Os sistemas de informação, enquanto expressões da memória coletiva, operam em distintos espaços assumindo aspectos contraditórios: a informação é ora bem cultural à qual deve-se garantir acesso universal, ora é produto de valor comercial, alvo de disputas legais para sua proteção e apropriação privada. Sob o paradigma tecnológico, contudo, informação é sinal e mensagem (KOBASHI; TÁLAMO, 2003, p. 17).

De acordo com Capurro e Hjøland (2007, p. 150), “[...] a introdução do conceito de informação, por volta de 1950, no domínio da Biblioteconomia Especializada e da Documentação, tem tido, por si mesmo, sérias consequências para os tipos de conhecimento e teorias desenvolvidas em nosso campo”. Para os autores, as questões de conceitualização ficam ainda mais amplas e complexas quando se considera não somente o conceito de informação, mas, principalmente, quando se pretende estabelecer uma rede conceitual com outros próximos, tais como documento, textos e conhecimento.

O objeto de estudo da área, a informação, é um campo vasto e complexo de pesquisas, tradicionalmente relacionadas a documentos impressos e a bibliotecas, quando de fato a informação de que trata a Ciência da Informação, tanto pode estar num diálogo de cientistas, em comunicação informal, numa inovação para o setor produtivo, em patente, numa fotografia ou objeto, no registro magnético de uma base de dados ou numa biblioteca virtual ou repositório, na Internet (PINHEIRO, 2002, p. 62-63).

Em Zins (2007c), o objeto de estudo informação é situado em uma rede conceitual composta pelos fenômenos DICM, embora este último se apresente em proporções bem menores. Segundo o autor, esses conceitos estão interligados, todavia, os significados e a natureza das relações entre eles são bastante discutíveis. Esses conceitos são dispostos em uma ordem sequencial crescente de inter-relação por alguns pesquisadores que fizeram parte de sua pesquisa, mas essa noção de crescendum é considerada por Rafael Capurro como mera fantasia.

Dado, informação, conhecimento. Colocar os três conceitos (“dados”,

“informação” e “conhecimento”) como é feito aqui, dá a impressão de uma hierarquia lógica: Informação é definida em conjunto de dados e conhecimento sai da elaboração de material informativo. Este é um conto de fadas. [8] (Rafael Capurro) (ZINS, 2007c, p. 481, tradução nossa).

Existe, na literatura, concepção inversa desse continuum já que a informação é qualitativamente posterior ao conhecimento em um processo de contextualização ou recontextualização. “O valor da informação, sua mais-valia com respeito ao mero conhecimento, consiste precisamente da possibilidade prática de aplicar um conhecimento a uma demanda concreta. Assim considerado, o conhecimento é informação em potencial” (CAPURRO, 2003).

De acordo com Capurro (2003), considerando a multiplicidade de abordagens em torno do objeto informacional, há necessidade de delimitá-lo no contexto da sociedade contemporânea o que, a um só tempo, significa situá-lo no processo de globalização e, na sequência, necessariamente estabelecer a sua localização. A complexidade do objeto de estudo não se encontra, portanto, exclusivamente no domínio semântico, mas nas condições amplas e restritas que o circundam.

Zins (2007a) situa os fenômenos dado, informação e conhecimento nos domínios subjetivo ou interno (DS) e universal ou externo (DU), chegando a cinco modelos:

1. O primeiro modelo DU: D-I, DS: C; significado: D-I são fenômenos externos; C são fenômenos internos. Este modelo é o mais comum. [...] Ele está subjacente à justificativa do nome Ciência da Informação, ou seja, a Ciência da Informação está focada na exploração de dados e informações, que são vistos como fenômenos externos. Ela não explora o conhecimento, que é visto como fenômeno interno.

2. O segundo modelo é DU: D; DS: I-C; significado: D são fenômenos externos; I- C são fenômenos internos. [...].

3. O terceiro modelo é DU: D-I-C; DS: I-C; significado: D são fenômenos externos; I-C são fenômenos que podem estar em dois domínios, interno ou externo. [...].

4. O quarto modelo é DU: D-I; DS: D-I-C; significado: D-I são fenômenos que podem estar em dois domínios, interno ou externo; C é um fenômeno interno. [...].

5. O quinto modelo é DU: D-I-C; DS: D-I-C; significado: D-I-C são fenômenos que podem estar em dois domínios, universal (isto é, externo) ou subjetivo (ou seja, interno) (ZINS, 2007c, p. 489, tradução nossa).

É importante observar que, em todos os cinco modelos, a noção de dados está situada no domínio universal e, portanto, corresponde a fenômeno externo ao sujeito. Além disso, exceção feita ao terceiro modelo, que considera o conhecimento um fenômeno externo e interno ao sujeito, todos os demais modelos o situa no domínio subjetivo. E referente ao fenômeno informação, apenas um modelo o considera como fenômeno exclusivamente externo ao sujeito. Os demais consideram a informação como fenômeno subjetivo, sendo que o modelo dois o considera como fenômeno exclusivamente subjetivo.

Apesar das recorrentes discussões sobre a necessidade de abarcar a complexidade do ente informação em todas as suas facetas, Zins (2007c) constata que o modelo mais comum na Ciência da Informação corresponde ao primeiro, uma vez que esta centra seus estudos e pesquisas nos objetos externos, não explorando o conhecimento, que corresponde a fenômeno interno. Há aí a evidente influência dos pesquisadores que veem, conforme Buckland (1991), a infomação-como-coisa.

Apesar dessa constatação em torno da conformação do objeto de estudo da Ciência da Informação, faz-se necessário também esclarecer, como fizera González de Gómez (2003a), que esta não pode ser considerada fora de um contexto que a qualifica enquanto tal, ou seja, não pode ser abordada como uma objetividade isolada, constituída em si mesma. Isso se deve tanto à abrangência de enfoques que a informação permite quanto à “indecibilidade estrutural”, que se apresenta como uma característica intrínseca ao fenômeno informacional.

Para a autora, “no horizonte dessa indeterminação de ponto de partida (do que virá a ser informação perceptual, textual, documentária), chamaremos ações de informação aquelas que estipulam qual é o caso em que a informação é o caso” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2003a, p. 33).

Informação não é um processo, matéria ou entidade separada das práticas e representações de sujeitos vivendo e interagindo na sociedade, e inseridos em determinados espaços e contextos culturais. Informação, conhecimento, comunicação são fenômenos que tomam corpo nas práticas e representações sociais, tanto nas relações que se estabelecem entre sujeitos coletivos (MARTELETO, 2002, p. 102).

No processo de delimitação da informação como objeto de estudo, as propriedades e a sua estrutura têm grande importância, na medida em que a definição destas se apresenta como critério de especificação do domínio epistemológico a que o campo se dedica. Apenas a título de exemplo, pode se destacar que, ao definir as propriedades da informação correspondentes à sua natureza semântica, já se delimita o conjunto de procedimentos possíveis de serem desenvolvidos no universo dos processos de tratamento, organização, disponibilização, transferência/disseminação, recuperação e uso da informação. Essas propriedades condicionam também, em grande medida, as relações interdisciplinares por intermédio da definição dos conceitos, teorias e metodologias utilizados. De acordo com Mikhailov, Chernyi e Gilyaresvskyi (1980), a informação científica independe de seu suporte físico, mas é inseparável dele. Os autores examinaram as principais propriedades da informação científica e destacaram que esta corresponde apenas a um enfoque do que eles denominam de Informática, que, por assim dizer, aproxima-se da noção anglo-saxônica de Ciência da Informação.

As propriedades e as estruturas de informação, nesse sentido, são especificações do domínio de estudo e dos processos a serem desenvolvidos. Aquelas delimitam este, não o contrário, como parece apontar a literatura do campo da Ciência da Informação. Ademais, o aprofundamento no estudo e nas práticas daqueles processos exige essas especificações. A ausência destas decorre da ilusão de abarcar todas as manifestações do ente informação, em

detrimento da informação como objeto de estudo. É indispensável, portanto, definir os aspectos da informação (tratável, organizável e recuperável) que apontam para suas propriedades gerais. Isso impõe a delimitação do objeto de estudo, além da delimitação do objeto material.

Essa complexidade com que tem sido tratada a construção do objeto de estudo e, constitutivamente, a delimitação do seu campo científico impõe algumas condições epistemológicas que fundamentam e caracaterizam a prática científica da Ciência da Informação.