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CAPÍTULO 4: A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: FUNDAMENTOS

4.1 Bases Históricas da Ciência da Informação

4.1.1 Perspectivas Disciplinares da Ciência da Informação

4.1.1.3 Perspectiva Tecno-Informacional

A partir da segunda metade do século XX, pode-se dizer que há um deslocamento das discussões em torno das práticas bibliotecárias e documentárias propriamente ditas para um conjunto de atividades mais diretamente relacionadas ao planejamento e à organização de modernos sistemas de informação. Nesse momento, começa a ser desenhada outra área de conhecimento que se apresenta também como perspectiva de origem e desenvolvimento disciplinar da Ciência da Informação. Esta se encontra fundamentada nas ideias de recuperação da informação de Calvin Northrup Mooers (1951) para quem a “recuperação da informação é [...] o processo de encontrar ou descobrir as informações armazenadas [...]. A recuperação da informação abarca os aspectos intelectuais da descrição da informação e suas especificações para busca e também quaisquer sistemas, técnicas e máquinas que são empregados para realizar a operação” (MOOERS, 1951, apud SARACEVIC, 2009, p. 5, tradução nossa).

Embora os problemas de recuperação de informação tenham evoluído e diversificado nas últimas décadas, principalmente com o desenvolvimento das tecnologias e da indústria da informação, Saracevic (1992) considera que esta se encontra ainda concentrada naqueles problemas inicialmente apontados por Mooers: a descrição intelectual da informação; a especificação intelectual da busca; e a identificação e organização de sistemas, técnicas ou máquinas a serem empregados.

A partir desse entendimento, pode-se dizer que, na perspectiva tecnológica e informacional, a origem e a evolução da Ciência da Informação estão vinculadas à recuperação da informação e se encontram sedimentadas em alguns estudos e práticas já desenvolvidos no âmbito da Biblioteconomia e da Documentação. Com efeito, esses estudos e práticas são redimensionados tanto a partir da evolução dos sistemas de informação quanto da participação mais ativa do governo e da indústria da informação. Os esforços são direcionados ao desenvolvimento de estratégias que possibilitem o equacionamento dos problemas relacionados ao aumento da produção técnica e científica no início do século passado.

Bush (1945) descreve com precisão o contexto em que surge a Ciência da Informação, caracterizado pelo aumento exponencial de informações e pelo o déficit tecnológico:

A dificuldade parece ser nem tanto aquilo que publicamos indevidamente, dada a amplitude e os interesses atuais, mas que o crescimento das publicações foi além da nossa habilidade de fazer uso eficaz destas. O acúmulo da experiência humana está se expandindo em uma taxa extraordinária, e a forma que adotamos para usar este

emaranhado de informações é a mesma usada na época das embarcações de velas quadradas (BUSH, 1945, p. 2-3, tradução nossa).

A proposta inicial era tornar acessível a massa crescente de documentos e, nesse sentido, vários pesquisadores, especialmente Cientistas, Engenheiros e Bibliotecários, dedicaram-se a desenvolver estudos e programas estratégicos com o intuito de apresentar algumas soluções para a questão em aberto, com destaque inicial para o desenvolvido por Vannevar Bush, autor do Memex, que tinha como meta duplicar os processos mentais de forma artificial através da associação de ideias (SARACEVIC, 1995, 1996).

Cientistas e engenheiros em todo o mundo e, mais importante, governos e agências, em muitos países, assim como organismos internacionais, ouviram e agiram. Nos EUA, o Congresso e outras agências governamentais aprovaram, nas décadas de 1950 e 1960, um série de programas estratégicos que geraram esforços em larga escala para controlar a explosão da informação, primeiro na ciência e tecnologia e, em seguida, em todos os outros campos. Empresas privadas se juntaram a eles depois (SARACEVIC, 1992, p. 7, tradução nossa).

Conforme Saracevic (1992, 1995, 1999), os problemas inicialmente estabelecidos e suas respectivas propostas de resolução acerca da recuperação da informação resultaram em uma grande multiplicidade de conceitos teóricos, empíricos e práticos, que promoveram a emergência de uma nova área de conhecimento também denominada de Recuperação da Informação. Essa não apenas corresponde à origem da Ciência da Informação como ainda concerne ao seu principal núcleo. As outras áreas do conhecimento são, portanto, situadas em diversas relações interdisciplinares que trabalham em função do aprimoramento do processo de recuperação. A recuperação da informação teve influência direta no surgimento, na forma e na evolução da indústria da informação, e se tornou uma das aplicações mais dinfundidas de qualquer sistema de informação nas diversas partes do mundo.

Da mesma forma que a Biblioteconomia e a Documentação se dedicaram a abordagens específicas dos processos bibliográficos, documentais e informacionais, a Recuperação da Informação definiu seu domínio de atuação, promovendo também um conjunto de tensões e distanciamentos entre os estudos desenvolvidos naquelas outras áreas. Alguns autores, a exemplo de Dias (2000, 2002), entendem que, no domínio da Ciência da Informação, os sistemas de informação são compreendidos como evolução das bibliotecas especializadas e dos centros de documentação em um processo de interação com os avanços tecnológicos na esfera da recuperação da informação. Essa ligação torna-se mais próxima a partir do desenvolvimento de sistemas automatizados, bibliotecas digitais e bibliotecas virtuais.

Segundo Saracevic (2009), a diferença da nova recuperação da informação em relação aos sistemas anteriores se encontra no fato de que estes se centravam nos registros e controles

bibliográficos ao passo que os desenvolvidos a partir da Recuperação da Informação incluem, além dessas funções, as especificações para busca e recuperação da informação com base em algorítmos, lógicas e tecnologias de motores de busca bastante presentes na Web. Os estudos da Recuperação da Informação se desenvolveram, principalmente, no domínio dos problemas de interatividade entre homem e máquina, procurando estabelecer processos automáticos de tratamento e recuperação da informação. A área de estudo é caracterizada por duas fases bem distintas. A primeira é marcada pela quase total ausência de interatividade e a segunda pelo desenvolvimento de interfaces inteligentes.

O fato é que a Recuperação da Informação desenvolveu duas frentes de estudo no campo informacional, que compõem suas principais subáreas com diferentes abordagens. A primeira dedicada à natureza da informação, à compreensão da estrutura do conhecimento, aos usuários e ao uso da informação, à interatividade entre usuário e sistema de informação, e a relevância, utilidade e obsolescência da informação. A segunda se atém mais à elaboração de produtos e serviços de informação, tais como bases de dados e softwares, no espaço da indústria da informação.

Embora Saracevic (1992, 1995) defenda que a Recuperação da Informação se apresenta como núcleo de estudo da Ciência da Informação, o autor reconhece que esse campo de conhecimento se desenvolveu muito mais que aquela área, ampliando os estudos, as pesquisas e as discussões em torno de questões que se apresentam distantes e de difícil integração com essa área específica. Com efeito, a partir dos anos 1980, a Recuperação da Informação entrou em um processo de transformação, procurando abarcar um contexto mais amplo, que engloba os usuários da informação, o uso da informação e as interações destes com os sistemas de informação.

Assim como ocorreram rupturas e dissidências na Biblioteconomia e Documentação, Saracevic (1999) destaca que a divisão entre estudos centrados no sistema e estudos centrados no usuário, no âmbito da Recuperação da Informação, não foram apenas conceituais, mas também políticas e organizacionais. Equanto aqueles estão vinculados ao Special Interest Group on Information Retrieval (SIGIR) da Association for Computing Machinery (ACM), estes se organizam em torno da ASIS. Cada um desses organismos tem seus próprios meios de comunicação, tais como periódicos científicos, anais e conferências, malgrado exista uma pequena sobreposição de autores e obras nesses dois domínios.

Os avanços tecnológicos no campo da recuperação da informação são significativos, principalmente, se for considerada a quantidade de produtos e serviços dele decorrentes, já disponíveis no mercado da indústria da informação. Essas soluções propostas para os

problemas informacionais, todavia, vêm sendo muito centradas no lado tecnológico, negligenciando o lado humano da equação. Disso decorre que esses avanços são também acompanhados pelo aumento da incompatibilidade entre os diversos aparatos tecno- informacionais, diminuindo muito as soluções propostas diante da crescente complexidade dos problemas informacionais. Nesse contexto, “a relação homem-tecnologia é a principal questão, mal definida, não resolvida filosófica, científica e profissionalmente na Ciência da Informação, assim como em vários outros campos fortemente ligados à tecnologia (SARACEVIC, 1992, p. 20, tradução nossa).

Essas críticas estão essencialmente relacionadas às medidas de avaliação de desempenho dos sistemas de recuperação de informação, que se encontram nos critérios de efetividade e relevância: efetiva transferência de conhecimento, efetivo acesso à informação, relevância e utilidade da informação, qualidade da informação, entre outros. Pode-se observar que todo o conjunto de critérios de efetividade coloca o usuário como centralidade dos processos de recuperação da informação e submete as aplicações tecnológicas a uma crítica ininterrupta. Esse estado de coisa promoveu mudanças não apenas no planejamento de novos sistemas de informação, mas também na melhor compreensão dos problemas abordados no campo da Ciência da Informação.

Após esses primeiros entendimentos, Saracevic (1999) considera que a história da Ciência da Informação é composta por um conjunto de perspectivas diferentes, necessitando ainda de uma história abrangente que se apresenta como um projeto para um futuro historiador da ciência. Contudo, a história desse campo científico e profissional compreende três importantes ideias sobre o tratamento da informação que difere do que vinha sendo desenvolvido até a primeira metade do século passado: a recuperação da informação a partir do seu tratamento fundamentado na lógica formal; o conceito de relevância vinculado às questões de necessidade de informação e à avaliação da informação; e a interação homem- máquina em busca de melhores feedback com os sistemas de recuperação da informação.

Em que pesem as discussões nessas e em outras perspectivas das bases históricas do campo, faz-se necessário considerar que a Ciência da Informação, desde os primeiros momentos, na Europa, nos EUA e demais localidades, aponta para uma amplitude e complexidade, denunciando que seus condicionantes históricos constitutivos e seu objeto estão para além dos espaços dedicados às estruturas e aos fluxos internos dos sistemas de informação, que incluem bibliotecas, centros de documentação e sistemas de recuperação de informação. Assim, na definição de seu domínio epistemológico, é preciso considerar que a informação se manifesta nos dois contextos amplos e complexos de conhecer e comunicar.