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CAPÍTULO 4: A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: FUNDAMENTOS

4.1 Bases Históricas da Ciência da Informação

4.1.1 Perspectivas Disciplinares da Ciência da Informação

4.1.1.1 Perspectiva Biblioteconômica

Inicialmente, é oportuno destacar que, de modo geral, a Biblioteconomia é compreendida como área dedicada ao estudo e desenvolvimento de práticas profissionais de planejamento, tratamento, organização e disponibilização de acervos para uma comunidade usuária previamente estabelecida (MIKSA, 1992). Nesse sentido, há a vinculação de suas práticas e serviços à instituição bibliotecária, contudo, o processo de modernização por que vem passando a Biblioteconomia estende sua esfera de atuação para outros setores da sociedade não circunscritos necessariamente no espaço daquela instituição, na medida em que amplia o conceito de acesso aos itens bibliográficos e documentais para o acesso à informação. Com efeito, há uma grande aproximação com a área de estudo que Saracevic (1992, 1995) defende como espaço de diferenciação entre a Biblioteconomia e a Ciência da Informação.

A Ciência da Informação, nesse contexto, parece se apresentar como espaço destinado ao aprofundamento e à atualização de alguns estudos e práticas bibliotecárias, que, diga-se de passagem, são desenvolvidos pelos próprios Bibliotecários, que realizaram estudos e pesquisas em Ciência da Informação.

A Biblioteconomia, em fins do século XIX e início do século XX, dedicava-se ao projeto de biblioteca pública moderna, centrada na promoção do acesso universal aos registros do conhecimento pautada em uma política de desenvolvimento sociocultural. Há, ao mesmo tempo, a presença da questão pública e social, e o vínculo com o mundo erudito próprio da Biblioteconomia clássica. Essa abertura promovida pelo movimento de publicização da biblioteca foi ampliada pelo crescimento dos periódicos, que fez a Biblioteconomia se

aproximar das atividades documentais. No período entre as décadas de 1930 e 1960, a área teve como referência a Escola de Biblioteconomia da Universidade de Chicago.

Segundo Ortega (2004), em 1876, na Primeira Conferência da American Library Association (ALA), Bibliotecários e Bibliógrafos, confrontados com as dificuldades enfrentadas no trabalho bibliográfico, mostraram-se motivados a desenvolver trabalho cooperativo, notadamente, no domínio da análise de assuntos de artigos de periódicos e na criação de índices coletivos, que eram consideradas atividades a serem desenvolvidas no interior das bibliotecas. A continuidade dessas atividades se mostrou, contudo, inoperante em função dos sistemas de classificação adotados e dos catálogos que foram planejados para organizar os documentos de um mesmo conteúdo ou de conteúdos semelhantes pela proximidade física; lógica não muito funcional para ser aplicada no tratamento e na organização de publicações periódicas, que, mesmo em se tratando de publicações especializadas, caracterizavam-se pela diversidade de conteúdo.

Esses serviços foram aos poucos sendo assumidos pelo crescente número de documentalistas, que procuravam se dedicar à análise aprofundada dos conteúdos daquelas publicações para os seus respectivos tratamento e organização.

Nos EUA, houve uma ruptura entre Biblioteconomia tradicional, que se dedicava ao plano das bibliotecas públicas, e a Biblioteconomia Especializada, preocupada com o acesso aos conteúdos dos documentos. Apesar dessa subdivisão e do olhar lançado para os serviços de disseminação de informação vinculados aos processos documentários, a Biblioteconomia norte-americana, principalmente, a fundada nos muros da Universidade de Chicago, até meados do século passado, foi essencialmente marcada pelo movimento das bibliotecas públicas, negligenciando outras questões vinculadas aos processos e às tecnologias de recuperação da informação (DIAS, 2000, 2002).

Shera (1980) esclarece que nos EUA se pode falar em duas rupturas. A primeira se deu entre bibliotecários, quando John Cotton Dana destacou a importância de oferecer serviços especializados às empresas comerciais e industriais, até então insuficientemente cobertos pela Biblioteconomia, criando na Biblioteca Pública de Newark em Nova Jersey uma Seção Comercial (Business Branch) destinada a oferecer esse tipo de serviço especializado. Esse fato incitou um pequeno grupo de bibliotecários a abandonar a ALA e fundar em 1909 a Special Libraries Association (SLA). Esse novo campo de atuação bibliotecária ficou denominado de Biblioteconomia Especializada. A segunda ruptura entre bibliotecários se deu pouco depois de 1930 com a criação do American Documentation Institute (ADI), que, pensado como uma organização composta por representantes de diversas sociedades eruditas

norte-americanas, tinha como objetivo o desenvolvimento e o fomento de meios auxiliares científicos na realização de atividades bibliográficas.

No entanto, como os membros mais ativos e influentes do Instituto mostraram grande interesse pelos novos métodos de reprodução fotográfica, sobretudo em microfilme, a Documentação nesse lado do Atlântico logo passou a ser praticamente sinônimo de microfotografia, do mesmo modo que na Europa essa noção permanecia associada à generalização do uso da Classificação Decimal Universal (SHERA, 1980, p. 92).

Ainda de acordo com Shera (1980), durante o período da Segunda Guerra Mundial, essas atividades documentárias não foram desenvolvidas de forma sistemática, mas as Forças Armadas norte-americanas experimentaram elaborar rudimentarmente a recuperação mecânica da informação. Com o renascer do ADI, que fora transformado em American Society for Information Science (ASIS), pode-se observar um crescente interesse pela busca mecânica de publicações. Assim, em meados do século passado, os problemas de Biblioteconomia e Documentação historicamente construídos se transformaram em problemas de informação e tecnologia de informação, ou seja, o aumento sempre crescente da produção científica e a necessidade de acesso efetivo aos conteúdos exigiram o desenvolvimento de estudos e tecnologias que equacionassem ou ao menos diminuíssem esse problema.

O fato é que, no âmbito da Biblioteconomia norte-americana, existem duas orientações que explicam tanto as questões ideológicas quanto as rupturas apontadas por Shera (1980): de um lado a Biblioteconomia erudita com características marcadamente bibliófilas, que dominou a profissão até o início do século XIX, e do outro a Biblioteconomia orientada à prestação de serviços, decorrente de interesses com tendências democráticas e, consequentemente, a necessidade do aperfeiçoamento dos indivíduos. Nesse contexto amplo, Shera (1980) procurou estabelecer as relações entre Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação a partir de suas definições. Com base nas análises e discussões das definições de Documentação apresentadas por Otlet, Bradford e Briet, Shera (1980) concluiu que esta se trata simplesmente de uma forma ou aspecto da Biblioteconomia. Mais exatamente, refere-se ao que ele denominou de “Biblioteconomia em tom maior”.

Com efeito, os conceitos apresentados e discutidos por Shera (1980), mesmo considerando a ressalva da inadequação do conceito de Briet, em função da sua abordagem demasiado restrita, não se pode reduzir a compreensão da Documentação a uma atividade da Biblioteconomia e esquecer tudo aquilo que Rayward (1997) apontou, no campo da Ciência da Informação, como elementos contidos e/ou estendidos a partir da formação discursiva da Documentação.

Contrariamente à compreensão de Shera (1980), a Documentação idealizada, planejada e, em parte, executada por Otlet e seus seguidores, entende que a prática bibliotecária, além de se limitar a alguns tipos de materiais que coletavam, resistia aos novos métodos e técnicas de tratamento e organização de informação, inclusive aos métodos de classificação e catalogação. Ademais, o mais grave, tinha um enfoque bastante conservador no que se referia aos serviços de informação prestados (RAYWARD, 1997).

Por outro lado, de acordo com Shera (1980), Paul Otlet e Henry La Fontaine, ao propor o projeto da Documentação, apenas atualizaram e deram um novo impulso a um movimento bibliográfico realizado inicialmente por Johrann Tritheim e Konrad Gesner. Essa postura resultou no primeiro cisma entre Biblioteconomia e Documentação. Mesmo utilizando a experiência e as construções bibliotecárias, a exemplo dos catálogos de biblioteca e do Sistema de Classificação Decimal de Dewey (CDD), os documentalistas procuraram ampliar suas atividades a partir da realização de um trabalho mais completo e da análise mais profunda do conteúdo dos documentos, em comparação àqueles que eram até então desenvolvidos pelos bibliotecários.

Nos EUA, contudo, a palavra documentação perdeu seu sentido, conforme apontara Shera (1980), devido ao deslocamento da discussão entre Biblioteconomia e Documentação para Biblioteconomia e Ciência da Informação. É preciso considerar que esse deslocamento não foi realizado de forma tão consensual e muito menos justificada. Em que pese esse movimento, a necessidade de aprofundamento da análise e dos conteúdos dos documentos defendida pela Documentação e assumida em parte pela Biblioteconomia Especializada norte- americana foi parcialmente encoberta por outra dicotomia entre a tecnologia e o conteúdo. A Biblioteconomia que se dedicava às bibliotecas públicas começou a tensionar sua discussão em relação à recuperação automática da informação, em decorrência do aprofundamento das análises dos conteúdos, em que também se faziam presentes os membros da então Biblioteconomia Especializada.

Assim, Shera (1980) procura debater a relação entre a Biblioteconomia e a Ciência da Informação a partir da prática profissional e das categorias de profissionais sugeridas pela Conferência sobre especialistas em Ciência da Informação realizada em 1962 no Georgia Institute of Tecnology. De acordo com os participantes, as expressões documentação e documentalistas devem ser evitadas, sugerindo cinco categorias para designar tais profissionais: os bibliotecários, os bibliotecários especializados, os bibliotecários científicos, os analistas de publicações técnicas e os especialistas em Ciência da Informação, sendo que esta denominação designaria melhor os pesquisadores em detrimento dos técnicos. Essas

categorias profissionais não são inteiramente distintas e muito menos se excluem mutuamente. Mas de acordo com a Conferência, um especialista da Ciência da Informação corresponde a “uma pessoa que estuda e desenvolve a ciência do armazenamento e recuperação da informação, que idealiza novos métodos para abordar o problema da informação e que se interessa pela informação em si e por si mesma” (SHERA, 1980, p. 97).

Shera (1980) entende que a denominação Ciência da Informação se deve, sobretudo, à influência da nomenclatura utilizada por Shannon e Weaver na Teoria da Informação. Apesar de aquela não se dedicar efetivamente à informação, mas a circuitos elétricos, “[...] a palavra soava bem e aqueles que se ocupavam em facilitar o acesso ao conhecimento registrado não tardaram em apoderar-se dela. Desde logo se começou a empregar a expressão ‘Ciência da Informação’ para designar a Biblioteconomia do tipo não tradicional” (SHERA, 1980, p. 97, grifo do autor).

Desde o início, o quadro de áreas e/ou subáreas que compõem o domínio epistemológico da Ciência da Informação demonstra, conforme Foskett (1980a), a necessidade de aproximação de diversos assuntos distantes, porém, considerados suas bases teóricas. Além da preocupação com os aspectos integrativos e sociais do emergente campo do conhecimento, aponta também a necessidade e cooperação entre a teoria e prática, que se encontra na base da composição de um consenso ou construção de um corpo de conhecimento que caracteriza e identifica um campo científico.

Quando falo de “Ciência da Informação”, portanto, quero significar a disciplina que surge de uma “fertilização cruzada” de idéias que incluem a velha arte de biblioteconomia, a nova arte da computação, as artes dos novos meios de comunicação, e aquelas ciências como psicologia e linguística, que em suas formas modernas têm a ver diretamente com todos os problemas da comunicação – a transferência do pensamento organizado (FOSKETT, 1980a, p. 56, grifo do autor).

Segundo Foskett (1980a), a herança da ênfase nas técnicas e nos métodos em contraposição à menor dedicação aos aspectos sociais decorre basicamente de duas questões. A primeira se refere ao aumento da produção especializada, que resultou em um correspondente aumento de publicações especializadas, promovendo a necessidade de formação de técnicos especializados em informação para atuarem diretamente na organização e na disseminação dessas informações. A segunda está relacionada ao surgimento de novas máquinas de processamento automático de dados, que possibilitaram a manipulação das publicações com maior celeridade, se comparadas aos métodos manuais tradicionais. Esse conjunto promoveu uma nova dinâmica aos processos que compõem o fluxo informacional –

mais escritores, mais assuntos, mais bibliotecas e mais usuários, exigindo mudanças qualitativas no desempenho dos técnicos em informação.

Nos domínios da Biblioteconomia, a Ciência da Informação passa, por vezes, a ser compreendida como uma evolução natural da Biblioteconomia Especializada. Conforme Dias (2000, 2002), não se pode perder de vista a tradição de pesquisa que remete, pelo menos, à década de 1930, diga-se, de passagem, com a implantação de um doutorado na Escola de Biblioteconomia da Universidade de Chicago. Além disso, já foram desenvolvidos outros estudos, embora que de forma esparsa e assistemática, tal como aqueles realizados por Melvil Dewey, que resultaram no seu sistema de classificação bibliográfica. Malgrado as diversas perspectivas de definição do domínio da Ciência da Informação, sua história evolutiva de instituições, serviços, práticas e estudos, no domínio da informação técnica e científica, evidencia que a sua origem na Biblioteconomia Especializada estadunidense parece se apresentar de forma mais consistente.

O fato é que, transcorridas mais de quatro décadas, até agora, essa perspectiva não foi satisfatoriamente compreendida e aceita no campo da Ciência da informação, conforme constataram White e McCain (1998) e Saracevic (1997, 1999, 2009). Não se pode negar, contudo, que existem movimentos recíprocos de aproximação, embora em um domínio não muito bem definido. Atualmente, conforme Saracevic (2009), pode-se observar a organização de escolas de informação, em sentido amplo, que evidenciam a aproximação daqueles campos. Entre a Biblioteconomia e a Ciência da Informação, em particular, vem se tornando cada vez mais evidente em função de dois motivos. Primeiro porque, segundo Saracevic (1999, 2009), as próprias escolas de Biblioteconomia começaram a incluir, há pelo menos 30 anos, disciplinas de conteúdos denominados Ciência da Informação em seus currículos. Segundo porque muitos Bibliotecários continuam buscando aprofundar seus estudos sobre métodos, processos e tecnologias relacionados à informação e, nesse momento, o campo mais próximo em que esses estudos se encontram corresponde à Ciência da Informação. Considera que todo esse conjunto de transformações promoveu a denominada “modernização da Biblioteconomia” e acabou por aproximá-la à parte do campo da Ciência da Informação, notadamente, àquela abordagem centrada no usuário.

Nesse domínio de estudo mais vinculado às práticas bibliográficas, documentais e informacionais e aos serviços prestados aos usuários, por assim dizer, encontra-se uma segunda perspectiva de origem e evolução, notadamente, nos países europeus e em parte da América Latina, como Brasil, que se faz bastante presente nas discussões da Ciência da Informação.