• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4: A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: FUNDAMENTOS

4.2 Condições Epistemológicas da Ciência da Informação

4.2.1 Pluralismo Epistemológico

As bases teóricas e os modelos de planejamento, organização e disponibilização da informação têm origens distantes, diversas e dispersas, que precisaram ser compreendidas a partir de três instâncias: no tempo, no espaço geográfico e no campo científico. Os retrospectos e as reflexões históricos possibilitam as buscas de compreensão do desenho epistemológico do campo da Ciência da Informação. De forma mais precisa, a tentativa de constituição de um desenho disciplinar da Ciência da Informação significa a compreensão dos problemas e temáticas que vêm sendo elaboradas historicamente em diversas partes do mundo. Vê-se, portanto, que se trata de três categorias de análises complexas e, consequentemente, sua coordenação na perspectiva de constituição de uma unidade se constitui em tarefa difícil. Contudo, alguns elementos podem e precisam ser colocados,

buscando definir algumas possibilidades de maior coordenação, imersão e consolidação disciplinar.

No que concerne à perspectiva temporal, não obstante as preocupações e práticas relacionadas à informação desenvolvidas desde a antiguidade e passando por todo o período medieval, notadamente nos espaços das instituições bibliotecárias e arquivísticas, os fundamentos teóricos científicos da Ciência da Informação são sistematizados nos idos do século XIX, nos projetos de Paul Otlet com a colaboração direta de La Fontaine, principalmente no seu Tratado de Documentação. Para Mattelart (2002), a Documentação pode ser entendida como marco privilegiado por se constituir em um campo científico no qual são discutidas e projetadas a análise, a sistematização e a organização da informação. No início do século XX, Otlet e La Fontaine debateram questões teóricas e práticas que se constituem atualmente nas propostas bases do campo disciplinar da Ciência da Informação.

Do ponto de vista da institucionalização, o marco histórico, conforme apontado anteriormente, constitui-se nas primeiras definições do campo obtidas a partir de discussões realizadas no Geórgia Institute of Technology, na década de 1960, segundo Pinheiro (1997, 2005b), entre outros. Mesmo assim, com aproximadamente meio século de origem, a Ciência da Informação ainda não dispõe de um estatuto disciplinar consolidado com fundamentos teórico-metodológicos próprios, que a caracterize e a identifique como campo de conhecimento autônomo. O desenvolvimento de suas teorias e metodologias sempre esteve, em menor ou maior grau, atrelado a campos de conhecimento com os quais busca construir constantemente interlocuções. Essa dificuldade de consolidação epistemológica pode estar relacionada a uma série de questões que vão desde a complexidade do campo à forma como os pesquisadores selecionam seus objetos de estudo e delimitam seus problemas e hipóteses de pesquisa.

A Ciência da Informação parece ter surgido não apenas como uma expansão e metamorfose da documentação e da recuperação de informação; ela, direta ou indiretamente, incorporou ou colocou em paralelo vários objetivos e conceitos predominantes da comunicação e das ciências comportamentais e de outras disciplinas contributivas (HARMON, 1971, p. 240, tradução nossa).

A delimitação do campo da Ciência da Informação desde a década de 1960 tem por fundamento basicamente a definição do termo informação e a definição das relações interdisciplinares estabelecidas a partir do desenvolvimento de processos e tecnologias bibliográficos, documentários e informacionais. Um retrospecto pelas tentativas de delimitação, conforme realizado por Shera e Cleveland (1977), demonstra que existe uma grande quantidade de conceitos de informação, uns muito amplos e outros restritos demais. O

fato é que se podem ser elaborados vários conceitos, mas, mais que definições e conceitos, faz-se necessária a delimitação do objeto de estudo do campo da Ciência da Informação, uma vez que é a partir desta que se pode verificar se determinados conceitos são amplos ou específicos demais.

A importância dessa discussão na Ciência da Informação se deve à compreensão de que, tal como os paradigmas, o desenho disciplinar firma compromissos teóricos (leis, teorias e conceitos) e metodológicos (instrumentos de pesquisa e formas de utilizá-los) que limitam a atuação dos cientistas que compõem o campo.

Segundo Wersig e Neveling (1975), a Ciência da Informação não se desenvolveu apenas a partir de um ou da interseção de dois ou mais campos, mas também das exigências de uma área de trabalho prático denominada Documentação ou Recuperação da Informação. Em que pese a influência das novas tecnologias, particularmente no tratamento automático de dados, as contribuições para a emergência da Ciência da Informação vieram de diversas disciplinas. Isso se deveu em grande medida às diversas formações das pessoas que ingressaram no campo, uma vez que inexistia qualquer sistema educacional nele estabecido. Uma questão central é que esses ingressos foram motivados por uma série de diferentes interesses em virtude das diversas áreas de aplicação envolvidas com a informação:

• Ciência da Computação: o importante papel da tecnologia; • Bibioteconomia: as pessoas treinadas como Bibliotecários; • Filosofia e Taxonomia: o importante papel da classificação;

• Linguística: o relevante trabalho da linguagem natural como objeto e como instrumento de trabalho prático;

• Teoria da Informação: a semelhança da terminologia;

• Cibernética: os modelos cibernéticos eram usados por todos no período de surgimento da área;

• Matemática: a aplicação de fórmulas matemáticas à realidade.

Segundo Wersig e Neveling (1975), a diversidade de abordagens promoveu uma situação em que cada participante da discussão poderia concordar na possível existência de um campo chamado “Ciência da Informação”, mas baseada na sua formação específica.

A essas áreas e aos seus respectivos interesses podem ser acrescentados outros apontados por diversos autores na literatura, que só aumentaria a complexidade de compreensão do campo da Ciência da Informação. Mais que isso, há áreas de interesse de mais de um campo de conhecimento, que trabalham em um processo de justaposição, mas não

promovem integração e, muitas vezes, desconhecem a área afim (SARACEVIC, 1999, 2009). Com efeito, essas diferentes origens resultaram em um pluralismo epistemológico que se traduz em individualismo, falta de cooperação e dificuldade de integração.

González de Gómez (2000) entende que “essa diversidade de condições epistemológicas não deve ser confundida, porém, com uma indefinição metodológica ou relativista”, na medida em que essa organização epistemológica da Ciência da Informação tem como traço identificador as Ciências Sociais, que se contituem em princípio articulador dessa multiplicidade, com fundamentos metodológicos na dupla hermenêutica.

Zins (2007a, b, c, d) inicia as análises e discussões sobre o “Mapa do Conhecimento da Ciência da Informação” afirmando que o campo da Ciência da Informação passa por transformações constantes, que impõem uma revisão periódica e, possivelmente, uma revisão de seus fundamentos. Essa recorrente constatação pode ser minimizada pelo entendimento da dinâmica da prática científica em todos os campos científicos, mas, ainda assim, mantém a identificação de um ponto de fragilidade da Ciência da Informação.

Parece que as perspectivas cronológica e geográfica não apresentam tanta complexidade de demarcação quanto o campo temático, em que se inserem as suas preocupações heurísticas mais específicas. Por outro lado, parece paradoxal, uma vez que a identificação desses períodos e espaços de discussão pressupõe também, em uma tentativa de abordagem epistemológica disciplinar, a definição do objeto e dos problemas a ele relacionados.

Em Capurro (2003), pode-se observar a complexidade do pluralismo epistemológico e a dificuldade de integração entre as diversas abordagens presentes no campo da Ciência da Informação:

Ao mesmo tempo, vê-se aqui também como a discussão sobre o conceito de informação, que no marco de nossa disciplina refere-se a processos cognitivos humanos ou a seus produtos objetivados em documentos, evidencia uma vez mais os limites de todo o paradigma ou modelo, nesse caso do paradigma social, no momento em que a relação entre informação e significado torna-se problemática quando se deseja transportá-la para sistemas não sociais (CAPURRO, 2003).

Foskett (1980a) elabora uma estrutura curricular para a Ciência da Informação, que possibilita retratar o domínio epistemológico muito abrangente, evidenciando a necessidade de direcionamentos e escolhas individuais que promovam a especialização necessária. O autor destaca, contudo, a importância do conhecimento de todo o campo de conhecimento, embora que de forma superficial. Apesar da abrangência dos conteúdos, a sua proposta curricular está muito centrada na profissionalização. Toda sua construção é pautada em três eixos que, nas

suas palavras, influenciam o ensino profissional: as necessidades do estudante, as necessidades do empregador e as necessidades da profissão, conforme se discute adiante.

No ínterim desse meio século, as pesquisas e a produção científica do campo da Ciência da Informação têm se diversificado bastante, indo de questões empíricas a questões mais teóricas, pautadas em diferentes recortes e problemas, flutuando entre as abordagens técnica e social. Entende que essa flutuação, às vezes necessária, tem dificultado a construção de um estatuto disciplinar da Ciência da Informação. Da mesma forma, compreende que a aproximação com o campo social a situa efetivamente no campo das ciências sociais aplicadas, possibilitando maior clareza na definição de seus fundamentos teórico- metodológicos, conforme são aqui discutidos.

Segundo Wersig e Neveling (1975), na Ciência da Informação, parece existir mais pontos de vista do que pessoas que os expressam. Embora não acrescente muito discutir a substância deles, vale destacar que eles os classificaram em quatro grandes categorias: orientado ao fenômeno informacional, orientado aos meios, orientado à tecnologia e orientado aos fins. Cada um desses pontos de vista está fundamentado em uma visão parcial de uma área específica do conhecimento, que se desenvolvem em abordagens diferentes das questões apontadas como objeto de estudo. De forma mais precisa, essas variantes têm por base conceitos, métodos e teorias diferentes, que resultam em diferentes entendimentos quanto à delimitação do objeto e do campo de estudo.

Esse pluralismo epistemológico pode ser considerado como característico da Ciência da Informação a partir de suas condições e filiações às demais ciências sociais, contudo, não se pode perder de vista que ele dificulta o estabelecimento da identidade disciplinar do campo científico.

A pesquisa em Ciência da Informação apresentaria um problema particular que podemos identificar de modo quase imediato: Se existe grande diversidade na definição de suas heurísticas afirmativas, as que definem estratégias metodológicas de construção do objeto e que permitem a estabilização acumulativa do domínio, maior é a dificuldade para estabelecer as heurísticas negativas, as que definem o que não poderia ser considerado objeto de conhecimento da Ciência da Informação, condição diferencial que facilita e propicia as relações de conhecimento e complementaridade com outras disciplinas. E isto acontece na Ciência da Informação por um lado, pela referência intrínseca de seu objeto a todos os outros modos de produção de saberes, gerando constantemente novas treliças interdiscursivas, e por outro lado, pela natureza estratificada e poli-epistemológica dos fenômenos ou processos de informação (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2000, grifo da autora).

Essa dificuldade de definição das heurísticas negativas apontada por González de Gómez (2000) se traduz, por um lado, em entraves no processo seletivo que compõe a base da delimitação e da construção do objeto de estudo e do campo de conhecimento, e,

complementarmente, nas definições em torno da estrutura epistemológica interdisciplinar, em um constante processo recursivo.