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CAPÍTULO 4: A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: FUNDAMENTOS

4.2 Condições Epistemológicas da Ciência da Informação

4.2.3 Modelos de Educação Científica e Profissional

Apesar de a educação ser considerada uma questão vinculada à conformação do campo científico e à formação acadêmico-profissional em todas as áreas de conhecimento, Saracevic (1978, 1997, 1999, 2009) ressalta a necessidade de maior atenção ao observar os modelos de educação, no campo da Ciência da Informação, que vêm sendo desenvolvidos nos EUA e em boa parte do mundo desde as décadas de 1950 e 1960. O fato é que “[...] a educação em ciência da informação não tem recebido a atenção que merece. Isso pode explicar as muitas dificuldades no campo que eu tenho discutido. Modelos educacionais que

têm evoluído em diferentes graus ou mesmo substancialmente de país para país” (SARACEVIC, 1999, p. 1061).

Alguns autores, como Foskett (1980a, b), Shera (1977, 1980) e Saracevic (1978, 1999, 2009), situam a questão da educação dos cientistas da informação nas discussões sobre a delimitação do campo científico e o estabelecimento das relações com outros campos disciplinares. É preciso não perder de vista, nesse contexto, o entendimento de Saracevic (1995) sobre os diferenes níveis de participação de diversos profissionais e sua efetiva contribuição na conformação do campo da Ciência da Informação.

A discussão sobre os modelos de educação científica e profissional na Ciência da Informação, além de evidenciar as características de sua evolução, mostra como os profissionais vêm se organizando no horizonte de uma comunidade epistêmica. Essa é uma questão bastante relevante, se considerar a multiplicidade de profissionais que compõe esse campo, conforme discutido anteriormente.

Segundo Foskett (1980a), existem três grandes fatores que influenciam o ensino profissional, quais sejam, as necessidades do estudante, as necessidades do empregador e as necessidades da profissão. Primeiramente, o estudante precisa de uma completa formação em todas as áreas de atividade profissional que lhe permita desenvolver atividades e tomar decisões. Para além dos procedimentos práticos, essa formação deve ter por base princípios que possibilitem alcançar um nível satisfatório de entendimento e competência profissionais. Essas necessidades se apresentam como conflitivas com as exigidas no mercado de trabalho, uma vez que o empregador procura profissionais jovens, alerta e vigorosos, mas sem muitas instruções extras, com o intuito de evitar desperdícios. Com efeito, são as necessidades da profissão que condicionam as categorias anteriores. O fato é que essas necessidades estão vinculadas à finalidade e ao desempenho da profissão, ou seja, ao atendimento às necessidades dos usuários.

A educação em Ciência da Informação começa a ser estruturada, em fins dos anos 1950, em um ambiente de confluências entre pesquisas e práticas profissionais em torno da Biblioteconomia, Documentação e Recuperação da Informação. De acordo com Saracevic (1978), as primeiras discussões sobre a educação do campo ocorrem em conferências organizadas para debater as questões relacionadas à prática profissional e a seus fundamentos. Essas conferências, no geral, não tiveram grande êxito, mas promoveram uma visão mais clara do que vinha ocorrendo nesse domínio técnico-científico.

Segundo Saracevic (1978), a educação em Ciência da Informação desenvolve a partir de dois modelos: o “Modelo Universitário”, que se relaciona à formação e à pesquisa, e o

“Modelo Técnico”, que se dedica ao aprendizado empírico, à análise de trabalho e a procedimentos normativos. Esses modelos se desenvolveram nos anos 1960 e 1970, mas o primeiro encontrou resistências entre alguns profissionais, principalmente, nas Escolas de Biblioteconomia. Esse estado de discordância promoveu vários debates que culminaram nas já referidas conferências de 1961 e 1962.

Os avanços na Recuperação da Informação na década de 1960 se devem, em grande medida, à relação estabelecida entre as atividades científicas e profissionais. A Ciência da Informação ganha fôlego justamente na possibilidade de desenvolvimento de estudos científicos que fundamentassem as práticas profissionais em torno da recuperação da informação. Assim, duas formas de conhecimento começam a ser estruturadas: o conhecimento normativo originado da prática e o conhecimento reflexivo derivado da pesquisa. As pesquisas e a educação nesse período concentravam-se nos processos internos dos sistemas de recuperação de informação. Os cursos e programas se proliferaram nos EUA, mas cada um com seu modo e em diferentes níveis de gradução e pós-graduação (SARACEVIC, 1978).

A educação em Ciência da Informação expandiu nos anos 1970 por diversos países, notadamente, em desenvolvimento, tomando como centralidade o papel social nas esferas nacional e internacional. Sob influência da indústria da informação, o campo em constituição passou por um processo de comercialização nos setores público e privado, gerando um processo de profissionalismo que enfraqueceu a relação entre pesquisa e prática profissional. Nesse período, as atividades educacionais e profissionais se expandiram abrindo o campo para processos informacionais em torno dos sistemas de recuperação de informação e dos sistemas de informação em geral. Houve, concomitantemente, o aumento de disciplinas e departamentos que incluíram a informação e certos aspectos da Ciência da Informação como uma de suas orientações. Nesse contexto, ocorreu a integração dos currículos de Biblioteconomia e Ciência da Informação, que culminou na emergência da Ciência da Informação como parte integral e acadêmica dos programas de pós-graduação em Biblioteconomia e Ciência da Computação (SARACEVIC, 1978).

Os cursos e os programas de Ciência da Informação foram ampliados e passaram, segundo Saracevic (1978), a ser oferecidos em diversas instituições acadêmicas, tais como escolas de Biblioteconomia, departamentos de Ciência da Computação, escolas de comércio e gerência, departamentos independentes de Ciência da Informação, conjunto de várias escolas (departamentos de Filosofia, Linguística, Comunicação, Psicologia, etc.) e em escolas orientadas por assuntos (descrição de tratamento da informação em determinadas áreas como

Medicina, Química e Engenharia). A maioria dos cursos e programas era, todavia, concentrada nas Escolas de Biblioteconomia e nos Departamentos de Ciência da Computação, situação mantida até os últimos anos.

De acordo com Saracevic (1997, 1999, 2009), inicialmente, a educação em Ciência da Informação se deu a partir da inserção de suas disciplinas nos currículos dos cursos de Biblioteconomia e Ciência da Computação nos EUA. Nesse aspecto, a recuperação da informação ou a Ciência da Informação transformaram-se em especialidades da Biblioteconomia e da Ciência da Computação. Daí decorre a nomenclatura especialista em informação bastante presente inicialmente na produção científica, notadamente, ao se referir aos profissionais de outras áreas que também trabalhavam com os processos bibliográficos, documentais e informacionais.

Essa prática da inserção da Ciência da Informação nos currículos de Biblioteconomia e Ciência da Computação promoveu a conformação de dois modelos de ensino denominados por Saracevic (1997, 1999, 2009) de Modelo de Jesse Shera e Modelo de Gerard Salton. Esses modelos refletem a formação dos pequisadores e, posteriormente, a produção científica por eles desenvolvida. Cada modelo focou em uma área bem específica da recuperação de informação e, por isso, ambos apresentam pontos fortes e fracos.

O modelo de educação de Shera tem como referência a formação bibliotecária e, nesse sentido, tem como ponto forte o desenvolvimento da educação profissional no espaço de uma estrutura de serviços, vinculando a educação à prática profissional e a um quadro mais amplo orientado para o usuário de uma série de serviços de informação. Por outro lado, esse modelo tem como ponto fraco a ausência de um referencial teórico amplo que abarque o ensino do formalismo dos sistemas de informação, notadamente, os conteúdos que permitam a compreensão de algorítmos. Esse modelo foi e continua sendo o modelo de educação predominante no campo da Ciência da Informação (SARACEVIC, 1997, 1999, 2009).

Foskett (1980a) corresponde a um dos autores afinados com o modelo de educação da Ciência da Informação com bases biblioteconômicas, embora não restrinja a esse na medida em que inclui outros especialistas em informação. Sua aproximação ao modelo de Shera se dá essencialmente na sua preocupação com a função social e, complementarmente, com a crítica à supervalorização da teconologia em detrimento dos aspectos sociais da profissão. Esse se constitui no espaço privilegiado para atuação profissional, notadamente, em bibliotecas públicas e universitárias.

O modelo de educação de Salton, por seu turno, tem como referência a formação dos cientistas da computação e, por conseguinte, é centrado em uma série de métodos formais e

experimentais na área da recuperação da informação. A sua abordagem educativa atém-se basicamente às práticas de laboratório e de pesquisa em sistema de recuperação de informação. O ponto forte desse modelo de educação diz respeito ao seu fundamento em uma base sólida na educação formal e em outros métodos quantitativos. Por outro lado, o seu ponto fraco diz respeito ao desconhecimento dos aspectos amplos da Ciência da Informação, bem como de qualquer outra disciplina que aborde os aspectos humanos, que são de grande relevância para a pesquisa na área de recuperação da informação. Além disso, não incorpora sua prática profissional aos domínios em que esses sistemas são implantados e utilizados (SARACEVIC, 1997, 1999, 2009).

Os modelos de ensino refletem, em maior ou menor medida, a formação profissional e a conformação dos campos científicos e profissionais. Esses dois modelos traduzem-se, respectivamente, em duas abordagens educacionais e práticas profissionais centradas no usuário e no sistema de informação. A complexidade se encontra no fato de que “as duas abordagens são completamente independentes uma da outra. Nem estão ligadas uma a outra, nem refletem plenamente o que está acontecendo no campo. Enquanto que, em cada modelo, há um aumento no conhecimento do outro, não há integração das abordagens educacionais centradas no sistema e no usuário” (SARACEVIC, 1999, p. 1061, tradução nossa).

Isso significa que, embora haja avanços nos estudos em direção a áreas que se constituíram em domínios interdisciplinares, há apenas justaposição das abordagens. Nesse sentido, considera-se que há um domínio caracterizado por um vazio epistemológico, que pode corresponder ao espaço das relações interdisciplinares mais centrais do campo científico. Além disso, pode-se considerar que a produção científica no domínio da Ciência da Informação se dá nos limites das relações estabelecidas com aquelas e outras áreas do conhecimento, não fazendo movimentos significativos de integração entre essas áreas.

Aumentando a complexidade que envolve o campo educacional, a formação profissional e a conformação do domínio da Ciência da Informação, segundo Saracevic (2009), vem emergindo outro modelo na última década, que implica na ampliação e na reorientação do campo científico. Esse movimento é acampado por diretores de escolas que têm formação em Ciência da Informação. O novo modelo de educação em Ciência da Informação está vinculado à emergência das Escolas de Informação ou “I-Escola”12, que decorre, em grande medida, da transformação das Escolas de Biblioteconomia e Informação em I-Escola. Há, porém, a composição de organizações acadêmicas bastante amplas, tais

como a I-School Cacaus formada em 2005, que em 2008 já incluía mais de vinte escolas de diversas origens, tais como Informação, Biblioteconomia e Ciência da Informação, Ciências da Informação e Computação, Políticas Públicas e Gestão, e Computação.

As i-Escolas representam uma abordagem inovadora para o ensino da Ciência da Informação, com algumas conexões interdisciplinares verdadeiras. À medida que nos aproximamos do final da década, ela também significa uma nova direção para educação em Ciência da Informação (SARACEVIC, 2009, p. 31, tradução nossa).

A história da origem e da evolução da Ciência da Informação está fortemente vinculada ao fim básico, porém, muito amplo de oferecer soluções para os problemas bibliográficos, documentais, informacionais e tecnológicos. O fato é que, segundo Saracevic (2009), as mudanças aceleradas em todos esses setores promovem na Ciência da Informação a constituição de um campo de constante fluxo, na rede imbricada de pessoas, tecnologias e informações. Ainda nessa linha de raciocínio, considera-se que se o campo da Ciência da Informação já era caracterizado pela dificuldade de integração entre os dois domínios (SARACEVIC, 1997, 1999, 2009; WHITE; MCCAIN, 1998), essa nova conformação aponta para maior dificuldade de integração disciplinar.

Saracevic (1999) compreende que o campo científico-profissional da Ciência da Informação está respondendo ao seu modo às necessidades de seus usuários e das organizações, contudo, como muito outros campos, há uma relação desconfortável entre o componente de orientação propriamente científica e o componente de orientação para a prática profissional. Atualmente, esses dois componentes não apresentam conexões bem estabelecidas, trasnformando-se em um sério inibidor para os respectivos progressos.

A formatação dos modelos de educação tem por base um contrato social entre os membros da comunidade científica, a sociedade e o Estado, que de longe não é desinteressado. Ao contrário, essas relações apresentam um caráter intencional bem como convencional, procurando establecer as melhores “cláusulas contratuais”, por assim dizer, conforme as exigências do mercado e da sociedade como um todo. Por outro lado, resta saber em que condições aquelas foram construídas.

Dessa conformação contemporânea do campo informacional resulta também uma multiplicidade de profissionais. Com efeito, o profissional da informação, segundo Le Coadic (1996), corresponde a todo profissional que adquire, processa, organiza, armazena, recupera e distribui a informação em sua forma original ou por intermédios de produtos a partir dela elaborados. O autor exclui dessa classe os pesquisadores e os tecnólogos, que produzem as informações.

Há, segundo Le Coadic (1996), pelo menos, três categorias de profissionais da informação de elevado nível profissional: os especialistas da informação, os empresários da informação e os cientistas da informação. Os especialistas em informação correspondem àqueles que, embora não trabalhem em bibliotecas tradicionais, recorrem, muitas vezes, às técnicas bibliotecárias para processar a informação, utilizando, principalmente, as TIC. Esses profissionais se voltam mais à análise, à comunicação e ao uso da informação, em detrimento do armazenamento e da conservação de coleções de documentos e objetos.

Os empresários da informação, por sua vez, correspondem aos profissionais da informação que fundam empresas dedicadas à fabricação e à venda de produtos e/ou serviços de informação. Uma empresa de informação concerne àquela que organiza, processa, transforma, comunica e analisa a informação produzida como resultado de pesquisas e estudos. Essa informação pode ser disponibilizada por intermédio de produtos ou de serviços prestados basicamente às empresas que não dispõem de uma estrutura de informação e de profissionais da informação atuando periodicamente (LE COADIC, 1996).

Os cientistas da informação se referem, segundo Le Coadic (1996), à comunidade científica formada por pesquisadores e docentes que pesquisam e ensinam na área de Ciência da Informação. Esses profissionais da informação exercem suas atividades basicamente em universidades, centros de pesquisa ou grandes empresas que desenvolvem programas de pesquisa com o intuito de estudar as propriedades da informação e desenvolver novos produtos e sistemas de informação.

Uma questão que ainda merece discussão, no campo da Ciência da Informação, no Brasil, em função da sua composição acadêmica e institucional, diz respeito às definições entre especialistas da informação, cientistas da informação e mesmo profissionais da informação, em sentido amplo. Isso fica mais evidente nas discussões sobre os critérios estabelecidos na definição de profissionais para atuarem nos espaços institucionais, como por exemplo, os adotados nos concursos realizados nas Instituições Federais de Ensino Superior. Parece, pelo menos, numa primeira aproximação, que a distinção entre especialistas da informação e Bibliotecários, que são considerados profissionais da informação, por exemplo, torna-se menos clara quando se ampliam os estudos e as práticas bibliotecárias para além das atividades tradicionais de armazenamento e conservação de documentos.