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CAPÍTULO 3: O CONHECIMENTO CIENTÍFICO CONTEMPORÂNEO:

3.4 A Constituição e a Consolidação do Campo Científico

3.5.1 Fundamentos da Epistemologia Interdisciplinar

3.5.1.3 Rede Conceitual da Integração Disciplinar

Diante da complexidade e das instabilidades que cercam o composto de conceituação, prática e teorização comumente apontadas na literatura, faz-se necessário pelo menos tentar precisar alguns elementos que envolvem essa rede conceitual, visando a possibilitar, em maior ou menor grau, as discussões e análises aqui empreendidas. Nesse intento, parece ser um conceito norteador dessa tentativa o conceito de disciplina, uma vez que se apresenta ao mesmo tempo como raiz etimológica e pré-requisito para o desenvolvimento de estudos e práticas nos seus diversos contornos. É, contudo, preciso considerar também que, conforme apontara Pombo (1994b), em função da polissemia que essa palavra também tem assumido, ao invés de se colocar como radical de aproximação, tem demonstrado uma verdadeira dispersão – disciplina como ramo do saber, disciplina como componente curricular e disciplina como conjunto de norma. O fato é que, para a autora, o radical, nesse sentido, não ajuda, sendo necessário recorrer à etimologia dos prefixos, que carregam fortes indicações para sua compreensão.

Pombo (1994b; 2003) propõe uma rede terminológica fundamentada em dois consensos: o modelo triádico (pluri, inter e trans) de oposições conceituais, e o caráter intermediário do conceito de interdisciplinaridade, no processo de evolução da integração disciplinar. A autora considera que, no nível etimológico, os prefixos pluri e multi não apresentam qualquer diferença. A tese central de Pombo (1994b; 2003) tem como fundamento dois princípios: esses prefixos se apresentam como três grandes horizontes de sentido; e a relação conceitual entre eles como um continuum da integração disciplinar. Os prefixos designam diferenças conceituais e evidenciam uma evolução crescente dessa integração, em que a pluridisciplinaridade se apresenta como polo mínimo, a transdisciplinaridade, o polo máximo e a interdisciplinaridade compreende um conjunto das diversas integrações possíveis entre esses dois extremos, conforme se pode observar na ilustração 1 abaixo.

Ilustração 1 - Crescendum da Integração Disciplinar (POMBO, 2003).

Na combinação entre os aspectos etimológicos dos prefixos e a noção de crescendum de integração disciplinar, é possível observar, de forma mais precisa, que se trata de movimentos que vão de um paralelismo pluridisciplinar ao perspectivismo e à convergência interdisciplinar, e, desta, ao holismo e à unificação transdisciplinar, conforme a ilustração 2 abaixo.

Ilustração 2 - Movimentos da Integração Disciplinar (POMBO, 2003).

No mesmo intento de precisar as expressões que abarcam as discussões da rede conceitual em torno da interdisciplinaridade, Japiassu (1976), numa abordagem diferente da adotada por Pombo (1994b; 2003), apesar dos prefixos multi e pluri, faz distinção entre a multidisciplinaridade e a pluridisciplinaridade. Assim, esclarece que a multidisciplinaridade corresponde à integração disciplinar bastante incipiente, apresentando-se apenas como uma mera justaposição de conteúdos de disciplinas ou áreas do conhecimento, sem se constituir em uma efetiva prática coordenada. Os estudos multidisciplinares apenas tomam emprestados

alguns elementos de duas ou mais áreas do conhecimento, sem haver contribuições significativas para enriquecimento da disciplina fomentadora. A pluridisciplinaridade, por sua vez, apresenta-se apenas como um agrupamento de conteúdos de áreas do conhecimento, porém, embora não estabeleça relações de coordenação entre as disciplinas, define certo grau de cooperação. Nenhuma dessas práticas promove efetivamente algum tipo de integração conceitual ou metodológica.

A interdisciplinaridade é entendida por Japiassu (1976) e Domingues (2005) como o possível ápice atual da integração disciplinar. Apesar dos equívocos e imprecisões conceituais, trata-se da práticas científicas epistemológica e pedagógica caracterizadas pela forte troca entre pesquisadores e pelo grau de integração das disciplinas no interior das pesquisas. Da mesma forma, esses autores entendem que a transdisciplinaridade se apresenta como um projeto amplo de integração dos saberes ainda não realizado.

A atual dificuldade metodológica da transdiciplinaridade está em conferir rigor a um campo que se encontra em expansão e, portanto, sem limites precisos e objetos claramente configurados e possíveis de ser visados, nítida e diretamente, como a “violência”, a “cidade”, os “processos descontínuos”, a “tradução”, a “relação teoria e prática”, a axiologia e a taxonomia das imagens, a imaginação na arte e na ciência, a “imaginabilidade dos conceitos” entre outros (BRANDÃO, 2005, p. 90, grifo do autor).

Nesse contexto, a prática científica orientada à constituição e à consolidação de um campo científico necessita de uma vigilância epistemológica nos espaços da integração disciplinar, para possibilitar maior aproximação daquilo que Bourdieu (1983) denominou de autonomia do campo científico. Da mesma forma, é preciso observar as zonas de indefinição e os domínios de ignorância construídos nas interfaces de diversos campos do conhecimento, que são próprios das abordagens transdisciplinares (DOMINGUES, 2005). Se na esfera técnico-científica a interdisciplinaridade é vista de forma acrítica, nos espaços institucionais pedagógicos essa postura parece mais visível.

Pombo (1994b) esclarece que a interdisciplinaridade não se trata de uma nova proposta pedagógica por duas razões. Primeiro porque uma nova proposta pedagógica se origina, na maioria das vezes, de “forma exógena e burocrática, ao passo que a interdisciplinaridade surge, em meio aos professores, como “uma ‘aspiração’ emergente no seio dos próprios professores”. Segundo porque novas propostas pedagógicas chegam quase sempre com um “grau elevado de elaboração”, em detrimento de práticas interdisciplinares que se apresentam como uma proposta em aberto com contornos ainda indefinidos. “Muito menos de que qualquer nova proposta pedagógica, a interdisciplinaridade aparece, assim, ao professor como uma mera palavra, significante flutuante e ambígua que ninguém sabe definir,

mas a que todos parecem aspirar” (POMBO, 1994b, p. 10). Dessa forma, basta a composição de um “[...] projeto vago, nebuloso, de contornos indefinidos, e logo a palavra interdisciplinaridade surgirá como susceptível de o designar” (POMBO, 1994b, p. 8).

Para além das dificuldades de precisar os conceitos, as teorias e as práticas de integração disciplinar, é recorrente na epistemologia científica a observação de que o modelo analítico de fazer ciência já não mais comporta o entendimento dos fenômenos naturais e humanos, fazendo-se necessário um programa alternativo que pretenda superar o estado de fragmentação por que passa a ciência. É preciso compreender que a especialização praticada de forma responsável se apresenta não como uma fragmentação, mas como uma possibilidade de maior aproximação ao fenômeno estudado e melhor compreensão das interconexões necessárias naquele processo.