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INTERAÇÃO USUÁRIO-PRODUTO/MATERIAL

CONTEXTO DO USUÁRIO-PRODUTO/SUPERFÍCIE

Na medida em que nos aproximamos do produto e que sua dimensão se torna cada vez menor, mais íntimo se torna o contato de nosso corpo com os materiais. É nessa fronteira externa dos produtos que resi- de a superfície do material e onde muitas relações sensoriais acontecem, em especial a visual e a tátil.

Manzini (1993) destaca a importância da superfície como meio da comunicação entre o produto e o usuário – “as superfícies são o local onde se dá esta transmissão de informações” (p. 204). Desde os pri- meiros objetos do paleolítico feitos e utilizados pelo homem, que a sua superfície “falava”, por meio de seus sinais, a sua realidade, seu caráter, suas referências culturais e sua história.

Foi assim até que, durante o Movimento Moderno, quando se observou uma ruptura nessa forma de expressão cultural nos objetos da época. A aversão à decoração e ornamentos tinha a intenção de destacar as formas resultantes da tecnologia e eliminar qualquer ruído que perturbasse essa pureza geométrica dos ob- jetos, tornando as superfícies mais lisas e isentas de elementos visuais.

A pele é uma superfície bidimensional tecida ao redor dos corpos, afirma Lupton (2002). Cada ob- jeto tem uma pele, seja ela espessa ou fina, macia ou áspera, porosa ou impermeável, a pele é o limite entre interior oculto e o exterior que experimentamos.

A superfície vai além de uma simples camada bidimensional e estática presente no último estrato dos objetos. Para Manzini a superfície é a interface entre os dois ambientes – o interno ao próprio objeto e o outro externo – atuando no papel de intercâmbio de energia entre as substâncias postas em contato. Essa matéria de “primeira linha” deve ser capaz de suportar todas as solicitações externas – agressões mecânicas, químicas, físicas e biológicas – como também comunicar ao usuário suas qualidades sensoriais (proprieda- des óticas, táteis, olfativas e térmicas), seus valores simbólicos e culturais.

Determinados materiais podem não necessitar de nenhuma modificação em sua superfície para que sejam utilizados, como é caso das pedras, vidro, couro, madeiras, cerâmica e o aço inoxidável. Outros mate- riais não possuem essas propriedades intrínsecas e necessitam, fundamentalmente, de um acabamento su- perficial que lhe confira determinadas propriedades, como banhos eletroquímicos, esmaltação, pinturas, recobrimentos como tecidos, películas, folheados, entre outros acabamentos.

Os materiais plásticos são dotados de uma superfície projetada e produzida de acordo com cada ne- cessidade. As diferentes famílias de polímeros permitem determinadas qualidades estéticas diferenciadas, que depende não somente das propriedades destes, mas também da texturização do molde que conforma a peça:

‚ Com relação ao material, tipos de cadeias poliméricas podem definir a aparência mais cerosa, semi- foscas, foscas e a fluidez de cada tipo de polímero. Pode também influenciar a capacidade de copiar

o molde nos seus mínimos detalhes, sendo assim possível criar uma hierarquia de polímeros com mais ou menos capacidade de produzir superfícies esteticamente atraentes.

‚ Com relação aos moldes, as peças podem possuir superfícies das mais brilhantes (moldes espelha- dos), menos brilhantes (moldes polidos), opacos e texturas (tratamento de fotogravação).

Conforme já foi mencionado, uma das áreas de atuação do designer é o design de superfície, que por alguns autores é denominada de “design tátil”. Esta área trata da criação de superfícies (visuais e táteis) projetadas especificamente para a constituição e ou tratamento de superfície, apresentando soluções estéti- cas e funcionais adequadas aos diferentes materiais e processos de fabricação (Sudsilowsky, 2006).

É importante lembrar que a superfície (ver Figura 44) de determinados produtos é considerada co- mo um dos seus elementos principais, como é o caso do tecido, cerâmica de revestimento ou vidro de uma divisória. Atualmente, há certa tendência em considerar o design de superfície como sendo uma especialida- de particular do design industrial e do design gráfico. Por outro lado, Sudsilowsky (2006) constata que ou- tros profissionais da área perpetuam o ciclo da “negação” da superfície ou que projetam superfícies sem uma preocupação com a sua aparência. Para a autora, ambos parecem esquecer ou deixar de lado o fato de que a superfície “comunica”, uma vez que é ela a interface entre o produto e o sujeito, seja esse produto um resultado de projeto gráfico, produtos, interfaces digitais e até mesmo um edifício.

(a) (b) (c)

Figura 44 – Tipologia das superfícies: (a) natural com qualidades sensoriais e estéticas; (b) superfície decorativa da parte frontal do Servidor Hitachi; (c) superfície sensível do computador popular XO da fundação OLPC (um laptop por criança)

Os desempenhos que o sistema da superfície proporciona são vastos e não param de aumentar com o desenvolvimento tecnológico: (1) exercem papéis tradicionais e óbvios, como a proteção e qualidades es- téticas e sensoriais; e (2) atuam como meios de comunicação estáticas (superfícies impressas e decorativas) e (3) como meios de comunicação dinâmica (superfícies sensíveis dotadas de componentes digitais para a entrada ou saída de informação).

Os controles sensíveis ao toque, cada vez mais presentes ao nosso contato, os teclados de membra- nas e os sistemas eletroluminescentes constituem os novos materiais e revestimentos da recente família dos produtos sensíveis. São geralmente membranas finas, flexíveis, cobertas de material “ativo” que funcionam conectados ao sistema eletrônicos dos produtos. A Figura 45(a) mostra um exemplo de dispositivos visuais e táteis para os deficientes visuais.

(a) (b)

Figura 45 – (a) Dispositivos visuais e táteis – telefone celular com teclado em Braille (Touch Messenger), criado pela Samsung Design da China e (b) Superfícies reativas e expressivas – superfície que reage mudando de a cor em contato com o corpo e temperatura

Os dispositivos táteis podem ser estáticos (como uma aplicação do código braile impressa em uma embalagem) ou dinâmicos (aplicação de controles em um painel de telefone celular, ou um vibrador para indicar uma chamada). Nesta última categoria, os dispositivos táteis podem ser reativos (ou force feedback) e possuem atuadores mecânicos que aplicam forças em alguma parte do corpo do usuário, especialmente nas mãos e dedos; e estão relacionados com o componente cinético do tato; e dispositivo tátil (ou tactile feedback) – possuem atuadores mecânicos que aplicam vibrações em partes do corpo do usuário. Para Gomes Filho (2003), eles são capazes de transmitir sensações táteis, especialmente de texturas, mas não ini- bem o movimento durante a interação; e estão relacionados com o componente cutâneo do tato.

O tato é o único dos sentidos que permite o input e output de informações de forma simultânea numa interação bidirecional, conforme Carneiro e Velho (2003). Experimentos relatados por estes autores comprovam que a utilização do tato diminui a taxa de erros durantes a utilização da interface e aumenta o desempenho em condições visuais desfavoráveis, especialmente quando o usuário possui alguma deficiência visual.

Com relação ao design, especialmente do setor de eletroeletrônicos contemporâneo, destaca-se o potencial da tecnologia háptica aplicada a uma série de produtos, como já iniciada recentemente por empre- sas de tecnologia de ponta. “O design desta pele – e logo dos produtos – é, sobretudo, o design da interativi- dade com o ambiente” (MANZINI, 1993, p. 214).

Determinadas superfícies podem conferir certa sensibilidade aos produtos, conforme ilustra a Figu- ra 45 (b). As superfícies fluorescentes, que podem ser reativas – aquelas que reagem com o ambiente –; e as superfícies expressivas, que evidenciam o estado e as modificações ocorridas, como por exemplo, os materi- ais sensíveis, que expressam as modificações de estado por meio da variação cromática.

Outras superfícies se incluem nesse repertório: superfícies macias que conservam as formas do to- que por meio de um efeito de “recuperação retardada”, e superfícies que podem ser consumidas durante o uso. Manzini (1993) sugere que estes tipos de superfícies têm um caráter lúdico e poético, e têm um grande potencial a ser explorado pelo design, especialmente para propor combinações de lógica funcional e valores estético-emocionais.