FERRAMENTAS DE AVALIAÇÃO SUBJETIVA DE PRODUTOS
3.3 ANÁLISE DAS FERRAMENTAS
3.3.4 FERRAMENTAS PARA DEFINIR CARACTERÍSTICAS DOS PRODUTOS
A partir da avaliação prévia das ferramentas destinadas a definir as características dos produ- tos/materiais, foi possível identificar cinco que possivelmente atendessem aos interesses do presente traba- lho, quais sejam: o “Pictograms for product sound”; a “Engenharia Kansei” e dois instrumentos de apoio a este último – “KENSYS” e “Kn6 IBV” –; o “Método de Avaliação da Qualidade Sensorial (SEQUAM)”; e, o “Materials in Products Selection (MiPS)”.
Destes, foram selecionados – Engenharia Kansei, SEQUAM e MiPS serão apresentados e comentados a seguir.
3.3.4.1 Comentários sobre a Engenharia Kansei
Um dos problemas da EK, na sua forma mais freqüente de aplicação, é a não interação dos usuários com o produto. A apresentação dos produtos aos participantes se dá na forma de imagens (desenhos, pers- pectivas, renderings e maquetes digitais em 3D). Sem dúvida, essa prática é mais econômica, rápida e conveniente de ser realizada, todavia, restringe, fortemente, a forma como os indivíduos podem interagir com o produto. Schütte (2005) comenta que somente a modalidade sensorial da visão é considerada na EK, portanto, a possibilidade dos usuários expressarem suas reais sensações (palavras Kansei) é incom- pleta, ou mesmo enganosa, na medida em que a experiência com o produto envolve também outros sen- tidos, como a sensação tátil, olfativa e auditiva. A Figura 55 mostra o fluxo entre as propriedades senso- riais do produto, passando pelos canais das modalidades sensoriais e chegando ao usuário (Kansei). No entanto, conforme destaca Schütte (2005), essa é uma visão idealizada. Na prática, existem obstáculos no caminho, limitando, ou rompendo, o fluxo semântico. Esses obstáculos são representados, na figura, pela proximidade de apresentação e de interação. À medida que se consiga maior interação do usuário com o produto, mais fácil será a obtenção da expressão de seus sentimentos sobre ele; do contrário, a percepção pode ser, em parte, bloqueada, nesse fluxo.
Figura 55 – O fluxo sensorial. Fonte: SCHÜTTE (2005, p. 67)
Entretanto, deve-se considerar a proximidade de apresentação do produto para os usuários, ou seja, definir as modalidades sensoriais indispensáveis para a experiência, sob o risco de que o produto não revele determinadas sensações e emoções. Por exemplo, as palavras Kansei de um pedaço de chocolate
não são satisfatórias quando transmitidas por uma foto, uma vez que o olfato e o paladar são importan- tes estímulos que, nessa circunstância, não estão disponíveis.
Em muitos casos, não é mesmo possível dispor de um modelo, protótipo ou produto real para ser avali- ado, especialmente, porque o processo de desenvolvimento de um produto é composto de fases, nas quais a idéia inicial – intangível – vai amadurecendo, até se tornar um produto tangível.
As aplicações da EK relatadas na literatura, no entanto, mostram que já foram realizados estudos tanto em produtos, como em materiais: cor, textura, design superficial em materiais plásticos e vidro.
A aplicação da EK exige tempo, recursos financeiros e conhecimentos especializados. Schütte (2005) comenta que durante sua visita ao Japão, para realizar seu trabalho de tese, visitou várias empresas que aplicam o método, “a maioria consideram a EK extremamente interessante, mas todas sonham como uma versão mais leve”.
O processo de identificação das palavras Kansei e dos elementos de design, antes da avaliação dos pro- dutos, deve ser realizado a cada novo estudo, razão porque os especialistas são necessários. Entretanto, experiências de diversos autores têm demonstrado que a elaboração de bancos de dados (BD) próprios, por empresa, torna o processo mais simplificado. Os bancos de dados são mais comuns para as palavras Kansei, (que, de acordo com Nagamachi (1995), devem ter de 600 a 800) mas é possível que se evolua também para os elementos de design.
Barnes et al (2008) elaboraram um Manual do Método Kansei para Embalagens, no qual acrescentaram um processo fácil para recolher, filtrar e selecionar as palavras mais adequadas para o uso em um estu- do Kansei. O objetivo do método é garantir que os adjetivos tenham níveis adequados de precisão e asse- gurar que a lista final seja facilmente compreendida, com pouca margem para interpretações equivoca- das.
Schütte (2005) demonstra certa preocupação em relação ao poder da imagem simulada para represen- tar um produto. Nesse processo, é possível dar ao produto uma determinada aparência que ele não pos- sui na realidade, ainda que não seja proposital. A avaliação de uma mesa com um tampo de madeira, a partir de uma imagem, pode não deixar claro se o material empregado é madeira natural ou processada. Esse elemento pode ser percebido pelo usuário como se houvera algum propósito desonesto na apre- sentação do produto. Isso tem um impacto negativo relevante, sobre a palavra Kansei, "natural", dessa avaliação.
Tradicionalmente, os sentimentos e emoções foram tratados pelas ciências sociais e do comportamento – psicologia, antropologia e sociologia –, utilizando medições qualitativas. Quando a EK começou a ser aplicada, promoveu-se a disseminação de conceitos sobre as emoções, nas áreas técnicas das empresas, visando o desenvolvimento de produtos centrados nos os usuários. Assim, pela primeira vez, muitos en- genheiros tiveram a impressão que eles podiam "entender" sentimentos e emoções. Contudo, para fazer uso do método, a equipe deve estar treinada e ter experiência suficiente para prever possíveis falhas e ter certa expectativa sobre os resultados.
em que se reduz o número de fatores que influenciam o produto, ao menor número possível, ou seja, quando se encontram soluções, essencialmente semânticas, e descrições claras, dos elementos de de- sign, facilita-se a compreensão, aumenta-se o conhecimento do produto e fazem-se, as necessidades afe- tivas dos clientes, mais claras para os designers (Schütte, 2005). Contudo, deve-se considerar, também, uma visão holística do produto em seu contexto de uso.
Quando os indivíduos expressam seus sentimentos, impressões e emoções, por meios externos, dificil- mente esses elementos atingem todas as emoções sentidas; conseqüentemente, a descrição por meio de palavras é incompleta. Sendo assim, outras formas de aferir emoções, como as medidas fisiológicas e expressões faciais, podem complementar tal descrição. Em verdade, essa observação é pertinente a to- dos os demais métodos apresentados, uma vez que, tanto a expressão, como a medida das emoções, se- rão, sempre, parcial ou relativa.
Schütte (2005) comenta que no Japão a EK é considerada um método de apoio para o desenvolvimento de produtos. Na Europa, onde sua implementação se deu posteriormente, as empresas já dispunham de outras metodologias de desenvolvimento, como o QFD, e observaram possíveis pontos de convergência e combinação entre eles, tais como: identificar as necessidades dos clientes e determinar sua importância; facilitar a fixação de valores-alvo e dados técnicos para realizar análise comparativa entre diferentes produtos e marcas; e quantificar as semelhanças com matrizes, de uma forma mais exata. No QFD, con- tudo, a interpretação das declarações dos indivíduos é muito difícil, pois exige muita experiência por parte da equipe, o que, na EK, é um processo mais natural.
3.3.4.2 Comentários sobre o Método de Avaliação da Qualidade Sensorial (SEQUAM)
O método apresentado por Bonapace (2000, 2002) é o que apresenta melhores idéias e potenciais para ser aplicados nesta pesquisa:
Quadro 11 – Sensações dos usuários e sua correspondente propriedade (BONAPACE, 2002, p. 201)
A primeira delas se refere à valorização das modalidades sensoriais, na análise (Quadro 11). Outros mé- todos apresentaram avaliações semelhantes, no entanto, ora a avaliação é feita em amostras do material fora do contexto do produto (Sensotact, por exemplo), ora aplicado ao produto, mas restrito somente às texturas (como por exemplo, o método Matrix).
parâmetros do produto, sendo uma abordagem similar à Engenharia Kansei nesse aspecto.
A interação do usuário com o produto durante os testes pode ser considerada uma terceira vantagem. Como já mencionado, nos comentários anteriores da EK, o processo de design do produto segue rígidos passos e, à medida que avança, os produtos se tornam mais tangíveis. Para solucionar esse problema o método SEQUAM adota uma alternativa ímpar; qual seja, a de experimentar produtos semelhantes como forma de avaliar pontos favoráveis ou não. A avaliação de modelos, mockup e protótipos também são práticas estruturadas e de fácil realização para empresas Figura 56).
Figura 56 – O processo do SEQUAM. Adaptado de Bonapace, 2002, p. 202
Itiro et al (2008, p. 49) comenta a respeito do SEQUAM: “modelos funcionais são mais efetivos e às ve- zes necessários para o teste correto dos aspectos de agradabilidade, contudo exigem mais tempo para sua construção e são mais caros”. Bonapace (2002) acrescenta que os modelos funcionais (aqueles em situações reais de uso e no ambiente onde será utilizado) devem ser testados por um número maior de participantes do que os modelos não funcionais.
Outra vantagem do método é sua flexibilidade, sendo possível realizar todas as etapas, ou somente aque- las convenientes em cada caso.
3.3.4.3 Comentários sobre o Materials in products selection (MIPS)
O método proposto por Ilse van Kesteren (doutoranda) e os professores Pieter Jan Stappers e Sjef de Bruijn da Delft University of Technology (Holanda) tem os seguintes propósitos:
Auxiliar os clientes (empresas) na definição dos requisitos que dizem respeito à interação dos produtos com os usuários;
Promover o consenso entre o cliente e o designer, sobre os aspectos da interação do produto com os usuários – já nas fases iniciais da seleção dos materiais –, de modo a evitar mudanças posteriores no projeto; e
Considerar as questões sensoriais do produto como critérios, para as propriedades dos materiais. O modelo MiPS é composto de três ferramentas básicas (Figura 57), de acordo com Kesteren et al (2007b):imagens (fichas de referências de diferentes “personalidades” de produtos, tais como: alegre, aber-
to, atraente, relaxado, honesto, e outros); amostras (composta por amostras físicas, que correspondem aos aspectos sensoriais dos produtos exemplificados nas fichas)e ciclo de Interações (a terceira ferramenta con- siste em definir os requisitos sensoriais para as diferentes fases de interação do produto com o usuário, que se sucedem ao longo do ciclo de vida do produto). O designer e o cliente imaginam e discutem como acon- tece a interação do usuário com o novo produto em um determinado momento. Cada fase é avaliada, a partir de uma série de perguntas, e são verificadas as propriedades sensoriais pertinentes a cada uma delas.
As perguntas são: quais os aspectos sensoriais solicitados em cada fase? Como o produto vai se des- tacar, chamar atenção? Como o produto irá se diferenciar em relação a outros produtos e ao ambiente? Ao experimentar o produto, quais os aspectos sensoriais solicitados? Posso compará-lo a outros produtos simi- lares e diferentes? O produto convence o usuário após sua experiência? Que tipo de feedback ocorrerá du- rante o transporte do produto? Quais os aspectos sensoriais solicitados para desembalar o produto? Como ocorre a interação durante a utilização do produto? O que pode perturbar a interação? O que pode intensifi- car a interação? O que pode perturbar o feedback? Que tipo de feedback pode ser intensificado? Como o produto vai ficar no ambiente de uso com os demais produtos relacionados? Como o produto vai ser descar- tado?
Figura 57 – Ferramentas utilizadas no modelo MiPS. Fonte: KESTEREN et al, 2007b, p. 54
Apesar de ser um método para identificar os requisitos sensoriais dos materiais utilizados pelos desig- ners e clientes, ele apresenta pontos positivos que podem ser aproveitados nesta pesquisa. Os principais são: a correlação entre a imagem de um produto, as descrições sensoriais possíveis e a amostra de materiais que cor- respondem àquelas idéias. O segundo ponto, e a nosso ver o mais relevante, é a adoção do “Ciclo de Intera- ções” do produto. Esse processo permite o entendimento, correto, das fases em que ocorrem as possíveis inte- rações entre usuários e produtos, o que favorece à visualização do produto, de maneira mais completa.