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Contribuições e limitações ao debate sobre PSA

1.2. Desdobramento econômico da ideia de desenvolvimento sustentável

1.2.2 Economia Ecológica: “sustentabilidade forte” e primazia da ecologia

1.2.2.1 Contribuições e limitações ao debate sobre PSA

O pagamento por serviços ambientais é um dos principais instrumentos criados pela economia ambiental para concretizar a ideia de internalização da natureza na função de produção. Em apertada síntese, pelo PSA, elege-se um único serviço ambiental, provido por um proprietário que se obriga a provê-lo em troca de um pagamento, não necessariamente financeiro. Entretanto, com será analisado em tópico específico adiante, o desenvolvimento da ciência ecológica nos revela que a interação entre o funcionamento dos ecossistemas e os benefícios que eles proporcionam à sociedade exige uma visão sistêmica e interdisciplinar dos instrumentos econômicos, o que não se sustenta na economia ambiental.

Exige-se, em última análise, uma reformulação do próprio conceito de PSA56, que passa a ser implementado não apenas com intuito de preservar ou recuperar um único serviço ambiental, mas sim um determinado ecossistema, assim considerado como um conjunto de processos físicos, químicos e biológicos.

A economia ecológica oferece suporte teórico a redefinição do conceito de PSA, sobretudo no que se refere ao ser caráter transdisciplinar e sistêmico. Uma visão holística dos serviços ambientais, evidentemente, dificultam sua compreensão, na medida em que se identificam um sem número de processos interligados e correlacionados. Essa dificuldade mostra-se ainda mais complexa quando se pensa em mecanismo que devam levar em consideração essas interação e, ao mesmo tempo, assegure sua proteção contra a pressão da economia. Sem uma metodologia transdisciplinar, não há como se concretizar um desenvolvimento sustentável, nos termos aqui defendidos.

No que se refere aos métodos de valoração da natureza, a economia ecológica, prevendo uma sustentabilidade forte, pretende superar o caráter subjetivo e individualista da economia ambiental, por meio de uma análise multicriterial e objetiva, na tentativa de ser o mais equitativo possível na árdua tarefa de definir valores aos recursos naturais. Contudo, apesar de ser uma proposta, de fato, mais coerente ao conceito de desenvolvimento sustentável aqui adotado, sobretudo no que tange a interdependência e coordenação dos aspectos da sustentabilidade, há que se reconhecer as dificuldades e sérias limitação técnica e financeiras da economia ecológica.

                                                                                                                         

Para Martínez-Alier57, um dos precursores da economia ecológica ao lado de Costanza, o tema central desse novo campo de estudo é a incomensurabilidade dos bens e serviços ecossistêmicos. De fato, a simples valoração e internalização dos bens ambientais à função de produção, como defendem os economistas ambientais não é suficiente para corrigir as imperfeições da economia. Há alguns métodos de valoração da economia ecológica que até são factíveis, inclusive, sendo aplicáveis em algumas experiências nos Estados Unidos58, mas a tentativa de objetividade e interdisciplinariedade elevam significativamente os custos de transação, que o tornam inviáveis economicamente e com sérias restrições técnicas.

Entretanto, a maior contribuição da economia ecológica para os programas de PSA e para a problemática ambiental como um todo é o desenho de um ideal a ser alcançado, qual seja, uma mudança de paradigma baseada na ecologia e não mais na economia, e, sobretudo, a revelação de que pode ser alcançado, ainda que não tão facilmente como se precisa. Isso faz com que sempre se busque o melhor para a natureza, sem impedir o crescimento econômico e a justiça social.

1.3. Sustentabilidade Institucional59: um esboço

A proposição de um conceito de desenvolvimento sustentável deve, em última análise, objetivar a integração e a coordenação de todos os aspectos que envolvam direta ou indiretamente economia, meio ambiente, política e bem-estar social. Por isso, a ideia de sustentabilidade deve permear desde as relações (não apenas econômica) particulares e locais até relações governamentais nacionais e globais. Assim, a sustentabilidade se aproxima mais de um objetivo processual de tomada de decisão do que um fim em si mesma.

                                                                                                                         

57  MARTÍNEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. Trad.

Mauricio Waldman. São Paulo: Contexto, 2007. p. 23.

58  Para uma analise mais aprofundada sobre a valoração ambiental na perspectiva da economia ecológica, ver

ODUM, Howard Thomas. Environmental accounting: emergy and environmental decision making. John Wiley & Sons, Inc. 1996. e AMAZONAS, Maurício. Valor e meio Ambiente: elementos para uma

abordagem evolucionista. Tese (Doutorado)–Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas –

Unicamp, 2001.

59 Para o desenvolvimento deste trabalho, o termo instituição ou institucional seguirá a orientação dos institucionalistas clássicos, em especial Arild Vatn, que considera instituições como "convenções, normas e

regras formalmente sancionadas que simplificam e regularizar a vida cotidiana" (Vatn, A. Institutions and the Environment. Cheltenham, Edward Elgar: 2005. 481p). Para o autor, as Convenções solucionam

problemas de coordenação local, prevendo a conexão de determinados atos a determinadas situações. As Normas associam valores aos atos, determinando o comportamento ou solução a ser aplicada em uma determinada situação. Finalmente, as Regras formalmente sancionadas diferem das normas, na medida em que se referem a atos necessários ou proibidos em uma determinada situação, cuja sanção, em caso de descumprimento, já está prevista e deve ser aplicada por um terceiro.

E para uma adequada integração e coordenação dos critérios de sustentabilidade, a análise das instituições que regem essas relações, sobretudo, entre homem e natureza, assume um papel fundamental. A noção de precaução, incertezas e cooperação intergeracional exige uma reformulação das leis dos homens para que possam respeitar e se harmonizar às leis universais da natureza, o que representa um grande desafio, na medida em que aquelas não acompanham, na mesma velocidade, a evolução desta. Aliás, a problemática ambiental é extremamente grave e exige soluções urgentes, a curto prazo, e sistemáticas, a longo. Não é necessário demasiado esforço lógico para concluirmos que, a menos que a lei seja feita em consonância com os critérios de sustentabilidade, sua implementação, em última análise, irá proteger e legitimar condutas insustentáveis.

Como bem ressaltado por Gowdy e O’Hara60, a sustentabilidade de um sistema deve ser analisada considerando o sistema como um todo, e não apenas parte dele. De fato, a ideia de sustentabilidade deve levar em consideração não apenas os objetivos e valores humanos, mas também o funcionamento de todo o sistema, como condição de viabilidade e eficiência.

Em suma, a ideia de sustentabilidade aqui adotada pode ser resumida na necessidade de manutenção de uma base, um fundamento, que servirá de sustentação a todas as interações da sociedade, independente da sua localização ou grau de desenvolvimento. Essa base interage com diversos outros fatores, em especial, as variações de vontades e individualidades da sociedade, fazendo as escolhas que acharem necessária para atingir o bem-estar individual e social. Criam-se, assim, novas situações que, invariavelmente modificam, em diferentes graus, a situação anterior, mas que mantém suas bases sólidas e permeáveis, possibilitando, em última análise, a manutenção da própria vida. Essa é exatamente a função do meio ambiente.

Essa lógica deve ser transferida para o ambiente institucional ou, em outras palavras, para o direito. Partindo-se do pressuposto que o direito é o instrumento que regula a vida em sociedade e, consequentemente, a relação dessa sociedade com o meio em que vive, ele próprio, por meio de suas instituições e instrumentos deve seguir essa mesma lógica de sustentabilidade.

                                                                                                                         

60  GOWDY, J., O’HARA, S. Weak sustainability and viable technologies. Ecological Economics 22 (1997).

Segundo Nobre e Amazonas61, a batalha ideológica da busca de um novo paradigma de desenvolvimento mudou de lugar, passando a estar ancorada em instituições. E, segundo os autores, no interior dessas, de um lado o próprio debate ideológico é arrefecido e mediante as quais, do outro lado, produz-se uma nova configuração das forças em conflito, na medida em que se impõe a escolha entre ficar de fora das decisões ou traduzir seu poder em termos institucionais.

Assim como o sistema jurídico, holisticamente considerado, deve ser sustentável, suas instituições devem ser pensadas ou criadas seguindo a mesma lógica, ou seja, deve-se, primeiramente, criar um ambiente ou campo institucional que seja capaz de absorver e harmonizar as regras da sociedade de maneira a ser perfeitamente encaixada nas engrenagens do ecossistema, mas ao mesmo tempo, seja capaz de ser modificada de acordo com os interesses da sociedade que regula.

A sustentabilidade institucional, portanto, seguindo a lógica da sustentabilidade definida anteriormente, exige que o direito crie um ambiente jurídico consistente, que, tal como o meio ambiente natural está para a o desenvolvimento sustentável, suporte essas variações institucionais e valores individuais, mas que, ao mesmo tempo, permita a instituição de mecanismos que se adequem aos anseios dessa sociedade. Essa base, de acordo com a lógica do desenvolvimento sustentável, deve ser a proteção ao meio ambiente e as engrenagens flexíveis e adaptáveis são os instrumentos que protegem e promovem os aspectos sociais e econômicos de maneira harmônica e sistêmica.

Como será analisado mais adiante, o direito mostra-se peça fundamental nesse processo de harmonização, pois é capaz de criar e legitimar esse ambiente institucional e coordenar mecanismos que viabilizem a convivência pacífica entre interesses econômicos e a necessidade de preservação ambiental, não apenas com sua função sancionatória, mas sobretudo quando se assume uma postura promocional. Isso é o que chamamos de sustentabilidade institucional, cuja ideia será melhor aprofundada mais adiante, em capítulo específico.

                                                                                                                         

61   NOBRE, Marcos e AMAZONAS, Maurício. Desenvolvimento sustentável: a institucionalização de um

CAPÍTULO 2

PAGAMENTO POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS