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PAGAMENTO POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS Introdução

2.4. Análise axiológica do conceito de serviços ecossistêmicos

2.5.3. A necessidade de redefinição do conceito de PSA

2.5.3.1 Perspectiva econômica

No campo econômico, os programas de pagamento por serviços prestados pela natureza podem ser analisados sob os fundamentos da economia ambiental ou da economia ecológica. Segundo Farley e Costanza111, na perspectiva da economia ambiental, do inglês

environmental economics perspective (ENVEP), a transação dos serviços ecossistêmicos

deve ser balizada e realizada em um modelo baseado nos princípios do mercado, com ênfase na eficiência. Por outro lado, na perspectiva da economia ecológica, do inglês

ecological economics perspective (ECOLEP), segundo os autores, os programas de PSA

procuram adaptar as instituições econômicas às características físicas dos serviços dos ecossistemas, priorizando a sustentabilidade ecológica e a distribuição equitativa dos benefícios, o que exige uma abordagem transdisciplinar.

Um dos maiores expoentes da perspectiva da economia ambiental é Sven Wunder, pois seu conceito de PSA enquadra-se perfeitamente na lógica da Economia Ambiental. Segundo Engel et al.112, os programas de pagamento por serviços ambientais, sob a perspectiva da economia ambiental, representam uma tentativa de colocar em prática o teorema de Coase.

                                                                                                                         

110  A ideia de direito que se pretende defender nesse trabalho será melhor desenvolvida no Capítulo 4.     111   FARLEY, J., COSTANZA, R. Payments for ecosystem services: from local to global. Ecological

Economics 69 (11), 2010, p. 2060–2068.  

112  ENGEL, S., PAGIOLA, S., WUNDER, S. Designing payments for environmental services in theory and

Como visto anteriormente, Coase defende que a criação de um mercado é a melhor alternativa para internalização das externalidades. E que para ser eficiente, esse deve permitir a transação voluntária de direitos de propriedade bem definidos e a possibilidade de barganha entre os provedores do serviço e seus compradores. Nota-se que os cinco elementos do conceito de Wunder se enquadram perfeitamente na teoria de Ronald Coase.

A principal crítica a esta perspectiva ataca a dissonância entre teoria e prática. Segundo Muradian et al113., a maioria das experiências de PSA espalhadas pelo mundo não

cumprem rigorosamente as condições do conceito da perspectiva da economia ambiental. Ora, uma definição que exclui a maior parte dos casos de PSA deve, no mínimo, ser considerada falha. Caso contrário, chegaria ao ponto de dizer que há programas de PSA perfeitos e programas quase-perfeitos, o que evidentemente causaria uma insegurança suicida na implementação de PSAs.

Outro ponto sensível dessa perspectiva, como dito anteriormente, é a previsão de condicionalidade do conceito de PSA sob a ótica da economia ambiental, na medida em que exige um custo de fiscalização bastante elevado. Além da explicita dificuldade de se aferir a adicionalidade, há necessidade de se estabelecer qual a participação dos provedores na efetiva provisão de um determinado serviço. Como a palavra de ordem dessa perspectiva é a eficiência, nos parece paradoxal exigir uma condição cujo custo de aferição é significativamente elevado e incerto. Mais problemático ainda é defender, na teoria, a criação de um mercado e, na prática, conviver com incertezas, aumentando expressivamente o custo de transação114.

Por fim, ao priorizar a eficiência, projetos de PSA baseados na lógica da Economia Ambiental aproximam-se da ideia de criação de mercado e propiciam a mercantilização dos serviços ecossistêmicos.

A perspectiva da Economia Ecológica sobre PSA tem como um de seus expoentes, Muradian et al.115, que desferem severas críticas ao PSA sob a perspectiva da economia ambiental e apontam diversas deficiências dessa corrente na tentativa de                                                                                                                          

113   MURADIAN, Roldan; CORBERA, Esteve; PASCUAL, Unai; KOSOY, Nicolás; MAY, Peter H.

Reconciling theory and practice: An alternative conceptual framework for understanding payments for environmental services. Ecological Economics 69 (2010) 1202–1208. p. 1205.  

114  Para melhor compreensão da relação do custo de informação com eficiência do mercado ler AKERLOF,

George. The Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanism, in Quarterly Journal of Economics, v. 84, n. 3, ago. 1970.  

115  MURADIAN, Roldan; CORBERA, Esteve; PASCUAL, Unai; KOSOY, Nicolás; MAY, Peter H. Op. Cit.

implementar o Teorema de Coase em programas de PSA. Para os autores, a abordagem Coaseana não empresta a devida atenção ao papel das instituições e características locais, nem na formação e nem nos resultados obtidos com os projetos. Para essa perspectiva a sustentabilidade ecológica e a equidade têm precedência sobre a eficiência do mercado em promover os interesses sociais, pois entendem esses programas como um instrumento de concretização do desenvolvimento sustentável, que não seja um fim em si mesmo, mas, de fato, um instrumento, um meio de alcançar o bem-estar da sociedade.

Farley e Costanza116, na tentativa de encontrar um caminho do meio entre essas duas perspectivas, propõem uma estrutura unificadora, que pretende abordar de forma adequada todas as duas perspectivas, e ajuda a identificar quais as instituições são mais apropriadas para esse programas. Para os autores, os pontos mais delicados de uma abordagem adequada de pagamento por serviços da natureza são (i) a voluntariedade, (ii) a escolha do serviço, (iii) a exigência de um único comprador, e (iv) a condicionalidade estrita.

De fato, como aventado alhures, o conceito de PSA não deve exigir, necessariamente, a voluntariedade da prestação e do pagamento, como pretende Wunder. Para os autores, as características físicas do serviço devem ser levadas em consideração, onde os serviços dominados por características de bens particulares são passíveis de pagamentos voluntários, enquanto os serviços com características de bem público não o são e, portanto, mais adequado seria impor aos seus usuários o pagamento forçado.

A complexidade das relações ecossistêmicas é um enorme obstáculo à concretização da escolha de um único serviço a ser objeto de pagamento. Ao se pagar, por exemplo, pelo serviço de purificação da água, vários outros serviços a este estão agregados e diretamente relacionado, porém não são contabilizados. Os autores propõe que, ao invés da individualização, esses serviços devem ser considerados em pacotes ou feixes (bundle). Assim, o pagamento torna-se mais coerente à complexidade dos serviços ecossistêmicos e mais propensos a maximização dos benefícios sociais.

Nos serviços florestais, por exemplo, quem produz os serviços ecossistêmicos, tais como, regulação do microclima, suporte da biodiversidade, entre outros, não é uma única árvore ou um único animal, mas sim a coletividade desses. Isso implica em um alto grau de abstração espacial e funcional, pois não há como se determinar objetivamente                                                                                                                          

116   FARLEY, J., COSTANZA, R. Payments for ecosystem services: from local to global. Ecological

quem ou em que medida referida área ou espécie é responsável ou mais responsável pela provisão dos serviços.

A exigência de um comprador pode não ser compatível com alguns mecanismos de remuneração de determinados programas, pois, como será analisado mais adiante, há casos em que uma agência reguladora é quem realiza os pagamentos aos provedores, tal como ocorre com os sistemas de cap and trade, no qual exige-se, necessariamente, uma agência intermediária que determine os parâmetros para medição dos serviços ecossistêmicos e as regras para sua transação.

Por fim, os autores defendem que a condicionalidade não pode ser estrita, pois aumentam significativamente o custo de transação e desestimulam a motivação intrínseca ou espontânea do provedor. Portanto, propõe um sistema baseado na reciprocidade, como, aliás, já tem sido feito em alguns países. Em suma, é recíproco o sistema que adianta o pagamento ao provedor para que proteja ou restaure um determinado feixe de serviços. 2.5.3.2 Perspectiva jurídica

A perspectiva econômica influencia diretamente a análise jurídica dos programas de pagamento por serviços da natureza, pois a depender da forma de remuneração, se baseado na lógica de mercado ou se por intermédio de fundos, as instituições jurídicas aplicáveis aos casos serão distintas. O aspecto jurídico mostra-se ainda mais importante na definição de um arranjo institucional que proporcione a proteção desses serviços e, ainda, seja economicamente factível, garantindo o interesse ou a motivação espontânea dos provedores e tomadores ou compradores desses serviços.

O próprio Wunder, em estudo sobre a possibilidade de implementação de PSA na Amazônia legal117, identifica sérias limitações jurídicas em razão, principalmente, da insegurança jurídica na determinação dos direitos de propriedades de grande parte das terras da região (grilagem, terras devolutas, quilombolas, comunidades ribeirinhas, terras indígenas). Para o autor, essa situação exige três modalidades diferentes de PSA, de acordo com os diferentes níveis de propriedade e direito de uso, quais sejam, (i) PSA sem restrições do direito de uso, para moradores em terras privadas e posseiros em terras devolutas, mas que tenham o direito de exclusão de fato; (ii) PSA com restrições do direito de uso, ou seja, em terras privadas ou públicas com restrições legais, tais como, reserva legal e unidades de conservação. Nesses casos, o autor defende que o pagamento só seria                                                                                                                          

117  WUNDER, Sven; BÖRNER, Jan; TITO, Marcos; PEREIRA, Lígia. Pagamento por serviços ambientais:

devido mediante comprovação da adicionalidade além dessas restrições e, por fim, (iii) pagamento ou compensações para atividades de apoio, tais como, manejo e preservação ambiental promovido por moradores ao redor de áreas legalmente protegidas.

A ausência de um marco legal, como é o caso do Brasil e de muitos outros países provedores de serviços ecossistêmicos, já é, por si só, um grande obstáculo para a conceituação de PSE. A falta de um conceito adequado e factível permite uma série de situações de insegurança jurídica, pois a maneira como os incentivos às práticas de preservação ambiental são instituídos pode gerar consequências perversas ao próprio meio ambiente. É o caso do vazamento118 ou ainda de atitudes egoístas e capitalistas advindas da má definição de uma linha de base para se medir a adicionalidade.

Entretanto, pior do que a falta, talvez seja a deficiência do conceito. Há que se observar que a simples definição não é suficiente para solução desses problemas, ao revés, se feitas de maneira isolada e em sentido top down, podem gerar problemas ainda maiores e mais sérios diante das dificuldades práticas de modificações legais, tais como lobbys e o processo legislativo em si.

Aprofundando ainda mais na perspectiva jurídica e tomando como ponto de referência o conceito de serviços ecossistêmicos florestais, aqui adotado, poderíamos questionar: qual o papel do direito na busca da conciliação entre economia e meio ambiente? Como e quais instrumentos o direito deve utilizar para propiciar a adequação dos anseios da sociedade aos limites impostos pelas complexas interações entre bens e serviços ecossistêmicos? Essa tarefa torna-se ainda mais árdua, quando se pensa em desenvolvimento sustentável, em especial, na garantia de adequação dos anseios das gerações futuras.

Essas são algumas das respostas que este trabalho pretende responder e, portanto, será melhor discutido em capítulo específico. O que se precisa ter em mente, por ora, é a importância e a influência dos arranjos jurídicos na (re)definição do conceito de pagamento por serviços ecossistêmicos.

Entretanto, os referidos questionamentos, que, a princípio, representam limitações à implementação desse mecanismo, são decorrentes da ideia restrita do conceito de PSA e, até mesmo, da própria ideia que se tem de direito e do seu papel na sociedade. Por isso,                                                                                                                          

118  Vazamento é definido como a mudança líquida de emissões antropogênicas por parte de fontes de gases

de efeito estufa (GEE) que ocorre fora das fronteiras do projeto, e que é mensurável e atribuível à atividade do projeto MDL (UNFCCC. Glossary of CDM Terms. EB41, 2008) Em outras palavras, é o risco que se tem de a implementação do REDD+ em determinada área ou países causa ou agravar o desmatamento em áreas sem o mecanismo.  

primeiramente, optaremos por um novo e mais amplo conceito desses programas de pagamento por serviços da natureza e, em capítulo específico, definiremos as bases jurídicas.