• Nenhum resultado encontrado

PAGAMENTO POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS Introdução

2.1. Ecossistema: bens e funções

Segundo o Relatório do Milênio63, os ecossistemas são sistemas que englobam as complexas, dinâmicas e contínuas interações entre seres vivos em seus ambientes físicos e químicos, dos quais o homem é parte integrante. O ecossistema é um sistema aberto, impulsionado pela energia solar64, que inclui em uma certa área, todos os fatores físicos e biológicos do ambiente e suas interações, o que resulta em uma diversidade biótica com estrutura trófica claramente definida na troca de energia e matéria entre esses fatores.65

Para Caixeta e Romeiro66, enquanto sistemas complexos de interação entre estoques e fluxos, os ecossistemas apresentam várias características (ou propriedades), como variabilidade, resiliência, sensibilidade, persistência, confiabilidade, etc. Dentre elas, os autores destacam as propriedades de variabilidade e resiliência, pois essenciais para uma análise integrada das interconexões entre ecossistemas, sistema econômico e bem-estar humano.

Segundo os autores, a variabilidade é a possibilidade de modificações nos bens e funções do ecossistema ao longo do tempo, o que pode se dar devido a fatores intrínsecos ao próprio ecossistema ou a fatores extrínseco, como a ação humana. A resiliência é a habilidade de os ecossistemas retornarem ao seu estado natural após um evento de perturbação natural, sendo que quanto menor o período de recuperação, maior é a resiliência de determinado ecossistema. Representam, em outras palavras, a medida da intensidade dos distúrbios que podem ser absorvidos por um ecossistema sem que o mesmo mude seu equilíbrio.

Os ecossistemas podem ser analisados sob dois pontos de vista, quais sejam, dos bens naturais (ou bens tangíveis) e das suas funções (ou bens intangíveis). Sob o aspecto físico, os ecossistemas são formados pelos bens naturais, assim compreendidos os elementos bióticos e abióticos, como por exemplo, as árvores, os animais e os minerais. Segundo Daly e Farley67, as funções do ecossistema são as constantes interações existentes

                                                                                                                         

63    AVALIAÇAO ECOSSISTÊMICA DO MILÊNIO. Ecossistemas e o bem-estar humano – Estrutura para uma avaliação. Relatório do Grupo de Trabalho da Estrutura Conceitual da Avaliação Ecossistêmica do

Milênio. São Paulo: Editora do SENAC São Paulo. 2005.

64   DAILY, Gretchen. Nature’s services: Societal dependence on natural ecosystems. Washington D.C.:

Island Press, 1997. p. 4.

65  MOREIRA, Iara V. D. (Org). Vocabulário básico de meio ambiente. Fundação Estadual de Engenharia do

Meio Ambiente/Serviço de Comunicação Social/ PETROBRÁS. 1999.

66   ANDRADE, Daniel Caixeta e ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Serviços ecossistêmicos e sua importância

para o sistema econômico e o bem-estar humano. Texto para Discussão. IE/UNICAMP, n. 155, Campinas:

fev. 2009. p. 4.

67  DALY, H.E., FARLEY, J. Ecological Economics: principles and applications. Island Press, Washington,

entre seus elementos estruturais, incluindo transferência de energia, ciclagem de nutrientes, regulação de gás, regulação climática e do ciclo da água. Assim, entende-se por função, todo o complexo fluxo de energia e materiais entre indivíduos e entre indivíduos e o meio ambiente.

Georgescu-Roegen68 propõe uma nova conceituação de bens e funções, que leva em consideração a interação entre esses componentes. Para o autor, os bens naturais são recursos estoque-fluxo (stock-flow resources), ou seja, são aqueles recursos do ecossistema que são incorporados ao produto final. Produzem um fluxo material que pode ser de qualquer magnitude, que atingem um resultado tangível, individualizável, e o estoque que o gerou pode ser usado a qualquer taxa. A unidade apropriada para mensura-lo é a quantidade física de bens que podem ser produzidos. Essa característica de renovabilidade e tangibilidade do recurso estoque, como o próprio nome sugere, garante sua provisão para o futuro, na medida em que podem ser armazenados.

Já as funções, na terminologia de Georgescu-Reagen, são os recursos fundo- serviço (fund-service resources), ou seja, são aqueles que não são incorporados ao produto final. Eles produzem serviços a taxas fixas e não podem ser estocados para uso futuro. Daí a importância da manutenção dos estoques que o geram.

Do ponto de visto da literatura econômica, ecossistema pode ser entendido como sinônimo de capital69 natural. Segundo Caixeta e Romero70, o capital natural é a totalidade

dos recursos oferecidos pelo ecossistema terrestre que suporta o sistema econômico, os quais contribuem direta e indiretamente para o bem-estar humano. A ideia de totalidade contida nesse conceito confere ao capital natural um caráter multidimensional, no qual, as dimensões ecológica, econômica e sociocultural estão relacionadas e interagem para a promoção do bem-estar humano.

Essa definição coaduna-se com os fundamentos da economia ecológica analisados anteriormente, vez que transparece o entendimento de que a economia é um subsistema de                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

importância para o sistema econômico e o bem-estar humano. In: Texto para discussão. Campinas, n. 155, fev. 2009.

68   GEORGESCU-ROEGEN, N. The Entropy Law and the Economic Process. Harvard University Press,

Cambridge, 1971. apud ANDRADE, Daniel Caixeta e ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Degradação Ambiental e Teoria Econômica: Algumas Reflexões sobre uma “Economia dos Ecossistemas”. in Revista EconomiA. Brasília (DF), v.12, n.1, p.3–26. p. 10.

69   O Termo “capital” refere-se a um fator de produção produzido pelo sistema econômico ou a ativos

financeiros subjacentes a esses fatores. (Rotering, F. Natural capital as metaphor and concept. Needs and

Limits: Redirecting our Civilization, 2008. apud ANDRADE, Daniel Caixeta e ROMEIRO, Ademar Ribeiro.

Degradação Ambiental e Teoria Econômica: Algumas Reflexões sobre uma “Economia dos Ecossistemas”. in Revista EconomiA. Brasília (DF), v.12, n.1, p.3–26. p. 9.

um sistema maior e mais completo, o ecossistema, do qual depende não somente para obtenção de recursos naturais, mas também para absorção dos resíduos da produção e circulação, o que se obtém por meio dos serviços do ecossistema.

Portanto, os ecossistemas não são formados apenas por espécies individualmente consideradas, tais como, árvores, animais, água, ar, minérios, entre outros. Para uma análise holística e de maior credibilidade, devem ser considerados os fluxos de energia e matéria que sustentam essas complexas interações, ou seja, suas funções significativamente sensíveis a ação humana.

Essas funções, quando vistas sob o ponto de vista de sua utilidade para a humanidade, são chamadas de serviços. Entretanto, segundo Caixeta e Romeiro71, referindo-se aos trabalhos de Costanza et al. (1997) e De Groot et al. (2002), nem sempre essas funções estabelecem uma relação direta com um serviço, ou seja, um único serviço ecossistêmico pode ser o produto de duas ou mais funções, ou uma única função pode gerar mais que um serviço ecossistêmico. Ademais, há que se observar que essa relação entre bens e funções pode se dar em várias escalas espaciais e temporais, o que torna sua compreensão e análise uma tarefa ainda mais complexa.

Para superar essa complexidade, alguns autores propõem uma unificação de bens e serviços em um só conceito, o de serviços ecossistêmicos finais. Para Boyd et al72, os

serviços ecossistêmicos finais seriam componentes da natureza, diretamente desfrutados, consumidos ou utilizados pela sociedade para produzir bem-estar ao ser humano. Assim, para essa teoria, os bens ambientais são serviços ecossistêmicos finais e o que os utilitaristas chamam de serviços seriam apenas funções e processos, que não representam benefícios direto à sociedade. A purificação da água, por exemplo, é considerada um processo, cujo serviço final (bem) seria a própria água pura. Para essa teoria, como apenas a água pura é útil ao homem, os fluxos e processos que indiretamente influenciam na qualidade da água, tais como, clima, matas ciliares ou até mesmo minérios, não seriam objeto de consideração e avaliação para fins econômicos.

Trata-se de uma análise puramente econômica da natureza, que pouco leva em consideração as funções ambientais. Essa teoria simplifica os processos e interações                                                                                                                          

71   ANDRADE, Daniel Caixeta e ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Serviços ecossistêmicos e sua importância

para o sistema econômico e o bem-estar humano. Texto para Discussão. IE/UNICAMP, n. 155, Campinas:

fev. 2009. p. 9.

72  BOYD, James e BANZHAF, Spencer. What are ecosystem services? The need for standardized

ecológicas em um único bem (o produto final dos fluxos e processos ecossistêmicos) apenas para facilitar sua valoração e, consequentemente, comercialização.

Entretanto, entendemos que a distinção entre bens e serviços, mesmo diante da complexidade de análise e compreensão, é importante não apenas por uma opção didática, mas sobretudo em razão do tratamento jurídico que pode ser dispensado diferentemente a cada um deles.