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PAGAMENTO POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS Introdução

2.4. Análise axiológica do conceito de serviços ecossistêmicos

2.5.4 Estruturas de remuneração do PSE

2.5.4.1. Proposta de criação de mercado

Essa proposta, como o próprio nome sugere, prevê a criação de um mercado para serviços ecossistêmicos, ou seja, pretende-se criar um mecanismo que transforme as funções da natureza em um bem transacionável, incluindo-se, assim, a preservação ambiental na lógica de produção capitalista. Acredita-se que a lógica da mão invisível do mercado, que, a priori, combinada com outros fatores, é a vilã do meio ambiente, torne-se uma aliada da preservação ambiental.

Como é cediço, todo mercado exige a figura do comprador, que tenha interesse por uma mercadoria fornecida pelo vendedor, que não possa ser obtida de outra maneira que não por intermédio dessa transação. Em outras palavras, a criação de um mercado exige dois elementos básicos, quais seja, a demanda, caracterizada pela necessidade ou interesse; e a oferta ou disponibilidade da mercadoria. Pode-se dizer, então, que, para criação de um mercado de determinado bem ou serviço, há que se despertar o interesse das pessoas pela aquisição, para que sejam compradores, e o interesse pelo fornecimento de um determinado produto, para que sejam provedores. Deve-se criar oferta e demanda.

Segundo, Ana Nusdeo122, a construção desses mercados baseia-se no que os economistas descrevem como “atribuição de direito de propriedade a bens fora-do- mercado”. O que representa um grande desafio à criação de mercado, pois os serviços ecossistêmicos não são excludentes e nem rivais, ou seja, não podem ser utilizados de

                                                                                                                         

122   NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. El papel de los mercados y de los derechos de propriedad en la

protectión ambiental. In BERGALHO, P. e ALVEAR, H. Derechos y Porpriedad. Buenos Aires: Libraria

maneira exclusiva por determinado beneficiário. Como, então, criar um mercado para esses serviços?

Os serviços ecossistêmicos podem ser considerados bens públicos, ou seja, normalmente sua utilização por um ou alguns beneficiários não exclui a possibilidade e a qualidade do que é provido aos demais. Entretanto, quando essa utilização torna-se excessiva e irresponsável, como descrito na The tragedy of commons 123, a qualidade desses serviços é tão precária que os tornam excludentes, na medida em que apenas os locais que não atingiram um determinado grau de crescimento econômico teriam serviços ecossistêmicos equilibrados e de qualidade. Ainda assim essa exclusividade não é suficiente para torna-los divisíveis e comercializável.

Para Farley e Costanza124, do lado da oferta, os esquemas de PSE com base na criação de mercado exigem que o prestador desses serviços tenha direitos que podem ser exclusivos dos fundos que os geram. E do lado da demanda, também se requer direitos excludentes para os beneficiários. Para tanto, os autores defendem uma “proprietarização” (propertization), ou seja, criação de um direito de propriedade sobre os serviços ecossistêmicos.

Pode-se dizer que o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, o mais conhecido instrumento econômico de criação de mercado, tenta suprir essa necessidade de proprietização, vez que baseado no sistema de cap and trade. Esse instrumento foi criado pela Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima – UNFCCC (do inglês United Nations Framework Convention on Climate Change) como uma maneira de ajudar os países a cumprirem as metas do Protocolo de Quioto125. Pelo acordo, os países industrializados, indicados no Anexo I, deveriam ter reduzido as emissões de gases de efeito estufa – GEE, durante o período de 2008 à 2012, em uma média de 5,2% em relação aos níveis de 1990126,127. Essa determinação despertaria o “interesse” dos compradores pela redução de suas emissões, criando, assim, a demanda.

                                                                                                                         

123   HARDIN, Garret. The tragedy of commons. Science, 162 (1968):1243-1248. Disponível em:

<http://dieoff.org/page95.htm>, acessado em 05 de maio de 2012.

124   FARLEY, J., COSTANZA, R. Payments for ecosystem services: from local to global. Ecological

Economics 69 (11), 2010, p. 2064.  

125  O Protocolo de Quioto foi adotado na terceira sessão da Conferência das Partes (COP 3) na Convenção-

Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), realizada em Quioto, Japão, em dezembro de 1997, mas entrou em vigor apenas em 2005.

126  Art. 3o do Protocolo de Quioto  

127 A título de informação, já que a distinção não se mostra relevante para o presente trabalho,  de acordo com

Às Partes do Anexo I foram definidos limites de emissões de GEE, que caracterizam o teto (cap), não lhes sendo lícito ultrapassarem esses limites. A contrario

sensus, aos demais, não há necessidade de redução, mas há possibilidade de implementar

atividades de projetos de redução de emissões de GEE ou remoção por sumidouros, que serão certificados e transformados em crédito, unidade comercializável. Os créditos, chamados de redução certificada de emissão – RCE, serão emitidos com base no desempenho desses projetos em efetivamente atingirem reduções de emissões ou remoções por sumidouros. Cria-se, portanto, a outra parte do mercado, a oferta.

Desta forma, as partes que não forem capaz de respeitar o teto (cap), terão interesse em adquirir, por meio de transação direta de compra e venda (trade), quotas de emissão das Partes não indicadas no Anexo I, formando-se assim a oferta e demanda para o mercado de serviços ecossistêmicos.

Em suma, pela lógica por traz desse mecanismo, cada tonelada de CO2

equivalente deixada de ser emitida ou retirada da atmosfera se transforma em uma unidade de crédito de carbono – RCE, que poderá ser negociada no mercado mundial. Os compradores seriam os países desenvolvidos integrantes do Anexo I e os vendedores, todos aqueles não integrantes do Anexo I.

Didaticamente, pode-se dizer que o sistema de cap and trade é criado em cinco etapas. Primeiro, a autoridade ambiental estabelece um limite total de emissões de determinado(s) poluente(s), que representa o Cap, da nomenclatura, para um conjunto de fontes por um período de tempo. Em passo seguinte, a agência divide esse teto em quotas, que, por sua vez, em uma terceira etapa, são distribuídas entre as fontes, conforme critérios definidos na regulamentação do programa. Normalmente, esses critérios são relacionados ao seu histórico de emissões. Essas quotas podem ser negociadas entre as fontes. Em uma quarta fase, deve-se estabelecer um sistema de verificação dessas emissões, que será custeado pelas empresas para gerar informações a serem reportadas à autoridade reguladora. Finalmente, a autoridade compara as emissões das empresas com as suas quotas (originalmente distribuídas ou adquiridas) e impõe penalidades se aquelas ultrapassarem essas.128

Nota-se que esse mecanismo prevê a criação de um mercado de escala internacional, onde os governos são os agentes do mercado, ou seja, são os provedores e                                                                                                                          

128  MCALLISTER, Lester. Beyond playing “banker”: The role of the regulatory agency in emissions trading.

American Bar Association Administrative Law Review, n. 59, 2007, p. 273- 274. apudNUSDEO, Ana Maria de Oliveira. El papel de los mercados y de los derechos de propriedad en la protectión ambiental. In BERGALHO, P. e ALVEAR, H. Derechos y Porpriedad. Buenos Aires: Libraria Ediciones, 2008.

compradores de serviços ecossistêmicos. Contudo, de fato, os países não são os verdadeiros provedores de serviços ecossistêmicos, vez que não são, necessariamente, quem suportam os custos de oportunidade. Ainda que se tenha uma legislação nacional, conferindo aos governos o direito de propriedade sobre os créditos de carbono, o Estado- nação não pode ser considerado o verdadeiro provedor dos serviços ecossistêmicos, tal como definidos anteriormente. Os reais provedores são aqueles cidadãos que estão diretamente relacionados com os serviços ecossistêmicos, tais como, proprietários ou possuidores de área florestada.

O ponto crucial do sucesso desse mecanismo é a definição do teto, ou seja, a delimitação da quantidade de toneladas de carbono que cada Parte pode emitir. Se esse limite for excessivamente alto, os países integrantes do Anexo I não terão interesse de comprar os certificados de redução dos países não integrantes do Anexo I.

Ademais, dentro de uma lógica de sustentabilidade, além do rigor na definição desses limites, há necessidade de uma política gradual de redução desse teto, não apenas para manter a viabilidade do sistema (criando demanda), mas sobretudo para garantir sua eficiência na preservação ambiental.

Se é verdade que esse mecanismo, em última análise, visa a concretização da preservação ambiental, o aumento da oferta de créditos deve ser prioridade desse mecanismo, pois quanto maior a oferta, menor será a quantidade de emissões de gases de efeito estufa. Porém, na lógica mercadológica, o aumento da oferta diminui o preço do produto, o que pode gerar um desinteresse nocivo dos provedores de serviços ecossistêmicos. Daí a necessidade de um controle, ainda que artificial, da demanda, o que pode ser promovido por uma política de redução gradual e sistemática dos limites de emissões.

A questão do preço, aliás, é outro ponto delicado da proposta de criação de mercado. Como dito anteriormente, o preço é definido, entre outros fatores, pela relação entre oferta e demanda. Quando se trata de bens e serviços ambientais, essa valoração pode não refletir o verdadeiro valor da natureza e, portanto, não representar um instrumento adequado de preservação ambiental. Afinal, como se preservar o meio ambiente saudável, se a sustentabilidade deste não for considerada um valor.

Essa constatação nos leva a questionar a possibilidade de mercantilização da natureza. Esse risco deve sempre ser considerado na definição dos projetos de PSE. E a melhor forma de fazê-lo é utilizando-se de métodos de valoração que não aproveitem

apenas os aspectos utilitaristas da natureza, mas sobretudo seus valores ecológicos, sociais, culturais e, até mesmo, hedonísticos.

Para Ana Nusdeo129, as possibilidades de contribuição desses mercados para a preservação ambiental é controversa e requer um forte papel dos Estados no seu desenho e fiscalização, o que em determinadas situações, pode até inviabilizar sua implementação.

Alguns autores como Farley e Costanza130 defendem que o sistema de PSE representa um importante meio de preservação dos serviços ecossistêmicos como bens públicos e, consequentemente, esses programas não deveriam utilizar instituições de mercado em seus arranjos institucionais.