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Serviços ambientais e ecossistêmicos: uma evolução conceitual

PAGAMENTO POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS Introdução

2.2. Serviços ambientais e ecossistêmicos: uma evolução conceitual

Uma breve pesquisa na literatura das ciências biológicas, econômica e até mesmo na doutrina jurídica voltadas às questões ambientais é suficiente para percebermos a utilização indiscriminada dos termos “serviços ambientais” e “serviços ecossistêmicos”. Ora são citados como sinônimos, ora como distintos. Mas afinal, a distinção entre serviços ambientais e serviços ecossistêmicos é meramente terminológica ou possui algum fundamento teórico ou prático? Mais do que isso, essa distinção influencia na implementação de programas de pagamento por esses serviços e em que medida?

Entendemos, entretanto, que não há um conflito ideológico ou conceitual entre esses termos, mas, tão somente, uma verdadeira evolução teórica, que acompanha o desenvolvimento das pesquisas em diversas áreas do conhecimento sobre as referidas complexas interações entre bens e funções do meio ambiente. Senão vejamos.

Em uma visão centrada exclusivamente nos fundamentos da biologia, sem levar em consideração a funcionalidade da natureza à sociedade, aqui representada pela ecologista Gretchen Daily73, pode-se conceituar serviços ecossistêmicos como sendo as condições e processos através dos quais os ecossistemas naturais e as espécies que os compõem mantém e realizam a vida. Para autora, eles mantém a biodiversidade e a produção de bens ambientais, como frutos do mar, forragem, madeira, combustível de biomassa, fibras naturais, e muitos medicamentos, produtos industriais, e seus precursores.

Em uma linha conceitual mais antropocêntrica, aqui representada pelo economista Kenneth Chomitz74, os serviços em tela são chamados de serviços ambientais. Segundo o autor, serviços ambientais são atividades humanas que contribuem para manter ou                                                                                                                          

73   DAILY, Gretchen. Nature’s services: Societal dependence on natural ecosystems. Washington D.C.:

Island Press, 1997. p. 3.

74  CHOMITZ, K. M; BRENES, E; CONSTANTINO, L. Financing environmental services: the Costa Rican

experience and its implications. The Science of the total environment, v. 240, p. 157-169, 1999. apud WUNDER, Sven.  Pagamentos por serviços ambientais: perspectivas para a Amazônia Legal / Sven Wunder, Coordenador; Jan Börner, Marcos Rügnitz Tito e Lígia Pereira. – Brasília: MMA, Série estudos n. 10, 2008. p. 20.

aumentar a provisão de benefícios ao bem estar da sociedade. Para essa corrente, serviço ambiental é, na verdade, um serviço prestado pelo homem que gera algum tipo de benefício para um grupo indeterminado de pessoas. Nota-se que esse conceito está diretamente ligado com a atividade humana. Nesse sentido, sem desmerecer esse conceito, mas, ao contrário, reconhecendo suas notáveis contribuições para evolução do tema, seriam considerados serviços ambientais, a prática do plantio de plantas e/ou árvores exógenas, independentemente de sua harmonia com o ecossistema em volta, a instalação de sistemas de purificação da água, a fertilização de solos, manifestações culturais, até mesmo a reciclagem.

Na medida em que foram desenvolvidos diversos estudos interdisciplinares voltados para compreensão dessa relação entre bens e serviços e, ainda, entre homem e natureza, identificou-se a necessidade de uniformização e adequação do conceito, na medida em que não pode ser visto sob um único ponto de vista, seja o ecológico ou o econômico.

Segundo Balvanera et al75, que analisaram mais de mil referências sobre o tema, o

crescimento recente desses estudos sobre os serviços da natureza pode ser atribuído as suas utilidades como um conceito que associa explicitamente ecossistemas às necessidades humanas. Para os autores, muitos estudos têm relacionado os valores culturais de vários serviços com a identidade, o legado, o sentido de pertença dos mais diversos grupos populacionais. Estes esforços, no entanto, ainda não foram devidamente integrados na literatura política, econômica ou jurídica, e, portanto, não está sendo levada em consideração quando dos processos de tomada de decisão, como as políticas públicas ambientais e, em especial, os programas de pagamento por esses serviços.

Robert Costanza et al76, um dos expoentes da economia ecológica, numa tentativa de encontrar um “caminho do meio” e adequar a evolução desses estudos, optou pelo termo serviços ecossistêmicos para definir o fluxo de materiais, energia e informação que provêm dos estoques de capital natural e são combinados ao capital de serviços humanos                                                                                                                          

75  BALVANERA, Patrícia; URIARTE, Maria; ALMEIDA-LENERO; Lucıa, ALTESOR, Alice; DECLERC,

Fabrice; GARDNER, Toby; HALL, Jefferson; LARA, Antônio; LATERRA, Pedro; PENÃ-CLAROS, Marielos; SILVA MATOS, Dalva; VOGL, Adrian; ROMERO-DUQUE, Luz Piedad; ARREOLA, Luis Felipe; CARO-BORRERO, Ângela Piedad; GALLEGO, Federico; JAIN, Meha; LITTLE, Christian; XAVIER, Rafael; PARUELO, José; PEINADO, Jesús; POORTER, Lourens; ASCARRUNZS, Nataly; CORREAT, Francisco; CUNHA-SANTINOM, Marcela; HERNÁNDEZ-SÁNCHEZ, Amabel Paula; VALLEJOS, María. Ecosystem services research in Latin America: The state of the art. Ecosystem Services 2 (2012) 56–70.

76  COSTANZA, Robert et al. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, v. 387,

para produzir bem estar aos seres humanos. Nessa corrente nota-se uma posição mais neutra, porém tendente para o antropocentrismo. Reconhece-se o verdadeiro papel da natureza, que é, de fato, a “titular” ou a verdadeira prestadora do serviço, contudo, permite uma visão utilitarista, na medida em que a preservação desses serviços é essencial para a sadia qualidade de vida do ser humano, possibilitando, assim, sua interação com o sistema econômico.

A identificação de uma evolução do termo serviços ambientais para serviços ecossistêmicos orienta e facilita a necessária aproximação entre a ciência e a prática, na medida em que evidencia o progresso da ciência, que vem compreendendo melhor a interação entre o funcionamento dos ecossistemas e os benefícios que eles proporcionam à sociedade, o que, na prática, o torna mais adequado e pujante ao fim a que se pretende chegar.

Essa evolução afetou diretamente a implementação dos mecanismos de pagamento por esses serviços, por exemplo. Como será analisado mais adiante, incialmente, os programas de pagamento àqueles que contribuem para manter ou aumentar os benefícios da natureza para o bem estar do homem, e, portanto, prestavam serviços ambientais, eram baseados nos critérios de Sven Wunder77, ou seja, a eleição de (i) um serviço ecológico específico; (ii) provido por um proprietário, (iii) que se obriga a provisão desse serviço (iv) a ser adquirido por interessado em uma (v) transação voluntária.

As primeiras experiências de PSAs se preocuparam primordialmente com as características econômicas da atividade ou do serviço ambiental, tais como, custos de produção, custos de oportunidade, identificação precisa do prestador do serviço, que seria o único legitimado para receber qualquer tipo de incentivo, comprovação inconteste de adicionalidade. Como exemplo destacamos os programas de pagamento por serviços ambientais implementados na Costa Rica e até mesmo aqui no Brasil, com é o caso da primeira fase do PSA do Estado do Espirito Santo, que serão melhor analisados no capítulo sobre estudo de casos.

Na medida que novos estudos científicos foram compreendendo melhor a interação entre as funções ecossistêmicas e suas relações com o homem, os programas de pagamento passaram a ser mais abrangentes e complexos. Além de se preocupar com as questões econômicas, esses instrumentos passaram a levar em consideração as características ecossistêmicas do meio em que eram inseridos. Percebeu-se que para uma                                                                                                                          

77   WUNDER, Sven. Payments for environmental services: some nuts and bolts. Jacarta: Center for

efetiva e justa compensação, não se poderia pagar por um determinado serviço, mas sim pelo conjunto harmônico e essencial à manutenção do equilíbrio ecológico e, consequentemente, do bem estar humano. Ademais, o discurso do aspecto social do desenvolvimento sustentável exigiu desses programas a preocupação com as questões socioculturais envolvidas na prestação do serviço ecossistêmico, pois estudos demonstraram que os custos da preservação ambiental, em última análise, recaiam sobre os mais pobres, na medida em que eram obrigados a se abster de modificar o uso da terra para implementação de atividade mais lucrativa.

A recente literatura especializada no tema78, defende uma necessidade de redefinição no conceito de PSA, para, englobando o conceito de serviços ecossistêmicos, aproximar-se do que aqui denominamos de PSE, ou seja, propõe uma abordagem mais ampla do conceito de serviços da natureza, levando em consideração, inclusive, fatores socioculturais na implementação dos programas.

O REDD+79, por exemplo, por ser um programa de compensação financeira àqueles que evitam ou reduzem emissões, degradações e desmatamento, enquadra-se perfeitamente na ideia de PSE aqui defendida, pois, como será analisado adiante, a manutenção das florestas em pé, que nos oferece inúmero serviços ecossistêmicos, propicia a sustentação dos fluxos e recursos essenciais para a regular interação e provisão desses serviços.

Essa evolução de programas de pagamento por serviços ambientais – PSA para programa de pagamento por serviços ecossistêmicos – PSE, a princípio, mostra-se estritamente terminológica, mas de fato entendemos ajudar as políticas públicas na definição da metodologia mais adequada, na adaptação dos projetos às condições sociais, ambientais e econômicas da área a ser beneficiada, de acordo com a finalidade específica que se pretende com essa política.

Contudo, essa complexidade ser reflete no aspecto jurídico, que passa a exigir um desenho institucional, que, adequando-se à variabilidade das características locais, favoreça a manutenção ou recuperação da qualidade ambiental ao mesmo tempo que propicie o desenvolvimento econômico e social de determinada localidade, o que se mostra

                                                                                                                         

78   MURADIAN, Roldan; CORBERA, Esteve; PASCUAL, Unai; KOSOY, Nicolás; MAY, Peter H.

Reconciling theory and practice: An alternative conceptual framework for understanding payments for environmental services. Ecological Economics 69 (2010) 1202–1208 e FARLEY, J., COSTANZA, R. Payments for ecosystem services: from local to global. Ecological Economics 69 (11), 2010, p. 2060–2068.  

fundamental para o regular funcionamento do papel de flexibilização do direito, que será analisado em tópico específico80.

Para o desenvolvimento do presente trabalho, onde se pretende fazer uma análise do papel do direito na implementação de instrumentos econômicos em políticas públicas de preservação ambiental, em especial o REDD+, utilizaremos o termo “serviços ecossistêmicos”, pois abrange não apenas os fluxos e processos naturais de interação ecológicas, mas também o capital humano necessário para frear o ímpeto da economia sobre o meio ambiente, beneficiando direta ou indiretamente toda a sociedade, além de ser mais apropriada à ideia de economia ecológica assumida no capítulo anterior.