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Função promocional do direito: aproximação entre direito e economia

O PAPEL DO DIREITO NA IMPLEMENTAÇÃO DOS PROJETOS DE PSE/REDD+: SUSTENTABILIDADE INSTITUCIONAL

4.2 Função promocional do direito: uma abordagem abrangente do princípio do protetor-recebedor

4.2.3. Função promocional do direito: aproximação entre direito e economia

A teoria geral do direito, na contemporaneidade, tem mudado essa visão e passa a conceber o direito como um elemento de organização social que, além de uma função repressiva, passa também a exercer uma função promocional, aproximando ainda mais o direito da economia, na medida em que esta tem como fundamento a recompensa213.

Em um ordenamento promocional, segundo Bobbio214, as normas devem ser instrumentos de promoção de comportamentos socialmente desejáveis e não apenas delimitadoras daqueles indesejáveis. Para tanto, utilizam-se técnicas de encorajamento, ou seja, medidas que buscam tornar a conduta necessária, fácil e vantajosa com o objetivo de encorajar, provocar comportamentos socialmente desejados.

O próprio Hans Kelsen215 já dizia que a ordem social pode prescrever uma conduta humana sem ligar a ela qualquer consequência contra a observação ou não do imperativo nela posto, ou pode ligar a esta conduta uma consequência, que poderá ser uma vantagem, um prêmio ou uma desvantagem.

Assim, pode-se dizer que tanto o prêmio (receber) como o castigo (pagar) inserem- se no conceito de sanção e, portanto, o tratamento jurídico dispensado a uma não pode ser diferente daquele dispensado a outra. A sanção positiva é mesmo o oposto da negativa, como reação a ação boa, e não má.

Em uma análise comparativa, Norberto Bobbio216 nos ensina que as sanções negativas podem ser medidas reparadoras, a exemplo do ressarcimento do dano, ou medidas retributivas, como é o caso da pena propriamente dita. E essa distinção também se aplica às sanções positivas, que podem ter função retributiva, na medida em que é uma                                                                                                                          

211  REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2002 (8a tiragem, 2010). p. 675.

212  A título de exemplo, basta observar o aumento do desmatamento da floresta Amazônia, não obstante a

previsão legal de proteção de 80% da propriedade, como visto na Introdução desta dissertação.  

213  O termo é aqui aplicado no sentido de contraprestação financeira por um determinado ato, qual como, o

pagamento do preço de um produto ou serviço.

214  BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função – Novos estudos de Teoria do Direito. Trad. Daniela Beccaria

Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007.  

215  KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8.ed. São Paulo: WMF Martins

Fontes, 2009. p. 26.

216  BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função – Novos estudos de Teoria do Direito. Trad. Daniela Beccaria

reação favorável a um comportamento que traz vantagem à sociedade, ou podem ter função compensatória, quando visam compensar o agente do esforço realizado ou das despesas assumidas, ao proporcionarem uma vantagem à sociedade.

Ademais, é importante frisar que o próprio Bobbio217 alerta para que não se confunda normas positivas e negativas (comandos e proibições, respectivamente) e sanções positivas e negativas (prêmios e castigos, respectivamente). Segundo o autor, pode ocorrer, de fato, quatro situações distintas, quais sejam, (i) comandos reforçados por prêmios, (ii) comando reforçados por castigos, (iii) proibições reforçadas por prêmios e (vi) proibições reforçadas por castigos.

Para Guillermo Tejeiro218, os sistemas de PSE/REDD+ podem ser considerados ferramentas do direito promocional, uma vez que trabalham com sanções positivas, sejam monetárias ou não monetárias, que visam a promover ações de proteção, conservação e uso sustentável de serviços e bens que não são devidamente internalizados pelo sistema econômico

O pagamento por serviços ecossistêmicos e o pagamento de indenização em razão de dano ambiental são faces opostas da mesma moeda, qual seja, a função compensatória do direito em prol do meio ambiente, porém com sinais trocados. Aquela seria uma sanção positiva e preventiva, enquanto este uma negativa e reparadora.

Norberto Bobbio entende ainda que apenas as medidas de retribuição ou recompensa se caracterizam como sanção jurídica positiva, situando as medidas de facilitação em campo intermediário entre sanções e medidas diretas de controle social. As técnicas de encorajamento agem de duas formas, quais seja, (i) através da facilitação, que precede ou acompanha a ação desejada buscando torna-la mais fácil ou menos difícil, e (ii) através da recompensa, propriamente dita, que prevê uma retribuição a um comportamento socialmente desejado.

Essas medidas de facilitação se mostram indispensáveis na tarefa de implementação de mecanismos de PSE/REDD+, sobretudo, no que se refere ao propósito de inclusão social. A maioria da população que mora na floresta e que, portanto, seriam beneficiários desses mecanismos, não possui conhecimento técnico necessário, muito menos recursos financeiros suficientes para se adequar às exigências e critérios que esses instrumentos                                                                                                                          

217  Idem. p. 6.

218  TEJEIRO, Guillermo. Os sistemas de pagamento por serviços ambientais como ferramenta de gestão dos

riscos decorrentes das mudanças do clima in Pagamento por Serviços Ambientais, fundamentos e principais

aspectos jurídicos. Direito e mudanças climáticas 6 [recurso eletrônico]. Org. Paula Lavratti e Guillermo Tejeiro. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2013. p. 86.

devem exigir. A ideia de abordagem por fases do REDD+, analisada anteriormente, é um bom exemplo de medidas de facilitação que se fazem necessárias na implementação de PSE e, em última análise, aproximam os provedores de serviços ecossistêmicos das sanções premiais.

Em suma, a ideia de um ordenamento jurídico promocional, além de entender o direito como um instrumento para atingir os objetivos de uma sociedade e não como um fim em si mesmo, acrescenta à função de controle social o dever de direção social, ou seja, o dever de, mais do que regular as relações entre os homens e entres estes e a natureza, orientar e estimular essa interação de maneira justa e duradoura, sempre em vista de um objetivo, que é a sadia qualidade de vida na terra.

Nesse sentido, o princípio do protetor-recebedor ganha mais uma fundamentação que não apenas pragmática e altruísta, mas sim jurídica. Fecha-se, assim, algumas questões que se mostravam prejudiciais à fundamentação jurídica da estratégia de pagamento por serviços ecossistêmicos, tornando o mecanismo ainda mais factível e poderoso na árdua luta pela concretização do desenvolvimento sustentável.