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Direito e meio ambiente: a natureza jurídica do bem ambiental

O PAPEL DO DIREITO NA IMPLEMENTAÇÃO DOS PROJETOS DE PSE/REDD+: SUSTENTABILIDADE INSTITUCIONAL

4.1. Direito e meio ambiente: a natureza jurídica do bem ambiental

O primeiro instituto jurídico que se deve analisar na análise da relação entre direito e meio ambiente é a própria ideia de bem, que, nesse caso, reveste-se da qualidade de bem de uso comum do povo192, conferindo-lhe uma dimensão distinta do bem privado e do bem

público.

Na palavras de Herman Benjamin193, o meio ambiente considerado universitas

corporalis, é imaterial e não se confunde com os elementos materiais que o compõe.

Segundo o autor, o meio ambiente é bem, mas, como entidade, onde se destacam vários bens materiais em que se firma, ganhando proeminência, na sua identificação, muito mais o valor relativo à composição, característica ou utilidade da coisa do que a própria coisa.194 Em uma outra concepção bastante aceita no meio acadêmico jurídico é a ideia de bem definida pelo professor José Rubens Morato Leite195, para quem o bem ambiental

pode ser analisado sob a perspectiva de macrobem ou microbem.                                                                                                                          

192  A expressão não tem qualquer conotação de titularidade (ou dominialidade). O fato de ser bem de uso

comum do povo implica, tão somente, a ideia de um interesse difuso, que, inclusive, justifica um regime especifico de proteção, regido, em princípio, sobretudo pelo direito público.

193   BENJAMIN, Antônio Herman (Coord.). Função ambiental. Dano ambiental, prevenção, reparação e

repressão. São Paulo: RT, 1993.

194  Idem, p. 75.  

195  Para melhor compreensão da ideia de macro e microbem: LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck

de Araújo. Dano Ambiental: Do Individual ao Coletivo Extrapatrimonial. Teoria e Prática. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. v. 1. 410p.

O macrobem é o próprio meio ambiente como um todo, assim considerado, inclusive, suas funções e serviços ecossistêmicos. Essa concepção abarca uma visão holística do meio ambiente, agrupa suas entidades, tais como, árvores, animais, solo, rios e lagos, como suas funções e interações. Nessa categoria, o ecossistema é tratado como um bem ambiental. O caput do art. 225 da Constituição Federal do Brasil196, por exemplo, ao prescrever que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, está se falando no meio ambiente como macrobem.

José Afonso da Silva197, localiza, didaticamente, o macrobem como bens de interesse público, no qual, se incluem tanto os bens públicos como os privados, regidos por uma particular disciplina para consecução de um fim público. Para o autor, essa disciplina “condiciona a atividade e os negócios relativos a esses bens, sob várias modalidades, com dois objetivos: controlar-lhes a circulação jurídica ou controlar-lhes o uso”198.

O microbem, por sua vez, é o elemento ou entidade singular que compõe o

macrobem, tais como, os indivíduos das espécies de fauna e flora, e deve ser considerado,

em si mesmo, como um bem jurídico. Para José Rubens Morato Leite199, na concepção de

microbem ambiental, o meio ambiente pode ter o regime de sua propriedade variado, ou

seja, pública e privada, no que concerne à titularidade dominial. Contudo, enquanto parte integrante do macrobem, o tratamento jurídico dispensado ao microbem, seja ele público ou privado, sobretudo no que tange seu acesso e utilização, deve sempre está subordinado aos princípios e regras pertinentes à sadia qualidade de vida, representada pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É tão peculiar o tratamento jurídico dispensado ao microbem ambiental, que excepcionalmente lhe é imposta uma outra titularidade que não somente a do seus proprietários. Para Patrícia Iglecias Lemos200, a propriedade do bem socioambiental apresenta duas concepções de titularidade, o proprietário e os titulares difusos.

                                                                                                                         

196  Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, Constituição Federal de 1988).

197  AFONSO DA SILVA, José. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994. 198  Idem. p. 56.  

199   LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatromonial. 2. ed. rev.

atua. e ampl. São Paulo: RT, 2003. p. 83.

200  LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário: Análise do nexo

A partir dessa concepção, pode-se pensar em um bem socioambiental, que comporta, segundo a inovadora teoria de Patrícia Iglecias Lemos201, uma dupla titularidade, quais sejam, a do próprio bem considerado materialmente e sua representatividade em relação aos demais, compondo o chamado meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Teremos o direito de titularidade individual, que seria o direito de propriedade, e o direito difuso para garantia socioambiental. O direito de propriedade de titularidade individual continua sendo aquelas faculdades de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Já o direito difuso pode ser caracterizado como a condição de que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, conforme legislação especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Essa concepção de bem ambiental, em última análise, representa uma inter-relação entre a ideia de micro e macrobem, na medida em que possibilita o tratamento jurídico do

microbem em consonância com o tratamento dispensado ao macrobem, qual seja,

preservação do equilíbrio ecológico em vista da sadia qualidade de vida na terra.

Para uma análise holística do direito, como a que se pretende neste trabalho, que não desce ao patamar de suas cearas, mas permanece no campo da teoria geral, o meio ambiente enquanto macrobem é, portanto, o que efetivamente importa para o tratamento jurídico dos programas de pagamento por serviços ecossistêmicos.

4.2 Função promocional do direito: uma abordagem abrangente do princípio do