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PAGAMENTO POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS Introdução

2.4. Análise axiológica do conceito de serviços ecossistêmicos

2.5.4 Estruturas de remuneração do PSE

2.5.4.2. Propostas de criação de fundo

A remuneração via fundo, como o próprio nome também sugere, propõe a criação de um fundo, uma espécie de poupança, na qual se deposita determinados valores para em seguida serem distribuídos aos provedores de serviços ecossistêmicos, com base em critérios a serem definidos. Esses fundos normalmente são administrados pelo poder público ou por ONGs.

Para essa proposta, a captação de recursos financeiros para a remuneração dos provedores de serviços ecossistêmicos seria feita por um intermediário, que pode ser um órgão público ou uma ONG. Esses recursos podem ser obtidos de várias fontes, tais como, impostos, taxas, compensações, indenizações e até mesmo doações. Esse intermediário também seria o responsável pela verificação, fiscalização, cadastramento dos provedores, que, por meio de critérios de distribuição, repassariam os valores arrecadados aos efetivos provedores de serviços ecossistêmicos. Na prática, é mais comum que a remuneração se dê em dinheiro, mas também é aceita a troca de benefícios.

Essa proposta, de financeiramente de PSE via fundo, se concretiza por meio de dois mecanismos, quais seja, a servidão de conservação e a concessão de conservação131.

                                                                                                                         

129   NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. El papel de los mercados y de los derechos de propriedad en la

protectión ambiental. In BERGALHO, P. e ALVEAR, H. Derechos y Porpriedad. Buenos Aires: Libraria

Ediciones, 2008.  

130   FARLEY, J., COSTANZA, R. Payments for ecosystem services: from local to global. Ecological

Economics 69 (11), 2010, p. 2060–2068.  

131  Alguns especialistas no tema, como Karsenty (KARSENTY, Alain. Des rentes contre le développement?

Les nouveaux instruments d'acquisition mondiale de la biodiversité et l'utilisation des terres dans les pays tropicaux. Mondes en développement, 2004/3 no 127), ainda se referem ao mecanismo de transferência do direito de desenvolvimento, e contudo, entendemos que este mecanismo é mais compatível com as propostas de financiamento via criação de um mercado e por isso não está aqui elencada.    

As servidões de conservação, como o próprio nome sugere, são acordos contratuais em que o proprietário mantém a posse de seu terreno, mas dá a outrem o direito de exercer direitos da exploração ou uso da terra, em pelo menos uma parte de sua propriedade. Geralmente, esses contratos são feitos com uma ONG, mas há experiências internacionais e até mesmo nacionais, tal como será analisado adiante, que o próprio poder público é o órgão intermediador ou financiador. Em última analise, para evitar a utilização predatória da propriedade ou da parcela florestada dela, o órgão intermediador adquire os direitos de uso do proprietário, mediante uma compensação financeira. Imperioso destacar que o domínio da área permanece com o proprietário, porém, na prática, está proibido de dispor da área como bem entender, ficando limitado às condições do contrato firmado com o órgão intermediador. Em tese, essa compensação deveria corresponder à redução do valor de mercado da propriedade que optou pela renúncia da exploração florestal.

Como se pode perceber, esse mecanismo exige que o provedor dos serviços ecossistêmicos seja o verdadeiro proprietário da terra. Contudo, grande parte das terras sobre as quais ainda restam florestas tropicais está nas mãos do poder púbico ou, o que é pior, está sob conflito. É o caso da Amazônia brasileira, de onde constantemente se recebe notícias de conflitos agrários e grilagem de terras.

Ainda sobre as circunstâncias da Amazônia, há que se observar a determinação legal de preservação de, no mínimo, uma área equivalente a 80% (oitenta por cento) da propriedade. É a reserva legal132 prevista no Código Florestal Brasileiro.

As concessões de conservação são semelhantes às servidões, mas foram pensadas para beneficiar os que não são legítimos proprietários da terra a ser conservada. Por isso, podem ser aplicadas em terras ou florestas públicas.

Nesse esquema, os promotores da conservação, ou seja, aqueles que pagam pela concessão de conservação, podem ser ONGs, poder público, uma coletividade ou indivíduos, e, com ela, se valem do direito de usar a área concedida para evitar a exploração comercial. A aquisição desses direitos pode ser realizada diretamente do poder público ou de um particular, a depender do desenho institucional local. O valor, assim como na servidão, deve ser definido com base no custo de oportunidade.

Entretanto, sob o aspecto da equidade, o custo de oportunidade da exploração da terra pode ser muito alto e inviabilizar o mecanismo ou, o que seria ainda pior, diminuir sua eficácia. As florestas sempre são vistas como fonte de matéria prima e suas terras                                                                                                                          

como novas fronteiras agrícolas, o que torna a opção pela não exploração ainda mais difícil ou até mesmo equivocada.

Para Karsenty133, essa proposta, em última análise, representa uma verdadeira abdicação do direito de desenvolvimento, pois o provedor dos serviços ecossistêmicos (proprietário ou simplesmente aquele que tem o direito de excluir ameaças) recebe uma espécie de anuidade (renda) em troca da renúncia ao poder de exploração. O provedor recebe para manter atividades de conservação ou não explorar em terras ricas em biodiversidade, como geralmente são as florestas tropicais.

Ademais, como dito anteriormente, a maioria dos provedores de serviços ecossistêmicos não são os verdadeiros proprietários da área a ser conservada, sendo apenas posseiros com direito de uso sobre a terra. Esse, por meio das concessões de conservação cedem esse direito aos promotores e, por isso, ficam em situação bastante arriscada e vulnerável, diante da revogabilidade desses institutos. Ora, o que esses posseiros vão fazer na terra, se não têm mais o direito de usá-la? Essas pessoas não perderiam sua fonte de renda, mas perderiam a possibilidade de trabalho e, pode-se dizer, até mesmo, parte de sua liberdade.

Com base nas ideias de Amartya Sen (desenvolvimento como liberdade), Karsenty134, critica os programas de PSA baseado na criação de fundos, por entender que

teriam a capacidade de reduzir a liberdade dos habitantes locais, transformando-os em presas da pobreza, pois sempre estariam dependentes da transferência de renda, sem verdadeiros incentivos para progredir na vida.

Independente da corrente que se optar, seja pela criação de mercado ou pela remuneração via fundos, não se pode deixar de observar que o pagamento deve ser (i) pelo menos igual ao dos benefícios não cobrados pelos prestadores desses serviços (custos de oportunidade, incluindo e custos de transação para celebrar o contrato de PSE) e (ii) igual ou menor que o valor dos serviços para os compradores.