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EMOÇÕES E A ALEXITIMIA

4.1.1 Enquadramento geral das emoções

A emoção, concebida como uma motivação para a cognição e para o comportamento, é considerada como sendo primordial no desenvolvimento humano facilitando o funcionamento e a organização de vários sistemas organísmicos (Izard, 1984). Apesar do estudo das emoções se ter desenvolvido recentemente no campo da psicologia, já existem alguns cientistas que as consideram como o principal sistema motivacional do ser humano.

Segundo Izard (1991) as emoções constituem um subsistema da personalidade, a par de outros subsistemas - homeostático, pulsional, perceptivo, cognitivo e motor. Ao todo, estes seis subsistemas têm um certo grau de independência mas estão interrelacionados. Os sistemas homeostático e pulsional são de grande importância na sobrevivência biológica do ser humano. O sistema homeostático inclui os sistemas endócrino e cardiovascular que auxiliam o sistema emocional a regular e suster as emoções uma vez activadas. O sistema pulsional inclui pulsões como a fome, a sede, a actividade sexual e o evitamento da dor, fornecendo informação acerca das necessidades corporais. O sistema cognitivo caracteriza-se como sendo o principal sistema de comunicação e, por conseguinte, o sistema motor define-se como o principal sistema de acção. Os sistemas cognitivo e motor, juntamente com os sistemas da percepção e das emoções, formam a base do comportamento humano único.

Neste contexto, o sistema das emoções é considerado o principal sistema motivacional pois compete-lhe ampliar os sinais emitidos pelas pulsões e reagir à informação processada pelo organismo em função de impulsos internos ou estímulos externos, motivando e dando sentido ao comportamento do sujeito.

Mesmo reconhecendo a importância das emoções, encontrar uma definição consensual para o termo "emoção" não é uma tarefa fácil. Em revisão, Dodge e Garber (1991) concluíram que as emoções têm sido definidas como epifenómenos da cognição (Hesse & Cichetti, 1982), estados fisiológicos (Lange & James, 1922) comportamentos expressivos (Plutchik, 1980), tendências para a acção (Izard, 1972; Tomkins, 1982) ou como a coordenação de múltiplos processos (Mandler, 1975). Várias definições são contraditórias e não proporcionam uma compreensão integrada do fenómeno. No entanto, apesar da diversidade de aspectos focados existem algumas características básicas que promovem concordância entre os investigadores. Numa só frase é possível resumir o consenso: as emoções envolvem a integração de processos neurais, motores e experienciais (Gross, 1998; Izard, 1993). Estes constituem os três aspectos da resposta emocional.

O nível neural da emoção é definido primeiramente em termos de padrões de actividade electroquímica do sistema nervosa central. Os substratos neurais das emoções são melhor descritos como circuitos ou redes e, não tanto, como centros localizados no cérebro.

A componente expressiva ou motora faz referência a movimentos expressivos específicos ou tendências de acção que definem a resposta emocional. Entre eles incluem-se as expressões faciais prototípicas38, a postura, a expressão vocal, os

movimentos dos olhos e da cabeça e a acção muscular.

O nível experiencial envolve as experiências subjectivas mais comummente avaliadas através dos registos verbais dos sentimentos e os processos ou condições motivacionais ao nível da consciência. Esta componente pode incluir cognições específicas ou tipos particulares de pensamento (Izard, 1991, 1993; Taylor, Bagby, & Parker, 1997).

O conceito de auto-regulação das emoções implica a modulação destes três sistemas em função uns dos outros (Dodge & Garber, 1991) e, contrariamente ao que se possa pensar, a regulação das emoções não significa controlá-las, mas sim organizá-las e utilizá-las de um modo adaptativo (Taylor et ai., 1997). Tal como define Gross (1998, p.275): "Emotion regulation refers to the process by which individuals influence which emotions they have, when they have them, and how they experience and express these emotions." Este processo pode ser automático ou controlado, consciente ou inconsciente e pode implicar mudanças em vários aspectos das

Estudos desenvolvimentais e culturais fornecem evidência de que existe um conjunto específico de expressões faciais que são inatas e universais (Izard, 1994).

emoções: na latência, magnitude, duração e componentes de resposta fisiológica, comportamental e experiencial.

Em termos funcionais, as emoções são fenómenos psicofisiológicos breves que têm um cariz adaptativo em relação às mudanças do meio, ou seja, preparam o organismo para actuar e responder aos estímulos e às alterações ambientais (Keltner & Gross, 1999). Ao nível fisiológico, as emoções rapidamente organizam as respostas de diferentes sistemas biológicos tais como: a expressão facial, o tonús muscular, a voz, a actividade do sistema nervoso autónomo e a actividade endócrina. A regulação do estado interno do organismo visa produzir as melhores condições para uma resposta eficaz (Damásio, 2000b; Izard, 1991; Levenson, 1994).

Ao nível psicológico as emoções alteram a atenção, mudam certos comportamentos nas hierarquias de resposta e activam redes relevantes na memória. As emoções influenciam directamente as percepções através dos sentidos, afectando o processamento de informação e as acções subsequentes.

Em termos desenvolvimentais, devido às suas funções adaptativas e motivacionais, as emoções ajudam a pessoa a alcançar marcos desenvolvimentais, nas áreas social e cognitiva, ao longo dos diferentes estádios de vida (Abe & Izard, 1999).

Socialmente as emoções representam ainda uma forma de comunicar. Através das características expressivas das emoções, como a expressão facial ou o choro, o ser humano comunica aos outros o seu estado emocional (Levenson, 1994).

Em síntese, considera-se que as emoções exercem uma influência marcante na vivência do ser humano, assumindo funções ao nível biológico, psicológico/ motivacional, desenvolvimental e social. O comportamento humano é, assim, fortemente determinado por elas (Damásio, 1995; Izard, 1991; Levenson, 1994). Como as emoções reúnem influências inatas e influências resultantes da aprendizagem, da evolução e da cultura, as diferenças que se verificam nestas áreas são susceptíveis de produzir uma considerável variação emocional entre os indivíduos e os grupos (Levenson, 1994).

Na abordagem deste tema convém ainda perceber a distinção que existe entre o termo emoção e outros vulgarmente utilizados nesta área - os sentimentos e os afectos - pois ao nível da terminologia, afectos, sentimentos e emoções não são propriamente designações equivalentes. Ao nível da literatura, não há um uso consistente destes termos; a maioria dos autores usa os termos emoção e afecto

indistintamente e alguns nem sequer os distinguem do termo sentimento (Taylor et ai., 1997).

Esta diferenciação foi proposta por Nemiah, Freyberger e Sifneos (1976) com o objectivo de os clarificar. Segundo estes autores, o afecto constitui um termo geral, não específico, mais global relativamente aos termos emoção e sentimento e, inclui duas dimensões: uma biológica (emoção) e outra psicobiológica (sentimento). Assim, os sentimentos referem-se aos aspectos mais subjectivos/ experienciais dos afectos e as emoções, por sua vez, traduzem a sua componente somática. Por outras palavras, os sentimentos são emoções com acréscimo de imaginação, imagens e pensamentos que fazem parte dos processos psicológicos individuais (Sifneos, 1995).

Adicionalmente, podemos ainda considerar a dimensão temporal como outro critério de diferenciação; "... as emoções são fenómenos afectivos intensos que surgem geralmente de forma brusca e que também rapidamente se desvanecem. Os sentimentos são fenómenos afectivos estáveis que resultam, em regra, da intelectualização das emoções" (Rodrigues, 1989a, p.15).

Izard (1991) considera igualmente que os afectos (termo geral e não específico) incluem todos os estados motivacionais, como as emoções, as pulsões e as ligações entre estas e as cognições, mas a sua perspectiva diferencia-se ligeiramente da de Nemiah et ai. (1976) ao considerar que os sentimentos constituem a componente experiencial das próprias emoções (e não dos afectos). Tal como referimos as emoções têm características neurais, expressivas e experienciais. Segundo Izard (1991) os sentimentos representam a componente experiencial e podem estar relacionados com as cognições. Como constituem, por definição, uma experiência consciente são também os aspectos mais acessíveis das emoções.

A distinção defendida por Damásio (2000a,b) aproxima-se em certa medida da de Izard (1991). Segundo Damásio, os sentimentos são dirigidos para o interior e são privados e as emoções são dirigidas para o exterior e são públicas. As emoções manifestam-se externamente através da postura corporal, movimentos oculares, expressão facial, entre outros possíveis indicadores, sendo muito difícil controlar a sua expressão. Por seu turno, a percepção ou a experiência das mudanças associadas à resposta emocional constituem os sentimentos. Na perspectiva de Damásio (2000a, p.159): "Este processo de acompanhamento contínuo, esta experiência do que o corpo está a fazer enquanto pensamentos sobre conteúdos específicos continuam a desenrolar-se, é a essência daquilo a que chamo um sentimento". É através dos sentimentos que as emoções iniciam o seu impacto na mente.

Segundo este autor todas as emoções originam sentimentos se a pessoa estiver desperta e atenta; estes podem ser sentimentos de emoções universais básicas ou sentimentos de emoções universais subtis (variantes das emoções básicas/primárias). No entanto, segundo este autor nem todos os sentimentos provêm de emoções. Estes últimos designam-se por sentimentos de fundo e têm origem em estados corporais e não em estados emocionais. Estes sentimentos não se encontram no primeiro plano da nossa mente, mas ajudam-nos a definir o nosso estado mental. Entre os mais proeminentes incluem-se a fadiga, energia, bem-estar, relaxamento, harmonia, instabilidade e discórdia. A relação entre estes e o humor é estreita.