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Relação da alexitimia com a depressão e a ansiedade

EMOÇÕES E A ALEXITIMIA

4.2. A ALEXITIMIA 1 Conceito

4.2.4. Relação da alexitimia com a depressão e a ansiedade

Existem, basicamente, dois pontos de partida que impulsionaram o estudo da relação entre estas variáveis: a) os sujeitos com perturbações de ansiedade e humor são mais alexitímicos do que os sujeitos saudáveis e vice-versa (Devine, Stewart, &

Watt, 1999; Fukunishi, Kikuchi, Wogan, & Takubo, 1997; Honkalampi et ai., 2000; Honkalampi, Saarinen, Hintikka, Virtanen, & Viinamâki, 1999; lancu et ai., 1999) e b) as medidas de avaliação da alexitimia estão correlacionadas com as medidas de avaliação da depressão e da ansiedade (Corços et ai., 2000; Eizaguirre, Cabezón, Alda, Olariaga, & Juaniz, 2004; Lumley, 2000; Taylor, Parker et ai., 1992).

4.2.4.1. Alexitimia, depressão e ansiedade: construtos distintos ou sobrepostos? A primeira questão com que nos defrontamos quando procuramos explorar a relação entre estas variáveis é se nos encontramos perante três construtos distintos, ou se eles de alguma forma se sobrepõem. Vários trabalhos têm analisado a validade diferencial entre eles e, neste contexto, sobretudo a alexitimia e a depressão têm merecido maior atenção. Actualmente, denota-se uma tendência para considerar a alexitimia e a depressão como construtos distintos mas altamente correlacionados (Marchesi, Brusamonti, & Maggini, 2000; Muller, Buhner, & Ellgring, 2003; Oogai et ai., 2003; Parker, Bagby, & Taylor, 1991). No entanto, também têm emergido outras opiniões considerando uma sobreposição entre ambos, isto é, colocando a hipótese dos instrumentos de auto-registo da alexitimia medirem alguns aspectos da depressão, sobretudo relacionados com a área emocional e a auto-crítica (de Groot et ai., 1995; Sifneos, 1996).

Havendo ou não sobreposição, existe algum consenso relativamente à forte relação existente entre estes dois fenómenos. A partir daqui é possível questionar quais as dimensões da alexitimia que mais se correlacionam com a depressão. A resposta a esta questão parece ser: na depressão, denota-se uma acentuada dificuldade em identificar e expressar sentimentos, mas não uma relação com o pensamento operatório da alexitimia (Bankier, Aigner, & Bach, 2001; Berthoz et ai., 1999; Duddu, Isaac, & Chaturvedi, 2003; Modestin, Furrer, & Malti, 2004; Saarijàrvi, Salminen, & Toikka, 2001).

Alguns trabalhos destacam uma destas dimensões em particular. A dificuldade em identificar sentimentos é a dimensão mais relacionada com depressão nos estudos de Honkalampi et ai. (2001), Saarijàrvi, et ai. (2001) e Sexton, Sunday, Hurt e Halmi (1998), mas segundo Marchesi et al. (2000), a sua presença deve-se essencialmente à co-ocorrência da ansiedade. Estes mesmos autores consideram que é a dificuldade em expressar sentimentos que prediz a depressão, pois está associada ao processo de normalização da perturbação depressiva (Duddu et ai.,

2003). Quanto ao estilo de pensamento orientado para o exterior este parece ser relativamente independente da depressão (Saarijàrvi et ai., 2001).

No que concerne à ansiedade e à sua distinção relativamente à alexitimia, a tendência também é para considerá-los fenómenos diferentes. No entanto, e à semelhança do que verificámos na depressão, também se conjectura uma certa sobreposição entre estes construtos. Esta hipótese surge dos trabalhos de Cox, Swinson, Shulman e Bourdeau (1995) que apontaram para a existência de uma sobreposição conceptual entre a dificuldade de identificar emoções e distingui-las das sensações corporais, presentes na alexitimia, e os aspectos cognitivos da ansiedade sensitiva caracterizados pela interpretação incorrecta e catastrófica de sensações físicas estranhas. Posteriormente, outros autores adoptaram esta interpretação ao verificarem que a análise factorial reunia no mesmo factor itens de ambas (Marchesi et ai., 2000).

No entanto, a opção por esta hipótese não é consensual entre os investigadores, denotando-se a definição de uma outra linha de pensamento que defende uma verdadeira relação entre a ansiedade e a alexitimia. Zeitlin e McNally (1993) foram os seus principais impulsionadores ao considerarem que as pessoas ansiosas tinham uma propensão para conter as experiências emocionais. Esta contenção tem como objectivo evitar a vivência das sensações fisiológicas relacionadas com os afectos, na medida em que estas poderão despoletar as temidas sensações físicas da ansiedade. Assim, o resultado final é o agravamento da dificuldade de identificar sentimentos.

Posteriormente, outros estudos orientaram as suas conclusões neste sentido (Devine et ai., 1999, lancu, Dannon, Poreh, Lepkifker, & Grunhaus, 2001) concluindo a existência de uma verdadeira relação entre esta patologia e a alexitimia, congruente com a tendência para a constrição emocional.

A confirmar-se esta hipótese resta perceber qual a ordem de desenvolvimento de cada um destes fenómenos; a dificuldade em identificar sentimentos pode preceder e predispor a ansiedade, ou de forma alternativa, pode surgir como resposta a esta, com o objectivo de reagir, ainda que de forma transitória, contra a consciência emocional intensa.

À semelhança do que se verifica com a depressão, a dimensão do pensamento orientado para o exterior da alexitimia não se relaciona com a ansiedade (Fukunishi et ai., 1997).

4.2.4.2. Alexitimia: traço ou estado?

A relação da alexitimia com a depressão e a ansiedade está associada à pergunta: a alexitimia constitui um traço ou um estado? Perante esta interrogação as opiniões dividem-se. Na perspectiva do estado incluem-se os investigadores que consideram que a alexitimia se pode desenvolver como uma reacção concomitante a uma doença e cujo desaparecimento acompanha a evolução positiva da própria doença. Neste contexto, a alexitimia pode surgir como secundária a problemas físicos (Wise, Mann, Mitchell, Hryvniak, & Hill, 1990) ou psicopatológicos, tais como, a depressão (Honkalampi et ai., 2000; Saarijàrvi et ai., 2001). Esta última percepção é apoiada por observações clínicas que sugerem que, quando o tratamento produz melhorias ao nível da depressão, os indivíduos apresentam uma evolução substancial na capacidade de expressão emocional (Lumley, 2000). Ao nível empírico, também existem investigações que analisam estes dois fenómenos durante um período de tempo e cujas conclusões vão neste sentido (cf. Honkalampi et ai., 2001; Honkalampi et ai., 2004; lancu et ai., 1999; Saarijàrvi et ai., 2001).

Relativamente à ansiedade, apenas encontrámos um estudo que analisasse este aspecto. Ao longo dum período de seis meses, Fukunishi et ai. (1997) verificaram uma reversão das características alexitímicas associada à diminuição da ansiedade.

Procurando, então, fazer uma síntese de todos estes contributos é possível referir que, em comum, está subjacente a concepção da alexitimia como um estado, dependente, sobretudo, da ansiedade e da depressão.

A outra visão alternativa da relação da alexitimia com a depressão e a ansiedade, enquadra-se na perspectiva alexitimia-fraço e é apoiada pelos estudos longitudinais que demonstram que este construto é independente doutras perturbações psicológicas (Martínez-Sánches, Ato-García, Adam, Medina, & Espana, 1998). Taylor et ai. (2000) realçam, no entanto, que muitos destes estudos longitudinais não distinguem entre estabilidade absoluta (padrão individual que se mantém ao longo do tempo) e estabilidade relativa (continuidade ao longo do tempo das diferenças relativamente aos outros). Procurando clarificar esta questão, os mesmos autores (Luminet, Bagby, & Taylor, 2001) implementaram uma investigação com base num programa de tratamento da depressão major de 14 semanas. Os resultados indicaram que, apesar da alexitimia ter diminuído ligeiramente num contexto no qual se verificou uma acentuada diminuição da depressão, a estabilidade

relativa da alexitimia ficou evidenciada. Ou seja, de acordo com estes resultados este construto não é dependente da depressão.

Também Grabe et ai. (2001) verificaram que a severidade da psicopatologia (incluindo a ansiedade e a depressão) explicava apenas 5% da variância da TAS-20 na amostra estudada. A independência entre estas perturbações é reforçada também por outros estudos longitudinais e transversais, com o recurso a diferentes metodologias (Modestin et ai., 2004; Salminen, Saarijárvi, Ààirelà, & Tamminen, 1994; Wise, Mann, & Hill, 1990).

Mas, como explicam os autores que defendem a independência da alexitimia relativamente à depressão e à ansiedade, as correlações frequentemente encontradas com estas variáveis? Segundo Taylor e seus colaboradores (1997), o ponto fulcral consiste em considerar a alexitimia como uma variável predisponente ao desenvolvimento de outras perturbações relacionadas com a regulação deficitária dos afectos. Por exemplo, a perda da capacidade para "ler" a ansiedade e utilizá-la como sinal de afecto pode dar origem a uma perturbação da ansiedade. A alexitimia ao predispor a outras perturbações, facilmente surge associada a estes quadros, correlacionando-se com os seus sinais e sintomas.

Em termos de relações, destaca-se ainda uma terceira linha de pensamento que considera que a alexitimia pode constituir tanto um estado como um traço. Esta posição intermédia é defendida por Bach e Bach (1996) e Horton et ai. (1992) que referem que a alexitimia pode, dependendo dos casos, constituir um traço de personalidade estável ou desenvolver-se secundariamente como uma estratégia para lidar com situações emocionais problemáticas. Também Sifneos (1991, 1995), autor associado à formulação do conceito de alexitimia, considera que a perturbação pode ser primária ou secundária consoante as causas. A etiologia biológica (e.g. desconexões entre as regiões límbicas e corticais) define a alexitimia primária, enquanto que as causas psicossociais (e.g. experiências traumáticas, exposição a situações de crise massivas, utilização sucessiva da negação e da repressão) serão referentes à alexitimia secundária.

Outro contributo que se enquadra numa perspectiva intermédia é o modelo teórico de Berthoz, Consoli, Perez-Diaz e Jouvent (1999) que pressupõe que a ansiedade, e em especial a ansiedade-traço, influencia directamente a alexitimia, enquanto que a depressão não exerce directamente influência sobre esta, actuando, sim, sobre a ansiedade. Como estes investigadores verificaram que, controlando o efeito da depressão, os indivíduos com ansiedade continuavam a demonstrar

dificuldades na identificação de sentimentos, formularam a hipótese da alexitimia ser relativamente estável, podendo a incapacidade para perceber o próprio estado emocional ser indutor de ansiedade. Paralelamente, equacionaram a possibilidade de algumas dimensões do construto (e.g. dificuldade em comunicar sentimentos aos outros) serem estado-dependentes, podendo desenvolver-se secundariamente no seguimento de situações de elevado stress ou trauma.

Nesta linha, distinguem-se mais alguns autores que consideram a alexitimia dependente ou independente em função dos contextos específicos. Por exemplo, Fukunishi et ai. (1997) salientam que apesar de considerarem a alexitimia como um estado reversível poderão existir características no construto que se comportem como traços. Hendryx, Haviland e Shaw (1991) referem que a dificuldade na identificação e comunicação de sentimentos está relacionada com a presença da depressão e da ansiedade, enquanto que as outras dimensões da alexitimia são independentes.

Perante este cenário torna-se muito difícil chegar a uma conclusão única. Por outro lado, é possível que não exista uma só verdade. Ou seja, provavelmente existem casos em que a alexitimia é primária e casos em que ela é secundária. Também é possível que, em função das diferentes patologias, a alexitimia assuma um papel predominantemente desencadeador ou predominantemente secundário. Por fim, é de considerar, ainda, a hipótese das suas dimensões se relacionarem diferentemente com a depressão e ansiedade.

Independentemente da perspectiva considerada, será de realçar o facto da alexitimia dificultar, em especial, a recuperação da depressão. Esta hipótese encontra suporte nalguns estudos que concluíram um efeito negativo das características alexitímicas na evolução do quadro depressivo e, nomeadamente, na resposta aos anti-depressivos (Ogrodniczuk, Piper, & Joyce, 2004; Õzsahin, Uzun, Cansever, & Gulcat, 2003; Saarijàrvi et ai., 2001). A explicação poderá passar pela dificuldade em identificar sentimentos, que foi reconhecida por Ogrodniczuk et ai. (2004) como sendo preditiva da severidade de sintomas residuais da depressão e, também, pela dificuldade em verbalizar os problemas, que poderá exacerbar as dificuldades de relacionamento social implicadas na depressão (Haviland & Reise, 1996).