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Variáveis relacionadas com a área emocional

EMOÇÕES E A ALEXITIMIA

4.1.2. Variáveis relacionadas com a área emocional

4.1.2.1. Depressão

O termo depressão tem sido utilizado de variadas formas: como um afecto, como um sintoma ou como uma perturbação (Zung, 1965). Como afecto, a depressão visa descrever um estado emocional negativo. Como sintoma, a depressão está mais associada à presença do humor depressivo, que traduz um mal-estar psicológico pautado pela tristeza, desesperança e sentimento de vazio. Como perturbação, a depressão assume-se como um estado clínico com implicações físicas, comportamentais e cognitivas, intercorrelacionados entre si (T. J. Powell & Enright,

1990; Richard & Droz, 1977 cit in Saraiva & Vilhena, 1981).

Centremo-nos, essencialmente, nesta última perspectiva. A este nível, a literatura psiquiátrica, e em concreto o DSM-IV-TR (APA, 2000/2002), define este fenómeno como episódio depressivo major, cujos sintomas centrais são o humor depressivo e/ou a perda de interesse que deverão permanecer por um período de duas semanas. Para além destes, este manual faz referência a outros sintomas que, normalmente, estão associados, quer em termos psicológicos/ cognitivos (sentimentos de desvalorização ou culpa excessiva, diminuição da capacidade de pensamento ou da concentração, pensamentos recorrentes acerca da morte), quer em termos físicos (perda de peso, insónia ou hipersónia, agitação ou lentificação psicomotora, fadiga).

Actualmente reconhece-se que a depressão envolve uma combinação complexa de emoções, memórias, cognições e estados corporais, sendo a sua expressão influenciada por factores biogenéticos e sócio-culturais. Contudo, a forma como estes componentes estão interligados e, particularmente, o papel que as emoções assumem neste processo varia de acordo com as diferentes teorias.

Na Teoria Diferencial das Emoções (TDE; Izard, 1991) a depressão aparece associada a várias emoções primárias. Por exemplo, considerando a anorexia nervosa, a vergonha em relação ao corpo pode ser uma causa da depressão. A persistente vivência da vergonha e a prolongada inibição da sua expressão podem levar o indivíduo a elaborar pensamentos auto-depreciativos e a sentir culpa e hostilidade em relação a si próprio. A presença prolongada destes aspectos pode potenciar a emergência de um estado depressivo.

Na prática várias outras emoções podem estar associadas a este quadro: cólera, nojo, desprezo (tanto orientadas para o interior como para o exterior), medo, vergonha e culpa. No entanto, é a tristeza que aparece como a emoção-chave na depressão.

A TDE considera que a depressão se desenvolve a partir de interacções emoção-cognição, sendo as emoções primárias ou os padrões de emoções a sua causa principal. Apesar de menos salientes, esta teoria reconhece a presença de outros factores afectivos tais como a diminuição do interesse sexual, a redução do bem-estar e o aumento da fadiga. Estes factores são considerados efeitos imediatos da depressão, associados a conflitos emoção-emoção. Izard (1991) reviu vários estudos empíricos efectuados nesta área, concluindo que estes apoiavam a concepção da depressão como uma combinação variável de afectos e interacções entre emoções e cognições.

Esta perspectiva distingue-se, no entanto, da clássica Teoria de Beck (1986) que atribui a primazia deste processo às cognições. Segundo este autor as cognições constituem a principal determinante das emoções, do humor e do comportamento. A tríade de determinantes cognitivos que descreve - que engloba a forma como a pessoa se vê a si, o mundo e o futuro - explica a presença dos sintomas depressivos. Exemplificando, construindo uma visão negativa do self o sujeito depressivo vê-se a si próprio como desadequado e atribui a sua infelicidade a incapacidades pessoais; encarando o mundo de uma forma negativa, a tendência é para interpretar as suas interacções como falhas e derrotas aumentando a sua descrença; a visão negativa do futuro propicia a antecipação de um sofrimento continuado, sem perspectivas de

mudança.

Assim, Beck considera que é a organização cognitiva que determina como as ideias e os objectos podem ser percebidos e conceptualizados. Apesar de reconhecer a importância das emoções, o seu modelo afasta-se da TDE ao considerar que estas são uma consequência das cognições.

As teorias psicanalíticas da depressão, por sua vez, encontram mais pontos em comum com a TDE. Izard (1991) reviu várias obras e concluiu que as componentes da TDE vão sendo abordadas por um ou outro investigador que segue esta linha. Os psicanalistas incluem as emoções na descrição da depressão e todos são unânimes em considerar que a tristeza é uma característica dominante. No âmbito desta perspectiva a predisposição para a tristeza é adquirida no estádio oral do desenvolvimento, a propósito da sensação de abandono que a criança possa ter experienciado nesta fase de grande dependência. Na depressão, a tristeza surge no seguimento de uma perda real ou imaginária e é altamente ameaçadora da auto- estima e da segurança emocional.

A presença da cólera no quadro da depressão é igualmente postulada em quase todas as teorias psicanalíticas, estando relacionada com as experiências na infância, sobretudo as experiências de frustração. A culpa é outra emoção proeminente e a sua génese justifica-se pelos comportamentos que surgem no seguimento da raiva descontrolada. O medo é menos citado e, os psicanalistas que o consideram associam-no ao sentimento de incapacidade face ao perigo. Por último, a vergonha: esta emoção não é referida por todas as perspectivas, apesar de haver uma certa tendência em considerá-la subjacente à perda de auto-estima e aos sentimentos de inferioridade característicos da depressão.

Como se pode denotar, as emoções são consideradas componentes fundamentais neste quadro clínico, mesmo equacionando diferentes modelos teóricos. No entanto, é de salvaguardar que nem todas as teorias ponderam a sua influência. Por exemplo, as teorias da aprendizagem comportamental analisam a origem de certas respostas no quadro da depressão, valorizando essencialmente os processos de aprendizagem. Na revisão teórica efectuada por Izard (1991) relativamente a estas, este autor destaca os contributos de Seligman (1975), Forster (1972) e Lewinsohn (1974). Os dois últimos têm uma posição similar e defendem que a apatia na depressão resulta da escassez de reforços positivos. Para compensar estas condições adversas o indivíduo deprimido adopta comportamentos desadaptativos, como as lamentações e o choro. Uma vez adoptados, estes comportamentos são muitas vezes reforçados levando, ainda, a uma exacerbação do problema.

Destes três autores apenas Seligman faz referência à influência das emoções. Este concebe a depressão como um abandono aprendido. O indivíduo deprimido sente que não tem controlo sobre determinados aspectos que valoriza e a depressão passa a agir como um inibidor do medo. Contudo, esta teoria só é aplicada a casos de

depressão reactiva. Esta crítica apontada à abordagem de Seligman pode, no entanto, generalizar-se às restantes análises de orientação behaviorista. De uma forma geral, estas abordagens revelam-se muito estritas, incapazes de serem aplicadas a muitos casos clínicos de depressão (Izard, 1991).

4.1.2.2. Ansiedade

À semelhança da depressão, o termo de ansiedade também se reveste de várias acepções. Ele pode designar uma emoção, um estado clínico ou um traço de personalidade básica (Rodrigues, 1984; Serra, 1980).

Em termos emocionais, Izard (1991) considera a ansiedade como uma emoção secundária resultante da combinação de várias emoções primárias como o medo, tristeza, vergonha e culpa. Ela gera-se com maior probabilidade em situações percepcionadas como importantes ou associadas a elevada incerteza.

De um modo geral, a ansiedade faz parte do espectro normal das experiências humanas, no entanto, ela pode assumir contornos patológicos quando é desproporcional à situação que a despoleta, ou quando não existe um objecto específico ao qual se direcciona. Este quadro emocional que se desencadeia (ansiedade-estado) caracteriza-se por uma experiência subjectiva de apreensão, tensão e preocupação, conscientemente percebida, que é acompanhada por um aumento da actividade do sistema nervoso autónomo.

O conceito de ansiedade-traço, por sua vez, assume-se como um conceito distinto, pois reporta-se a uma característica de personalidade e não a um estado de ansiedade transitório. Por outras palavras, o conceito de ansiedade-traço refere-se às diferenças na tendência de reagir a situações percebidas como ameaçadoras, com a intensificação do estado de ansiedade (Spielberger, Gorsuch, Lushene, Vagg, & Jacobs, 1970).

Ponciano, Serra e Relvas (1982, p.191) referem que "... toma-se particularmente útil compreender e avaliar a ansiedade-estado, pela simples razão de constituir uma situação perturbadora em largo contingente de doentes, que se mantém por certo período de tempo". Centrando-nos então nesta, podemos referir que neste quadro interagem emoções, cognições, comportamentos e sensações físicas, à semelhança do que se descreveu na depressão (T. J. Powell & Enright, 1990). As sensações físicas mais comuns são: fadiga, tensão muscular, aceleração do ritmo cardíaco, suores, tremores, dificuldades em respirar, tonturas, náuseas ou mal-estar abdominal, parestesias (entorpecimento ou formigueiros), sensação de frio ou calor. São,

também, comuns as perturbações do sono, a hipervigilância e a agitação motora. Cognitivamente, podem surgir as dificuldades de concentração, esquecimentos, medo de perder o controlo ou de enlouquecer, sensação de irrealidade e despersonalização. Estes sintomas gerais de ansiedade estão patentes nas diferentes perturbações de ansiedade definidas no DSM-IV-TR (APA, 2000/2002).

A componente emocional também está fortemente vincada neste quadro. Estudos combinando o "State-Trait Anxiety Inventory" (STAI) e a "Diferencial Emotions Scale (DES)" revelaram que, das várias emoções implicadas, o medo é a emoção dominante. No entanto, estes mesmos estudos comprovaram a necessidade de o distinguir da ansiedade (Izard, 1972 cit in Izard, 1991). A ansiedade caracteriza-se pela afectividade negativa e a tensão somática associada à antecipação de um futuro perigoso, enquanto que o medo é uma reacção de alarme imediata a uma ameaça ou perigo percebido (Kring & Bachorowski, 1999).

Para além do medo, várias outras emoções podem surgir combinadas na ansiedade. O medo pode conduzir à sensação de isolamento levando o indivíduo ansioso a sentir tristeza. A vergonha e a culpa também aparecem frequentemente implicadas no perfil dos sujeitos com elevada ansiedade; provavelmente estas emoções decorrem da exposição do medo aos outros, característica esta pouco valorizada socialmente. Em concreto, a associação medo-vergonha pode ser particularmente debilitante, uma vez que nenhuma das duas emoções promove a interacção social (Izard, 1991). Fazendo a ponte para a anorexia nervosa e, sabendo que tanto a ansiedade como o isolamento social são características dominantes nesta patologia, é possível que a díade de emoções medo-vergonha seja marcante nas doentes anorécticas. Nalguns estudos a emoção interesse também aparece associada à ansiedade, geralmente, como forma de equilibrar o medo (Izard, 1991).

Na globalidade, estes estudos demonstram que a ansiedade pode ser dividida num número de factores afectivos relativamente independentes. Este dado é válido tanto nas investigações efectuadas com crianças como com adultos e vai de encontro à concepção da ansiedade avançada pela TDE, que define este quadro como um padrão complexo de emoções. A importância atribuída a cada emoção na ansiedade pode diferir, no entanto, de indivíduo para indivíduo.

Nas perturbações de ansiedade propriamente ditas, os défices no processamento emocional são também uma característica saliente. Este grupo heterogéneo de perturbações envolve tipicamente um número de emoções negativas, cujas mais proeminentes são a ansiedade, o medo e o nojo. Sendo a afectividade

negativa praticamente transversal a todas as perturbações de ansiedade, os processos emocionais que se encontram perturbados podem ser, contudo, distintos (Kring & Bachorowski, 1999).

Desta forma, é possível concluir que os sujeitos com sintomatologia depressiva e ansiosa (i.e. com humor negativo) têm em comum uma marcada afectividade negativa, ou seja, a afectividade negativa constitui um factor de vulnerabilidade emocional estável na depressão e na ansiedade. Em termos diferenciais, a ansiedade caracteriza-se por uma elevada tensão e somatização e o quadro depressivo por uma diminuída afectividade positiva (Clark & Watson, 1991; Watson et al., 1995).

4.1.2.3. Auto-eficácia

Em 1977, Bandura definiu uma variável promissora no campo da Psicologia da Saúde - a auto-eficácia (cit in Ribeiro, 1995). Esta variável reconhece a diversidade das capacidades humanas mas não se centra no reportório de competências individuais. A auto-eficácia refere-se antes à crença que cada indivíduo tem de que consegue aplicar os seus conhecimentos e as suas capacidades numa variedade de circunstâncias, nomeadamente, circunstâncias adversas ou ambíguas. Um funcionamento efectivo requer tanto as competências como as crenças de eficácia para as utilizar (Bandura, 1997).

As crenças de eficácia englobam o exercício de controlo sobre a acção mas, também, a auto-regulação de outros processos como o pensamento, a motivação e os estados fisiológicos e afectivos. Tal como refere Bandura (1997, pp.36-37) "... efficacy is a generative capability in witch cognitive, social, emotional, and behavioral subskills must be organized and effectively orchestrated to serve innumerable purposes". O pensamento auto-referente activa os processos cognitivos, motivacionais e afectivos que dirigem a transferência do conhecimento e das capacidades para as acções.

Várias são as fontes de informação possíveis implicadas na construção das crenças de auto-eficácia, entre elas as experiências pessoais, as experiências vicariantes, o feedback dos outros e a informação somática transmitida através dos estados fisiológicos e emocionais. Para além destes factores também o estado de humor afecta os julgamentos dos indivíduos acerca da sua eficácia, pois constitui uma fonte adicional de informação afectiva com implicações na qualidade de funcionamento do indivíduo (Bandura, 1997). O humor negativo (ansiedade e

depressão) pode desviar a atenção e afectar a forma como os eventos são interpretados, organizados cognitivamente e recuperados da memória (Eich, 1995).

Mas se a auto-eficácia é influenciada por processos afectivos, o recíproco também se verifica; ou seja, o mecanismo de auto-eficácia também joga um papel central na auto-regulação dos estados afectivos, determinando as reacções emocionais antes das, e perante as situações (Bandura, 1997; 0'Leary, 1992). Existem três formas principais segundo as quais a auto-eficácia afecta a natureza e a intensidade das experiências emocionais através do exercício de controlo pessoal: sobre o pensamento, a acção e o afecto.

Na regulação dos estados afectivos, a auto-eficácia cria uma tendência atencional influenciando a forma como os acontecimentos de vida são construídos e representados cognitivamente. Paralelamente, exerce também o seu efeito através da percepção das capacidades cognitivas para o controlo dos pensamentos que invadem a consciência.

Ao nível da acção, as crenças de eficácia regulam os estados emocionais transformando o ambiente de forma a modificar o seu potencial emotivo. Ou seja, os indivíduos que têm um elevado sentido de eficácia adoptam estratégias e acções com o objectivo de alterar os ambientes perigosos ou prejudiciais.

Ao nível do afecto, a auto-eficácia pode exercer a sua influência através do treino de controlo da ansiedade e do humor depressivo. Parte-se do princípio que, da mesma forma que as pessoas têm capacidade para regular os seus pensamentos e acções, também conseguem influenciar o que sentem. Estas formas alternativas de regulação dos afectos não implicam a alteração do meio ambiente ou da fonte cognitiva associada ao estado emocional (Bandura, 1997).

Deste modo, equacionando a influência da baixa percepção de eficácia na vivência emocional, pode-se deduzir que ela pode gerar tanto depressão como ansiedade. As pessoas sentem ansiedade quando se percepcionam incapazes para lidar com acontecimentos adversos. Sentem-se tristes e deprimidas quando percepcionam a sua ineficácia para obter resultados positivos (Beck, 1973).

Aprofundemos esta questão, analisando os efeitos específicos da auto-eficácia sobre o pensamento, a acção e o afecto. Começando pela ansiedade, verifica-se que perante traços de pensamento ineficazes, centrados nas dificuldades, os indivíduos direccionam a sua atenção para possíveis ameaças, limitando o seu nível de funcionamento. A baixa percepção de controlo pode aumentar cognitivamente o carácter ameaçador das situações. Em termos de acção, a consequência será a não

adopção de estratégias e acções com o objectivo de alterar os ambientes perigosos ou prejudiciais. Afectivamente, ter a percepção de que não se consegue aliviar estados emocionais negativos, independentemente da sua fonte, torna-os ainda mais aversivos.

Quanto à depressão, a baixa auto-eficácia pode mediar o aparecimento da depressão através da influência que exerce sobre o processamento cognitivo das experiências. A baixa auto-eficácia desenvolve uma tendência negativa para processar cognitivamente os sucessos e os fracassos e, também, para julgar negativamente o progresso pessoal e as reacções afectivas às próprias realizações. Paralelamente, a auto-eficácia influencia as explicações causais nos desempenhos conseguidos. Outra forma de influenciar cognitivamente o aparecimento da depressão será através do baixo sentido de eficácia atribuído à não concretização de aspirações. Por fim, a percepção de incapacidade para controlar os pensamentos depressivos e ruminativos e o baixo sentido de eficácia social associado às dificuldades de relacionamento interpessoal constituem factores adicionais na mediatização da depressão (Bandura, 1997). Os estudos científicos comprovam esta associação, constatando que a depressão diminuiu à medida que aumenta a auto-eficácia (O'Leary et ai., 1988 cit in O'Leary, 1992).

4.2. A ALEXITIMIA